Uma política para duas frentes

imagemRibeiro Netto

Vivemos um tenebroso impasse. Qualquer leitor crítico e atento sabe que o conjunto das classes dominantes brasileiras nunca desenvolveu nenhum valor democrático universalista. Ao longo dos poucos mais de 500 anos de história do nosso país, mais convivemos com o escravismo, o racismo estrutural, a tortura institucionalizada, a exclusão e ausência de liberdades democráticas, em especial para as camadas populares, do que com qualquer democracia, mesmo que formal ou limitada.

As eleições de 2018, profundamente tuteladas pelo poder econômico e judiciário, marcam um desfecho da crise institucional aberta em 2015 e aprofundada pelo golpe parlamentar de 2016. Independentemente do resultado imediato das eleições, sem menosprezar a importância do segundo turno para o futuro imediato do país, constatamos uma profunda reorganização da direita brasileira em torno do bolsonarismo ou do fascismo tupiniquim. Reunindo expressões da direita brasileira que sempre existiram, tais como grande parte dos membros mais conservadores das igrejas neopetencostais, setores das forças armadas, bancada ruralista, milícias, seitas violentas de extrema direita e neonazistas, este bloco político enfraqueceu os partidos tradicionais da burguesia e das oligarquias, logrou expressivo sucesso eleitoral e angariou apoio e apelo entre as massas.

No plano econômico, nos parece que se se clareiam um pouco os conflitos interburgueses na disputa pelo aparelho de estado e o seu bloco de poder. Se antes, durante os governos petistas, cresceu a influência de oligopólios brasileiros internacionalizados, com apoio e financiamento do Estado, e durante o governo Dilma, a política seletiva de isenções fiscais e contínuas baixas no spread bancário fez emergir contradições entre setores da burguesia, mas, principalmente, desgaste do governo petista entre as classes dominantes, agora, nos parece que se fortalece a hegemonia financeira e agrarista. Nesse sentido, deve-se acelerar o processo de reprimarização econômica, barateamento da força de trabalho, expropriação das riquezas naturais e humanas pelo imperialismo e alinhamento total do Brasil aos EUA.

O fascismo tupiniquim reúne essas particularidades históricas. E, sim, ao contrário do que tem se veiculado em algumas searas, é capaz de tudo em termos imediatos, ainda mais com maioria no congresso, inclusive obter alguma estabilidade política e econômica. A retomada de obras paradas, o incentivo à indústria das armas, o reaparelhamento das forças armadas e investimentos estrangeiros estimulados pela política de privatizações e entrega do patrimônio nacional pode gerar empregos precários, mas podem. A possível caça a políticos tradicionais envolvidos em casos de corrupção pode virar instrumento de manipulação das camadas médias e parte das classes trabalhadoras. A já anunciada perseguição a lutadores sociais, movimentos populares e instauração de um clima de terror e medo nas universidades e escolas é uma estratégia para inibir resistências massivas e críticas. Em suma, o bolsonarismo é algo que veio para ficar mais tempo do que se pensava, uma expressão política fascista afinada com as novas necessidades de reprodução de capital no país e no mundo e, mais, a burguesia brasileira parece não ter pudor em apoiá-lo.

Nesse sentido, importante reconhecermos que tal fenômeno na política brasileira nada tem a ver com a eleição de Jânio Quadros ou Collor, por mais que haja elementos políticos conjunturais semelhantes. Na luta contra as duas ditaduras anteriores, as frentes democráticas reunindo burgueses liberais, patriotas, democratas, antifascistas, socialistas e comunistas tiveram êxito quando tinham no seu interior um núcleo popular-operário. Sem este núcleo e a renovação social e ideológica das forças progressistas na perspectiva anticapitalista e anti-imperialista, a vitória estrutural e definitiva sob o fascismo tupiniquim estará longe.

Neste segundo turno, é fundamental conquistar uma vitória parcial. Uma vitória que permita um pouco mais de tempo e liberdades para que as forças populares se reorganizem e atuem com alguma liberdade. Concomitante a esse esforço entre as vanguardas, é fundamental a luta pela ampliação e massificação da campanha de Haddad e, mais, lutar para que o bolsonarismo também tenha derrotas parciais nas eleições estaduais, ou seja, que não vença o candidato ideologicamente alinhado ao bolsonarismo em governos estaduais. A luta de classes não é uma equação simples, nem um processo linear. Os setores que lograrem realizar a resistência sem baluartismos nem covardias poderão acumular forças para seus projetos futuros.