Água é direito, não é mercadoria!
Todos contra a MP 844 do golpista Temer
Eduardo Grandi*
No dia 6 de julho, o governo Michel Temer decretou em caráter de urgência nova lei, chamada medida provisória, ou MP 844, que trata da regulação do saneamento no Brasil. Sem qualquer diálogo com trabalhadores, estudiosos e com entidades representativas do setor, a MP 844 muda radicalmente as regras do setor de saneamento, ameaçando os usuários com tarifas mais caras e serviços piores e os trabalhadores com a precarização de seus empregos.
Mas o que essa MP traz de novo, que vem sendo tão duramente criticada por todos?
Privatização dos serviços municipais de saneamento (Artigo 10º – A)
Em primeiro lugar, a MP 844 diz que, ao renovar seus contratos de concessão dos serviços de saneamento, os municípios passam a ser obrigados a abrir licitação sempre que houver empresas interessadas em tomar os sistemas. Isso acaba com a autonomia dos municípios, que pela lei anterior podiam escolher entre gerir diretamente seus serviços de saneamento, passar sua gestão às companhias estaduais ou privatizá-los. Agora, quando a coisa for lucrativa, só resta a terceira opção.
Poranto, na prática, a MP entrega de mão beijada ao capital privado os poucos municípios rentáveis, ou seja o filé do sistema, deixando ao poder público somente o osso, os municípios que dão prejuízo. Traz, também, a possibilidade de aumentos exorbitantes nas tarifas da grande maioria dos municípios, ao destruir o subsídio cruzado praticado pelas companhias estaduais, que é a prática de garantir aos municípios de maior custo a mesma tarifa praticada nos municípios de menor custo e mais rentáveis. Nada mais justo, afinal, água é direito essencial. Mas não é o que pensam os autores desta MP.
Privatização das companhias estaduais de saneamento (Artigo 8º – B).
Em primeiro lugar, a MP derruba artigo da lei dos consórcios, que determinava que, quando da privatização de uma companhia estadual de saneamento, os contratos da companhia com os municípios, donos da concessão, fossem automaticamente cancelados. Agora não são mais. Os municípios e suas populações são obrigados a engolir a mudança de dono das empresas que tratam a sua água e o seu esgoto. Esse artigo foi feito sob medida para tornar possível a privatização da CEDAE, companhia do Estado do Rio, velha obsessão dos governos Temer e Pezão, além de permitir a privatização de outras empresas estaduais lucrativas e que portanto, desperam a cobiça do capital privado.
Como já se viu, o objetivo manifesto da MP é permitir a completa privatização dos serviços de saneamento no Brasil. Os poucos defensores da MP dizem que isso é bom, que vai permitir a entrada do capital privado no setor para, dizem eles, expandir a cobertura e melhorar os serviços. Mas será que isso é verdade?
Fim dos planos municipais de saneamento (Artigo 11, parágrafo 5º).
Outro trecho da MP destrói essa falácia. A lei do sanemento (Lei 11.445) obrigava os municípios a assinarem contratos de concessão dos serviços norteados pelos chamados planos municipais de saneamento, que dentre outros, devem possuir metas para a melhoria dos serviços e para permitir sua universalização, ou seja, o tratamento de água, esgoto e resíduos para todos. Pois bem, a MP acaba com a obrigatoriedade dos planos de saneamento, podendo substitui-los por um simples estudo de viabilidade. Isso mesmo: o capital privado, que visa entrar com tudo no setor de saneamento, olhem só que conveniente, não será obrigado a melhorar e expandir os serviços.
Expansão da subdelegação (Artigo 11-A)
Como se não bastassem tantas regalias pro capital privado, a MP 844 ainda consolida a chamada subdelegação dos serviços, que é quando se privatiza somente uma parte dos sistemas. Assim, os governos ficam autorizados a entregar pro capital privado apenas os setores mais rentáveis de suas empresas, tirando cada vez mais das mãos do poder público o que é rentável, só deixando o que dá prejuízo. Pior, tudo isso sem qualquer autorização do poder legislativo, bastando o prefeito ou governador querer. Outra vez, é a velha máxima de privatização dos lucros e de socialização dos prejuízos.
Outros retrocessos
Além de tudo que foi exposto, a MP 844 também centraliza excessivamente a regulação do setor nas mãos da Agência Nacional de Águas, roubando a autonomia constitucional de municípios e agências reguladoras em gerir e fiscalizar os serviços localmente, tratando realizades geográficas e sociais diversas dos mais de cinco mil municípios brasileiros como a mesma, colocando todos no mesmo saco.
Com tantos absurdos e ilegalidades, a MP 844 também levará a uma série de batalhas judiciais, como já sinalizaram as mais diversas entidades representativas do setor e que repudiam a medida, como a Assemae, a Aesbe, a FNU e a Abar, dentre outras, trazendo o caos ao setor do saneamento.
Longe de modernizar o saneamento, a MP 844 vai na contramão da tendência de reestatização dos serviços de saneamento no mundo inteiro, visando tão somente privatizar a água, transformando em mercadoria um bem essencial à vida, fazendo um setor essencial à saúde pública que é o saneamento ser guiado unicamente pela busca do lucro, não mais pelo atendimento das necessidades de nosso povo.
A MP 844 se trata de mais um duro golpe no apagar das luzes de um governo que se acostumou a atropelar a vontade da maioria, de governar pro capital privado nacional e estrangeiro. Mas, para se tornar definitiva, a MP 844 ainda precisará ser aprovada pelo Congresso em até 60 dias. Portanto, é chegada a hora de o povo trabalhador se organizar nos seus locais de estudo, moradia e trabalho para derrotar mais esse retrocesso do ilegítimo governo Temer.
*Eduardo Grandi, funcionário da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN), é militante da Unidade Classista.