Ditacracia: o Brasil que resta

imagemSimpatizantes do candidato à presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, celebram sua vitória na avenida paulista, em São Paulo.FERNANDO BIZERRA – EFE

PABLO GENTILI – EL PAÍS

Um presidente defensor da tortura, xenófobo, racista e homofóbico. Um parlamento dominado pela direita e pela ultradireta, com ampla maioria de legisladores que defendem o desmatamento da região amazônica, o agronegócio, o armamentismo e o comércio neopentecostal da fé.

O Brasil, um país que pretende reinventar sua frágil democracia, tutelada novamente pelas forças militares e pelas oligarquias que governaram o país ao longo de sua história. Ditacracia?

Inicia-se um novo ciclo. O Brasil enfrentava o precipício da barbárie. Podia ter dado um salto para reconstruir seu futuro democrático. Decidiu mergulhar-se, afundar-se nas sombras. Entender o que aconteceu levará muito tempo.

Qualquer reflexão sobre o que virá deverá sustentar-se no Brasil que resta. Ou no que restado do Brasil.

 

O inventário de agressões racistas, xenófobas, machistas, violentas e humilhantes de Bolsonaro foi divulgado até à saturação. Nenhum eleitor do novo presidente votou em um candidato que desconhecia. Sua apologia da tortura, da ditadura e, particularmente, seu programa de governo explicitamente antipopular, pareceram menos relevantes que o risco de que ganhasse o candidato do PT, Fernando Haddad. Mais de 55% da população escolheu o candidato do ódio, o que representava uma suposta renovação, cujas principais bandeiras significam, dramaticamente, o regresso ao passado de sempre, ao Brasil colonial e excludente, ao Brasil das oligarquias que multiplicam seus privilégios à custa do sofrimento e da miséria do povo.

Os únicos que parecem ter percebido são os eleitores e, especialmente, as eleitoras mais pobres do país, as que ganham menos de dois salários mínimos; ou seja, menos de 1.908,00 reais, 520 dólares. É a primeira vez na história que ganha um candidato que não conta com o voto majoritário da população em situação de pobreza ou de pobreza extrema, 50% da nação. Em todos os demais setores sociais, nas castas em que se organiza este gigante marcado pela desigualdade e a violência, ganhou Bolsonaro.

Em quase todos os 26 estados que compõem a União, triunfaram a direita ou a extrema direita. Em alguns deles, chegaram ao governo regional militares: um fuzileiro naval, um comandante e um coronel. Quase 1.000 candidatos das forças públicas de segurança, ativos ou aposentados, algumas delas mulheres, se apresentaram a cargos eletivos. Ao menos 72 foram eleitos deputados. A bancada dos militares e policiais supera a da organização política com maior representação no Congresso Nacional, o Partido dos Trabalhadores, com 56 legisladores. O major Olímpio Gomes, um lúgubre deputado estadual, foi eleitor senador nacional pelo estado de São Paulo com mais de 9 milhões de votos. Kátia Sastre, uma desconhecida policial militar, que há alguns dias matou com vários tiros um jovem que roubava um celular em frente a uma escola, chegou ao Congresso Nacional com o apoio de 264.013 cidadãos. A policial, agora deputada, usou em sua campanha as imagens das câmeras de segurança, onde disparava contra o ladrão e o fazia cair ao chão. Foi impedia pela justiça eleitoral de fazê-lo. A proibição rendeu-lhe mais votos.

Bolsonaro sustentou que a matança de delinquentes (ou aqueles que pareçam sê-lo) será considerada uma ação de legítima defesa. Também disse que os movimentos sociais serão considerados terroristas e seus ativistas criminalizados como tais.

 

O congresso brasileiro está composto por 513 deputados e 81 senadores, distribuídos em 30 partidos. A eleição de 2018 supôs a maior renovação de representantes em três décadas de democracia. No entanto, o poder do parlamento se distribui não só em função dos partidos, mas dos interesses corporativos que defendem os deputados e senadores. Três são as bancadas interpartidárias majoritárias. O eram no passado e continuarão sendo agora, com um congresso que elegeu também o maior número de legisladores de extrema direita de toda sua história.

A bancada que defende o agronegócio, a Frente Parlamentar Agropecuária, possui mais de 260 representantes. Respaldam o desmatamento da Amazônia, o uso de agrotóxicos, vivem e se beneficiam do trabalho escravo e são, em muitos casos, latifundiários, no país com maior concentração da propriedade da terra no planeta.

A “Bancada da Bala”, formada por militares, policiais ou defensores da violência repressiva do Estado, luta ativamente contra o Estatuto do Desarmamento, aprovado durante o governo de Lula. Defendem que a população civil deve ter direito de portar armas e de utilizá-las em legítima defesa. Está constituída por 250 deputados e senadores.

Os legisladores evangélicos, a “Bancada da Bíblia”, serão mais de 100. Lutam contra o aborto legal, a igualdade de gênero, a diversidade sexual, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e exigem a educação religiosa nas escolas públicas.

As três bancadas terão 610 representantes, em um Congresso Nacional com 594 membros. Naturalmente, isto se explica porque alguns deputados ou senadores pertencem, ao mesmo tempo, às bancadas do agronegócio, dos evangélicos e militares.

A sigla de Jair Messias Bolsonaro, o Partido Social Liberal, tinha 8 deputados até a última eleição. A partir do ano que vem será a segunda do Congresso, com 52 legisladores. Terá, também, três governadores. Não tinha nenhum.

Bolsonaro, em seu discurso inaugural, não disse nada substantivo. Rezou e defendeu que “a verdade libertará o país”. Além disso, afirmou que só fará negócios bilaterais com países que beneficiem os interesses econômicos do Brasil e lhe forneçam tecnologia. Que acabará com a integração ideológica do passado.

Este é o Brasil que refunda uma democracia débil, tutelada pelos ditadores e pelas oligarquias de sempre. Isto é, em definitivo, o que resta do Brasil.

Fonte: https://elpais.com/elpais/2018/10/29/contrapuntos/1540780955_489243.html

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)