Colômbia: goleada nas vítimas e na paz

imagemAlfonso Castillo, Pacocol

“A alegria pela vitória da seleção, não consegue acalmar a tristeza pela goleada nas vítimas e na paz que proporcionou a ultradireita ao sabotar a JEP”.

Muito longe está agora para as vítimas a esperança que gerou o processo de paz alcançado entre o governo de Juan Manuel Santos e as FARC. Para dizê-lo com clareza, abrigamos a ilusão que trouxe este acordo, os Direitos à verdade, à justiça, à reparação integral e às garantias de não repetição, se tendia um lugar no cenário político de nosso país. No entanto, e com o passar dos dias e ante o fortalecimento da ultradireita na Colômbia, essas esperanças parecem desvanecer-se, como também acontece com o entusiasmo das vítimas para organizar- se continuar lutando.

Nosso sentimento transitório de frustração tem relação com a atitude que há muitos anos tem o governo para garantir os direitos efetivos das vítimas. Porém, nos dois últimos anos esta percepção de abandono e descumprimento se viram aprofundadas especialmente por conta de um fortalecimento de setores de direita e ultradireita, que se negam a oferecer uma oportunidade à paz e ao término do conflito na Colômbia.

Já, desde o plebiscito de 2 de outubro de 2016, quando padecemos e sofremos toda uma campanha montada pelos meios massivos de comunicação e porta-vozes dos partidos da ultradireita e ainda da direita colombiana, que não titubearam em montar um show que fez crer a uma parte importante dos colombianos que a paz era inconveniente e inviável. Disseram que o acordo era para a impunidade, também disseram que se estava entregando o país às guerrilhas, ainda inventaram que os acordos iam contra os supremos interesses da nação porque só beneficiaria os guerrilheiros.

Posteriormente e com a primeira modificação do texto do acordo assinado entre o Governo e a guerrilha das FARC, graças à vitória do Não no plebiscito, vieram os cortes que foram modificando, dia após dia, no processo de fast track, o acordado em Havana.

No caso particular das vítimas, este sentimento transitório de frustração veio por conta do acordado no ponto 5.1.3.7 dos acordos de Havana, no qual se estabelecia o mandato para que o governo iniciasse um processo de modificação da lei 1448/11, com a participação das vítimas. Não obstante isto, tardiamente o governo convocou algumas vítimas para participar de um processo induzido de modificação da lei, através de um procedimento que não permitia a participação efetiva e nem a discussão sobre os problemas que apresentava a lei. É necessário assinalar que este procedimento de convocatória se fez de maneira atropelada, violando o direito de participação efetiva. Também não considerou as propostas, que de maneira organizada e muito responsável, tinham sido apresentadas pelas organizações de vítimas e Direitos Humanos, sustentadas em um documento exposto ao governo nacional no qual se apresentava de maneira detalhada as modificações necessárias para garantir o direito à reparação integral, considerando conjuntamente as mudanças que requeria a lei e não só três aspectos, como considerava o governo. Depois disso, o governo nunca apresentou o projeto de modificação à lei no Congresso da República, e de novo zombou das vítimas.

Igualmente, o governo é responsável pela ausência de trâmite e discussão efetiva no Congresso da República, para garantir a normatização das circunscrições especiais de paz, mecanismo através do qual as vítimas poderiam escolher congressistas nas eleições de março passado. Este processo não foi possível e, também, se apresentou na maneira de engano às vítimas, as quais se tinha prometido ser parte substancial da implementação dos acordos.

Posteriormente, assistimos a todas as sabotagens e retrocessos que implicou a Jurisdição Especial para a Paz (JEP), em uma clara negativa dos setores parlamentares ligados à direita e à ultradireita, a quem não convém o avanço desta justiça especial, de garantir que a sociedade colombiana conheceça a verdade do que ocorreu no marco do conflito armado: Quem promoveu o conflito?, quem e como se beneficiaram da guerra? e, de maneira especial, qual foi a participação de terceiros civis no financiamento, promoção e obtenção de privilégios no desenvolvimento do conflito armado?

No desenvolvimento deste processo da construção da paz, aumentou a perseguição, ameaça e assassinato de líderes sociais, entre eles muitos defensores e defensoras de direitos humanos e representantes de vítimas em processos de restituição e defesa do direito às terras e ao território. É evidente a negativa do governo de Santos em desmontar o aparato criminal do paramilitarismo. Até a data, foram assassinados mais de 160 líderes desde a assinatura do acordo de paz, a maioria desses crimes na mais profunda impunidade.

Em geral, as vítimas foram desrespeitadas por parte do governo. A lei de vítimas é uma figura decorativa na estante jurídica dos direitos das vítimas. As entidades encarregadas de garantir os direitos de reparação, restituição de terras ou aplicar indenização, se conformam em fazer muita publicidade sobre o avanço do processo, enquanto os números indicam o pouco avanço e, também, o retrocesso que significa o descumprimento da mencionada lei, porque se vêm desmontando responsabilidades por parte das instituições, como o são o programa de reparações coletivas, os enfoques de assistência a vítimas com perspectiva de direitos, gênero e étnico. A assistência psicossocial praticamente é uma formalidade. A unidade de assistência a vítimas e de alguma maneira também a unidade de restituição de terras, serviram, na verdade, para encher de cotas burocráticas setores da classe política, sem que haja o menor interesse em garantir de maneira efetiva o direito à reparação e restituição das comunidades afetadas pelo conflito.

Recentemente a unidade de vítimas modificou os montantes de indenização, afetando de maneira grave e os direitos das vítimas do deslocamento forçado, a quem se coloca em tremenda desigualdade para garantir este direito que se tinha convertido em uma esperança para algumas vítimas deste crime de lesa humanidade.

O que hoje vemos ante o panorama político é o avanço da impunidade, da corrupção e da violência, porque efetivamente o que vai imperar neste período no qual se fortalece o governo de direita, é o trânsito dos processos judiciais contra militares comprometidos em graves violações aos Direitos Humanos para tribunais de Justiça Penal Militar ou cenários de completa impunidade. Vão governar os corruptos e guerreristas sempre.

Não é por acaso que hoje as vítimas tenham um sentimento de ceticismo nos cenários de participação estabelecidos na lei ou por fora dela. Existe uma sorte de desgaste ou descrença de capacidade transformadora da mobilização.

Não obstante o anterior, é necessário que as próprias vítimas em exercícios de convergência com outras organizações de direitos humanos e da sociedade consciente da necessidade da exibilidade dos Direitos à verdade, justiça, reparação integral e garantias de não repetição. Tomemos de novo a esperança como bandeira, para exigir do novo governo não somente maior orçamento para garantir o direito à indenização e o trâmite seguro aos processos de restituição efetiva dos bens patrimoniais usurpados das vítimas, mas também para continuar a batalha por exigir o término da guerra e a construção de dia de paz.

Devemos realizar este exercício promovendo novos exercícios de mobilização na rua com as vítimas, mostrando à sociedade colombiana que não existem garantias para o exercício da participação efetiva, como tampouco garantias para a proteção da integridade e da vida e, sobretudo, demandando das autoridades colombianas maior compromisso com o que se estabeleceu no processo de paz das vítimas, como garantia da construção de uma paz duradoura e estável.

Temos que apelar para além da mobilização. Também ao acompanhamento pela comunidade internacional para que se fixe na maneira com que o governo está descumprindo não somente a lei de vítimas, mas também o pactuado no processo de paz com as FARC, o que certamente terá que ser a exigência para manter aberto o processo de diálogo com o Exército de Libertação nacional (ELN).

Não é a hora de desfalecer na luta pelos direitos das vítimas. Temos que fortalecer os processos de organização, mobilização política e exibilidade de nossos direitos. Agora, só nos resta superar esta sensação de goleada que os partidários da guerra empreenderam às vítimas e à paz. É a hora de apelar a uma longa história de resistência e luta pela dignidade e integridade do povo.

Menos mal que os rapazes da seleção da Colômbia tenham nos permitido manter viva a ilusão de poder fazer algum desempenho na Rússia 2018 classificada para as oitavas de final. É a hora da gente e seus direitos, porém isso não é dado por ninguém. É uma conquista da luta organizada e consciente do povo. É a hora de tirar o acúmulo da luta das vítimas a partir do MOVICE, e das vítimas, das plataformas de paz e direitos humanos, das centrais operárias, do poderoso movimento de mulheres pela paz, do movimento estudantil, dos movimentos ambientais, de artistas e gestores culturais, de animalistas e da comunidade LGBTI, das guerrilhas convertidas em partidos políticos, do campesinato, de todos os movimentos sociais deste país, que há tempos resistem à guerra. É a hora de converter o apoio à proposta alternativa da Colômbia Humana em potencial transformador, para uma nova Colômbia, sem corruptos e guerreristas.

Alfonso Castillo

Defensor dos Direitos Humanos

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2018/06/29/colombia-goleada-a-las-victimas-y-a-la-paz/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)