Comandante das FARC responde a jornalista espanhol

– As FARC sofreram os seus mais duros golpes durante o governo Uribe, como a Operação Jaque, a Operação Fénix, a Operação Camaleão. Em que situação se encontra a guerrilha? Quais são os seus efectivos e que território controla?

AC: Para ser honesto o golpe mais sério e mais substancial que recebemos foi após a segunda conferência da guerrilha realizada em 1966, no departamento de Quindío, onde perdemos uma grande quantidade de combatentes e 70% das armas. Só após a quinta conferência, muitos anos depois, o comandante Marulanda poderia dizer: “Finalmente recuperámos do mal que quase nos liquidou.”

Operativos como Jaque, desenvolvido a partir da traição do chefe da unidade de guerrilha que vendeu os prisioneiros de guerra sob sua custódia, não possuem as conotações propagandeadas pelo governo. Temos resgatado inúmeras vezes os nossos prisioneiros das prisões do Estado. São acções de guerra que obrigam as partes a tomarem novas medidas de segurança. Não modificam a concepção nem os desenhos operacionais, e muito menos a estratégia operacional de nossas forças.

Nos últimos nove anos, e, como resultado da maior ingerência militares dos EUA nos assuntos internos da Colômbia, a guerra intensificou-se. Temos sofrido golpes. As mortes de Raúl, de Jorge, de Ivan Ríos e de muitos camaradas, doem-nos e geram a dor revolucionária que desencadeia, imparável, maior compromisso com os nossos ideais do socialismo. Já a assimilamos. Com o legado e o exemplo de nossos heróis e mártires, as novas gerações tomam o seu lugar na trincheira, novas gerações de revolucionários dispostos, como os mais velhos, a dar tudo, até a vida, pelos objectivos da Nova Colômbia.

Mas sabemos que em toda a guerra existem mortes, em ambos os lados, e a Colômbia não é excepção.

Também estes nove anos, têm mostrado a dimensão e a qualidade do compromisso das FARC com os nossos ideais de mudança e transformação revolucionária. Como é evidente também temos atingido as forças militares e paramilitares do Estado, as institucionais e as para-institucionais, todas, incluindo aquelas que atiram a pedra e escondem a mão, que cinicamente dizem desconhecer a estratégia dos “falsos positivos”, que negam nos media a sua conivência com o narcoparamilitarismo, mas lhe abrem na escuridão da noite as portas secretas de seus palácios, mansões e fazendas para conspirar contra a convivência, a democracia e contra o povo.

As FARC mantêm a sua influência, sólida influência, nas áreas onde existem, em todos os cantos do território nacional, nascida e enraizada na correcção da nossa abordagem política, no nosso trabalho e apoio permanente às comunidades, no respeito por todas e pela nossa autoridade, decorrente do compromisso sincero de quem não pretende nada em troca do seu esforço, excepto a satisfação de trazer a esperança ao povo na sua própria capacidade de mobilização, organização, luta e seu futuro bem-estar.

Não posso comentar sobre quantas unidades compõem as FARC-EP, porque somos uma organização irregular. Mas, temos acções, trabalhamos e lutamos em todo o país.

– O que há de verdade sobre o suposto conteúdo do computador de Raúl Reyes?

AC: Os elementos que poderiam ter continuado a trabalhar após o bombardeamento do camarada Raul e sua guarda, foram manipulados pelo governo. Nem a própria INTERPOL quis comprometer-se com a truculência de Alvaro Uribe e declarou publicamente após uma análise detalhada, que havia sido quebrada a cadeia de segurança, o que significa, em linguagem simples, que depois da morte de Raul o conteúdo do disco rígido “sobrevivente” foi manipulado, se é que existia ainda depois de tal inferno de explosivos. Tratava-se de inventar e torcer eventos para chantagear as FARC e muitos amigos da paz na Colômbia com esse estilo particular que caracteriza o Sr. Alvaro Uribe e que impôs ao seu governo. Esta semana, a Suprema Corte declarou ilegal qualquer prova levantada sobre os computadores de Raul Reyes precisamente porque eles manipularam os materiais supostamente encontrados e desvirtuaram-se os procedimentos judiciários.

Curiosamente, não foi divulgado nenhum relatório, que o comandante devia conservar, por exemplo, sobre pagamentos a oficiais superiores da polícia, os generais de hoje, que fez o traficante Wilber Varela e que comentou pessoalmente e com detalhes a um dos nossos comandantes no Valle del Cauca coronel Danilo Gonzalez, o qual ainda na actividade, procurou as FARC pretendendo a libertação de alguns suspeitos, que tínhamos retido; nem se mencionaram relatórios precisos sobre o uso pleno da DAS pelos paramilitares, com pleno consentimento do então Presidente, ou de reuniões, de uísque na mão, em Bogotá, de chefes paramilitares com altas personalidades para planejar ataques à esquerda, nem outras que tornariam muito extensa esta entrevista e que, certamente, não incluíram nas cópias que foram dando a alguns de seus governos amigos, à CIA, ao MI5 e ao MI6 britânicos, à Mossad israelense e outras histórias improváveis que continuam publicitando através das suas organizações de bolso.

– Você acha que o processo de desmobilização paramilitar impulsionado pela lei de Justiça e Paz tem sido bem sucedido? Qual é a sua opinião sobre este processo?

AC: Esse processo foi planeado e executado como uma farsa para branquear os verdadeiros líderes do paramilitarismo logo que Alvaro Uribe, um deles, ganhou as eleições presidenciais em 2002.

Como cobertura, eles usaram narcotraficantes e pistoleiros como líderes da contra-insurgência, a quem prometeram estatuto político e respeito por suas incalculáveis fortunas. Logo os descartaram numa história que se repete, onde a aristocracia e alguns infractores procuram o poder e riqueza utilizando criminosos e bandidos, que são posteriormente condenados, presos ou enviados para assassinar, num repetido espectáculo de escárnio público.

O país sabe que o paramilitarismo é uma estratégia do estado para assassinar sistematicamente adversários, procurando esconder o sangue que mancha as principais instituições públicas, por trás de bandos de sicários e criminosos da aparência civil.

A oligarquia colombiana, impotente na luta contra o progresso da acção revolucionária, entregou-se à prática paramilitar, à qual, no final da década de 70, articulou com o nascente narcotráfico, dando origem ao narcoparamilitarismo, elogiado e consentido socialmente pelos poderosos durante largos anos, que agora estão lutando para escapar do estigma e lavar as suas próprias porcarias.

Traficantes que acreditaram em suas palavras foram exibidos e promovidos como grandes líderes contra revolucionários e logo de seguida extraditados para os Estados Unidos, a fim de silenciá-los. Mais tarde, quando desde lá e sob a pressão das vítimas chegaram a confessar a sua vilania, a mencionar os seus amigos, parceiros, contactos, padrinhos políticos e militares, a oligarquia usou os seus meios de comunicação para semear a dúvida: como acreditar num criminoso e não num aristocrata, num político tradicional ou num prestigioso general das Forças Armadas?

A lei de justiça e paz, tem sido uma grande farsa, que passou pela venda de títulos como “comandantes paramilitares” para assassinos narcotraficantes, também passou pelas fotos de “desmobilizações” de desempregados e bandidos contratados para a ocasião, com espingardas e armas compradas para a fotografia, e terminará com a absolvição de Alvaro Uribe, na comissão de acusações da Câmara dos representantes do Parlamento colombiano, excepto se os milhões de afectados por esta estratégia criminosa imprimirem uma maior dinâmica aos seus esforços e lutas e receberem uma maior solidariedade global. Somente desta forma, na Colômbia, como sucedeu na Argentina e outros países também se poderão condenar os autores e mandantes da noite negra e sangrenta em que mergulhou o país.

– Por que faz sentido a luta armada das FARC e não a defesa através de meios democráticos dos ideais políticos e das transformações económicas que consideram necessárias?

AC: Porque na Colômbia a oposição democrática e revolucionária é assassinada pela oligarquia. O massacre da União Patriótica é a nossa demonstração.

Qualquer líder ou qualquer organização não oligárquica que ameace os poderes oligárquicos é assassinado ou massacrada, como parte de uma estratégia oficial de Segurança Interna. Os poderosos instituíram-na como característica da sua cultura política e agora incorporaram-na na concepção do Estado.

Longas passagens da história nacional que remontam a Setembro de 1828 quando facções pró-gringas colombianas de então atentaram contra o Libertador Simon Bolívar, até anos recentes, passando pelo assassinato do Grande Marechal de Ayacucho António José de Sucre, o líder liberal Rafael Uribe Uribe, de Jorge Eliecer Gaitán, de Jaime Pardo Leal, de Luis Carlos Galan, e Bernardo Jaramillo Ossa, de Manuel Cepeda Vargas e centenas de outros líderes, parecem ratificar uma afirmação popular: a oligarquia colombiana não entende senão a linguagem dos tiros.

Aqui nas FARC pensamos que, apesar da histórica agressão contra o povo que caracteriza o futuro da nação, é realista e urgente trabalhar na construção de espaços de convergência, onde, entre todos os colombianos construamos os acordos que sustentem a vida democrática. O comandante Jacobo Arenas insistiu em que o destino da Colômbia não poderia ser a guerra civil, portanto, nós temos lutado e lutamos de novo, para encontrar a solução com diferentes governos, a saída política para o conflito colombiano. Não foi alcançado porque a oligarquia pensa em rendições e nós em mudanças de fundo, democráticas da vida institucional e das regras de convivência, mas nem por isso deixaremos de combater por uma solução sem derramamento de sangue como essência da nossa concepção de apoio revolucionária e sustentada de uma Nova Colômbia.

– Que lições tiraram da criação do partido União Patriótica?

AC: Foi uma experiência tanto cheia de riqueza como dolorosa, que devemos analisar e referir constantemente. De entre as suas muitas lições poderia citar algumas como o difícil que é avançar num processo de resolução política, quando a oligarquia colombiana mantém sua estratégia de paz dos cemitérios e Pax Romana, pois contra este projecto mostrou a sua mesquinhez e foi essencialmente sanguinária e cruel. Preferiu o assassinato de cerca de 5.000 dirigentes democráticos e revolucionários numa razia de recorte hitleriano, do que abrir espaços para todas as vertentes da esquerda, o que, se tivesse acontecido, teria gerado uma nova dinâmica no confronto político e tornado possível a realização integral dos Acordos de La Uribe há 25 anos.

Com o extermínio da UP não só se perdeu uma geração quase completa de líderes revolucionários, a maioria deles de grande dimensão política e ética, cuja ausência, hoje, é evidente na cena pública, tanto da nação como do continente, como também frustrou por muitos anos, a possibilidade de assinar um acordo de convivência.

A experiência da UP ensinou-nos que qualquer progresso em direcção da paz que surja de acordos exige transparência, que cada dificuldade deve ser esclarecida antes de empreender uma nova etapa. Os Acordos de La Uribe, a origem da UP, foram sabotados pelo Comando militares desde o primeiro momento, apesar do que, lutámos como Quixotes, para fazer avançar todos estes acordos,.

Mas alcançar a assinatura dos acordos de paz em La Uribe em 1984 e assegurar o seu cumprimento integral até ao fim foi impossível. Os colombianos empreenderam com grande optimismo e maior entusiasmo uma histórica jornada para a convivência, mas perderam essa batalha civilizada contra a “inimigos agachados da paz “, que hoje já não se escondem tanto.

Um processo de paz bem sucedido, tem como premissa inevitável o apoio, completo, determinado, claro e activo, da maioria da população.

Não tenho a menos dúvida de que as novas gerações de colombianos, num futuro próximo, irão homenagear e reconhecer os mártires da União Patriótica que “de peito descoberto” lutaram por um país melhor para seus filhos, pela democracia e a convivência, com uma generosidade, um desprendimento e uma valentia exemplares.

– Destacados líderes da esquerda colombiana disseram ao Público que acreditam que a existência como guerrilha das FARC é responsável pela “direitização extrema” da sociedade colombiana, já que “esquerda” se associa a guerrilha. Você concorda?

AC: Digamos genericamente, que se está à esquerda, se for dada prioridade ao social, à democracia popular e às mudanças revolucionárias, em oposição aqueles que privilegiam o lucro económico, a hegemonia burguesa e a defesa do status quo. Não se trata apenas de estar do lado esquerdo da direita, mas de defender integralmente os interesses de classe, populares. Plenamente.

Faço um parêntesis para lhe dizer que não ouvi nenhum líder proeminente, de esquerda, dizer o que você menciona na sua pergunta.

Na Colômbia há muitos, muito importantes e muito consequentes, que com enorme responsabilidade discordam da luta armada revolucionária, se afastam dela, mas compreendendo as suas circunstâncias históricas, trabalhando para encontrar os caminhos de uma solução política, respeitando o compromisso dos que lutam na guerrilha e priorizando os seus debates contra a oligarquia e contra o neo-colonialismo imperial, verdadeiros geradores da violência na Colômbia.

Por certo há aqueles que fizeram campanha do lado da esquerda e já não defendem suas posições originais, mas as do regime, como em muitas partes do mundo. Há que respeitar as suas novas posições, mas sem os registar como defensores dos interesses do povo ou colocá-los à esquerda no xadrez político.

Também pode dar-se o caso dos que procuram esconder os seus próprios fracassos, atrás dos esforços dos outros.

A nossa luta desde Marquetalia é pela democracia, pela possibilidade de desenvolver uma acção de massas, aberta, pelas mudanças revolucionárias e pelo socialismo. E esta opção, é a que tem sido sabotada a tiro pela oligarquia colombiana.

Jorge Eliécer Gaitán foi assassinado, legislaram com o anti-comunismo como suporte durante a ditadura militar, criaram a Frente Nacional bipartidária para excluir e perseguir os revolucionários, e aprovaram uma constituição em 1991, com elementos positivos na sua concepção e texto, mas deixando intacto o conceito de segurança nacional do inimigo interno que se mantém desde há pouco mais de 47 anos no nosso país, a mesma dos paramilitares e dos falsos positivos.

A direita na Colômbia e no mundo, faz propaganda e espalha os seus pretextos, reais ou fictícios, para confundir, atacar e desvirtuar as lutas dos povos pelo bem-estar e o progresso social. E usa uma variedade de formas, incluindo muitos que foram militantes da esquerda.

Nos tempos que correm, com o desenvolvimento dos meios de comunicação, não há confusão possível. Aqueles que defendem a ordem existente, não o podem esconder.

O confronto na Colômbia prolongou-se muito. Lutar e clamar pela paz é uma expressão de um sentimento profundamente popular e revolucionário.

– As FARC assinaram um pacto de não agressão com a guerrilha do ELN, em Dezembro de 2009. Que obstáculos têm havido na sua implementação?

AC: Tanto o Comando Central do ELN como o Secretariado do Estado-Maior Central das FARC-EP, temos reconhecido com sentido de autocrítica, o erro que significou não parar drástica, nítida e oportunamente as fricções que estavam ocorrendo em várias áreas do país entre combatentes das duas forças.

Agora trabalhamos com grande convicção revolucionária em todas estas áreas para superar definitivamente as asperezas, os mal-entendidos, as emulações mal feitas e os confrontos. É um processo complexo, dada a conjuntura actual, de intenso clima de confronto político e militar com o Estado. Mas vamos avançando com solidez.

A auto-crítica é profunda e nós estamos a fazê-la. Leva tempo, há muito terreno a percorrer, mas avançamos com firmeza, com consciência, em todos os níveis das nossas organizações, de que somos parte do mesmo contingente de luta popular, revolucionária, bolivariano, anti-imperialista e socialista. E este é o fundamento da maneira como nos relacionamos, as convergências que devemos trabalhar e lutar para elevar a novos níveis a necessária estratégia unificada dos revolucionários colombianos.

Tomámos o legado de um grande revolucionário, o sacerdote Camilo Torres Restrepo para enfatizar o que nos une. As diferenças devem ser arejadas com mecanismos que estamos criando para isso.

Estamos obrigados a ser um exemplo de unidade. E maturidade. Assim também contribuiremos para a unidade do povo colombiano, projectando na realidade a prioridade “do bem comum” acima de qualquer interesse particular.

Ainda temos um longo caminho, mas já o começámos. E isso é o estratégico.

– De acordo com uma ordem do Supremo Tribunal dois testemunhos de ex-membros das FARC envolvem o exército de Hugo Chávez nos cursos de formação que a ETA deu aos guerrilheiros colombianos em território venezuelano. Os relatos dos arrependidos fazem parte de um relatório do Comissariado Geral de Informação da Polícia. Na secção dedicada aos “factos” descreve-se como em Agosto de 2007, dois supostos membros da ETA ministraram na selva venezuelana dois cursos sobre manipulação de explosivos à guerrilha das FARC. As FARC tiveram no passado relações com a ETA? Mantêm relacionamento no presente e, em caso afirmativo, em que consiste?

AC: A experiência das FARC em explosivos, tanto no seu fabrico, como no seu armazenamento e utilização é longa e abundante, o que, desde há muito tempo nos permite sustentar-nos sem recurso a qualquer tipo de ajuda, simplesmente porque não temos necessidade. Temos os nossos próprios instrutores. É simples. Isto para rejeitar as afirmações sobre tais cursinhos com pessoal estrangeiro que só visa prejudicar o governo bolivariano da Venezuela.

Na Colômbia, a partir do oferecimento de dinheiro, viagens para a Europa e de considerável redução de sentenças, alguns desertores, prestaram-se a testemunhar contra nós e a promover as políticas nacionais e internacionais do governo de Alvaro Uribe. Mas como a mentira não dura, as montagens que fabricaram a partir de milhares de falsos testemunhos estão-se desmoronando. Todas caem como um castelo de cartas.

Por exemplo: actualmente decorrem investigações criminais e administrativas, do Procurador e da Procuradoria Geral da República contra funcionários do governo Uribe e altos oficiais militares da época, pelas comédias que montaram, farsas, falsas deserções cheias de infames afirmações, como parte da sua ofensiva contra as FARC.

O mundo está-se inteirando de como em Tolima foram recrutados bandidos e desempregados, com quem “formaram” uma coluna de guerrilheiros, vestidos com uniformes militares, alguns com velhas espingardas e outros com armas de madeira. Chamados os jornalistas foram tiradas fotos, peroraram uma diatribe, deram algum dinheiro aos farsantes, vilipendiaram muitos cidadãos, que foram presos, e depois, felizes, incluindo o então presidente, certificaram que o final do fim estava próximo.

Dissemos que esta era uma tendência geral do anterior governo colombiano: tentando impor as suas políticas fascistas, levantou todo o tipo de barreiras morais, legais, éticas para se conceder a licença para difamar, caluniar, mentir e inventar. Valeria a pena a justiça espanhola verificar e confrontar exaustivamente a informação que foi fornecida no momento.

As nossas relações, neste momento, têm carácter clandestino, com muitas organizações democráticas e revolucionárias do mundo, civis e armadas, são regidas pelas conclusões das Conferências da Guerrilha que, como eu disse, orientam sobre o não desenvolvimento de acções militares em outros países, respeitando a soberania de cada país e as lutas de cada povo.

– É verdade que as FARC pediram apoio à ETA para atentar contra várias pessoas, incluindo o presidente Alvaro Uribe, quando ele visitou a Espanha ou a UE?

AC: Essa é a propaganda que fez o mesmo Uribe, na Colômbia e no exterior, para projectar uma imagem de vítima.

– As forças de segurança espanholas prenderam Remedios Garcia Albert, que consideram ligada às FARC. Têm as FARC ligações com Remedios Garcia Albert? Se sim em que consistem?

AC: Não conheço vínculos de Remedios Garcia com as FARC. A única referência é uma menção das autoridades colombianas num jornal, durante o período de incontinência propagandística que atacou o governo em volta do suposto computador do comandante Raul Reyes. Nunca, nem antes nem depois ouvi o nome dela. Eu diria, se para alguma coisa serve, que nos tempos de negociações de paz em Caguán, grande quantidade de pessoas de todo o mundo, individualmente ou como representantes de muitas organizações diversas ou governos, estiveram presentes e compartilharam pontos de vista com os nossos representantes sobre o processo que decorria. Eu não poderia acrescentar mais nada sobre isso.

– Qual é a relação com os governos de Cuba, Venezuela e Equador?

AC: Se me permite, preferia abster-me de responder acerca das nossas relações com qualquer governo no mundo.

– Acham que a Espanha pode desempenhar um papel na resolução do conflito colombiano? Qual?

AC: Nós sempre encaramos de forma positiva a participação da comunidade internacional na resolução política do conflito. Mas dadas as suas características actuais e as permanentes e agressivas declarações oficiais, é necessário dar tempo ao tempo.

– O que sabe dos falsos positivos? Por que as FARC não fizeram mais revelações sobre este assunto?

AC: A matança sistemática de civis indefesos pelos militares e policiais, e sua posterior apresentação como “guerrilheiros mortos em combate” é uma prática institucional na Colômbia desde 1948.

Não é nova. É parte de uma guerra suja feita pelo governo colombiano contra o “inimigo interno”, que também concebe e implementa o assassinato selectivo de líderes políticos da oposição, dirigentes sindicais comprometidos com os trabalhadores, o desaparecimento de militantes revolucionários, a tortura, o terror e massacres para intimidar e criar o medo, a paralisia, o pânico e o deslocamento.

Tudo isto tem sido denunciado e continua a ser. Existem centenas de livros, milhares de denúncias, milhares de evidências e de provas que mostram a responsabilidade do estado da Colômbia no desenvolvimento desta estratégia, só que até agora, a comunidade internacional aceita a versão oficial que aponta como factos isolados sob a responsabilidade de algumas maçãs podres, esta criminosa prática institucional.

Há centenas de milhares de vítimas civis da guerra suja que o regime levou a cabo, segundo afirma, “em defesa das instituições e do Estado de Direito”. Em meados dos anos setenta, a estratégia de oligárquica de terror fundiu as suas práticas paramilitares com o tráfico de drogas, sob a direcção e liderança de empresários poderosos, figuras proeminentes na política tradicional e os altos comandantes militares, com o objectivo de reforçar os seus crimes e acumular dinheiro proveniente do tráfico de drogas, mas escondendo seus verdadeiros chefes e orientadores.

Hoje, muitas evidências começaram a surgir, a partir das farsas das prisões atribuídas aos militares e políticos responsáveis por crimes hediondos, passando por usurpações maciça de terras por proprietários, militares, industriais e os líderes de partidos tradicionais, acordos políticos encharcados de sangue entre chefes e traficantes, o enriquecimento desmesurado e inusitadamente rápido de um pequeno sector social ligado aos vários governos destes anos, infiltrado quase sem excepção por dinheiro mafioso e ao seu serviço. até ás ligações do governo com esta estratégia, por enquanto visualizada em duas das suas “eminentes” cabeças, o Sr. Narvaez e Alvaro Uribe Velez.

E ainda que até hoje não haja militares condenados pelos chamados “falsos positivos”, a sociedade avança na luta para chegar ao fundo do problema, avaliar cada situação com precisão, para punir os autores materiais e os autores intelectuais e mandantes, o que inevitavelmente, chegará aos regulamentos militares existentes, inspirados, concebidos e desenhados a partir da perspectiva de Segurança Interna apresentado por Washington desde os tempos da Guerra Fria, que foi um dos assuntos tabu na Assembleia Constituinte de 1991 e causa subjacente dos milhares e milhares de mortos todos estes anos. A Colômbia perdeu muito tempo por esse veto imposto pela oligarquia nas discussões daqueles anos.

Tamanho erro não se pode repetir. As soluções que requer o nosso país são estruturais, se queremos a reconciliação na base certa e não cerzindo outro remendo como o de 1991. Por isso, também é importante que, se construirmos um novo cenário baseado na solução sem derramamento de sangue em algum ponto se podem incluir representantes da força publica, onde certamente muitos de seus membros, sem responsabilidade na baixeza da guerra suja, também estarão clamando pela reconciliação e reconstrução nacional.

– Depois da morte de Jorge Briceño num atentado em 22 de Setembro [2010], o presidente Santos reiterou que agora estava à vista o fim das FARC. O que acha disso?

AC: Desde 1964 que temos conhecimento de tal declaração oficial da boca de vários presidentes e ministros de guerra, às vezes ameaçadores, outras vezes na forma de promessas e outras como ameaça, sempre com a intenção de esconder as raízes do conflito que tornou necessária a existência das FARC.

Assim têm justificado a violência terrorista do Estado.

Assim, ano após ano, têm aumentado o orçamento militar e da polícia, para deleite dos generais e senhores da guerra.

Assim, eles têm escondido durante muito tempo a sua própria incompetência, intransigência e corrupção profunda que corrói as instituições oficiais.

Assim pretendem cobrir a sua vergonhosa e humilhante postura de joelhos perante o Pentágono e a Casa Branca.

Apesar de não nos dedicarmos seriamente, entre todos, à procura das soluções para os problemas estruturais do país, a confrontação será inevitável. Umas vezes mais intensa, outros menos. Às vezes, com a iniciativa militar do Estado, outras, com a iniciativa popular, numa trágica ciclotimia que devemos superar, inteligentemente, com grandeza histórica.

Como o confronto continua, haverá mais mortes. Em ambos os lados. Mais tragédias para o povo. E não haverá paz nem convivência na Colômbia.

Não se trata da morte de um ou outro comandante guerrilheiro. O conflito não é tão fácil ou simples. As circunstâncias históricas do país são particulares. A existência de guerra de guerrilha revolucionária na Colômbia não é um resultado do voluntarismo de um punhado de valentes ou de aventureiros, de “terroristas”, ou “narco-terroristas”. Tais adjectivos podemos deixá-los para a propaganda oficial. A insurgência colombiana reflecte a súmula de uma série de diferentes factores estruturais que os governos não podem teimosamente e criminosamente, continuar a ignorar.

A oligarquia colombiana formou umas forças armadas de mais de 500 mil homens num país de cerca de 45 milhões de pessoas com enormes necessidades e carências. Inaudito! Quase um quinto do orçamento nacional do próximo ano é para gastos militares. Investiu-se cerca de 10 mil milhões de dólares de ajuda dos EUA ao abrigo do Plano Colômbia, para uma guerra fracassada. No entanto, o confronto continua.

Quando eles bombardearam o acampamento do comandante Jorge Briceño, com quase uma centena de aeronaves que deixaram cair milhares e milhares de toneladas de explosivos durante muitos dias, num inferno dantesco, instalaram na periferia do local tendas com espelhos e presentes, alimentos e roupas novas, sapatos, Reebok e Nike convidando os guerrilheiros por meio de alto-falantes durante semanas, à traição e deserção.

Tudo o que obtiveram foi uma resposta militar da guerrilha heróica, cheia de consciência moral e revolucionária, que produziu centenas de baixas na força de ocupação e o afluxo maciço de novos guerrilheiros à região e muitas outras zonas do país.

A aproximação à paz democrática, a convivência e a justiça social não pode ser medida em litros de sangue. Sabe-o o país e, claro, o presidente Santos.

– No seu último relatório, a ONG colombiana Nuevo Arco Iris, que acompanha o desenvolvimento do conflito militar cruzando informação oficial e de analistas, embora reconhecendo a supremacia aérea do governo, disse que o combate em terra lhe é reconhecidamente adverso. Quais são os resultados reais desse confronto?

AC: Gostaria de observar que todos os dias há combates e actos de guerra entre a guerrilha e a força publica institucional na maior parte dos 32 departamentos do país, onde se obtêm vitórias e às vezes se recebem golpes, num confronto que se prolongou no tempo e em que a iniciativa militar se altera ao longo do tempo em diferentes áreas, mas não de forma estratégica. Os relatórios militares que trazemos a público, quantificam os efeitos da guerra no nosso adversário e nas nossas próprias fileiras com números irrefutáveis.

Gostaria de destacar que a ofensiva oficial lançada há mais de 11 anos a partir do chamado Plano Colômbia, projectado no Pentágono, dirigido e financiado por eles e alimentado incansavelmente por armamento da última geração a partir de Washington, fracassou. É a operação de contra-revolução maior e mais avançada e longa no continente e é também a maior demonstração de que a solução do conflito na Colômbia não passa pela Pax Romana.

– Quais as condições que exigem hoje para desmobilizar?

AC: Desmobilização é sinonimo de inércia, é entrega covarde, é rendição e traição à causa popular e às ideias revolucionárias que cultivamos e lutamos pela transformação social, é uma indignidade que tem implícita uma mensagem de desesperança para o povo que confia no nosso compromisso e proposta bolivariana.

Não temos nenhuma hesitação, nenhuma dúvida sobre o nosso dever de lutar constantemente e sem descanso, com convicção e optimismo, pela solução política do conflito, sem derramamento de sangue. Nós os colombianos, com a contribuição de países amigos, devemos construir um cenário de diálogo, onde haja adesão e trabalho em conjunto num processo para celebrar acordos, cuja materialização incida fortemente e de forma irreversível na liquidação das causas que deram origem ao conflito armado e hoje o alimentam.

Uma vez erguido o cenário, num processo que também deve actuar na reconstrução da confiança entre as partes, teremos de falar sobre os prisioneiros de guerra, militares, policias e guerrilheiros detidos pelas partes como um aspecto político e humanitário prioritário. E em função de objectivos a longo prazo, contamos como ponto de partida com uma ferramenta excepcional que é a Agenda Comum para a Mudança para uma Nova Colômbia, assinado como acordo entre o Estado colombiano e as FARC-EP, em El Caguán.

Claro que o importante é construir o cenário, com vontade e decisão política, pensando no país e seu futuro, abstraindo das mentiras inventadas pela propaganda oficial que afastam a solução final, porque fazem pensar no estabelecimento com os seus próprios desejos. E nestes processos é essencial manter os pés no chão.

As tentativas dolorosamente frustrantes que tivemos desde La Uribe em 1984, para encontrar maneiras civilizadas, são evidências das enormes dificuldades envolvidas em encontrar o caminho certo, sem que isso implique renúncia.

A Colômbia está passando por um momento crítico porque acabou de terminar o período do governo mais violento e corrupto da história nacional, aquele liderado por Álvaro Uribe. Dezenas de congressistas e líderes políticos que participaram na sua campanha presidencial e na sua gestão estão na cadeia condenados como mandantes do narcoparamilitarismo, muitos outros enfrentam investigação preliminar pelo Ministério Público e do Supremo Tribunal, vários dos seus ministros também são indiciados e são investigados, enquanto dezenas de quadros médios dessa administração já estão presos, todos por corrupção e/ou paramilitarismo.

O véu está prestes a cair. A capa de teflon construída pelos amigos de Uribe permitindo o enriquecimento desmesurado desse círculo mafioso, como resultado de uma incomensurável corrupção administrativa, a contemporização complacente de muitos com a estratégia e prática paramilitares que era conhecida e a sua fascistóide rejeição visceral de uma solução política do conflito, todos esse vergonhoso véu, está prestes a cair, o que abrirá novas perspectivas para uma verdadeira democracia.

Quando, para além da violência e da corrupção, a natureza açoita o país com a chuva inclemente, está pedindo aos seus dirigentes grandeza e estatura histórica para enfrentar a difícil conjuntura e projectá-lo com força para o futuro.

Os ódios doentios espalhados pelo governo anterior, que polarizaram a Colômbia, estão acabando o seu prazo. As licenças que se arrogou para burlar a lei como rotina estão terminando através da Procuradoria, dos Juízes e dos Tribunais. Ter recuado o DAS aos tempos da tenebrosa POPOL, polícia política do regime nos anos 50, não será um crime impune.

A insana insistência uribista em apontar as FARC como terrorista, não ofusca a verdade nua e crua sobre a existência do conflito armado na Colômbia contida no projecto da chamada Lei de vítimas, se considerarmos que foi sobre a tese mentirosa da inexistência de conflito, que Uribe edificou o seu palanque fascista.

Como revolucionários que temos dado tudo pelos nossos ideais e o bem-estar do povo, persistimos na resolução política do conflito.

Montanhas da Colômbia, 21 de Maio 2011

16/Junho/2011

O original encontra-se em http://frentean.blogspot.com . Tradução de Guilherme Coelho.

Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .