Carta aberta de Jesús Santrich

imagem© AP Photo / Cubadebate, Ismael Francisco

Sputnik News

O ex-combatente das FARC e promotor da “nova guerrilha” levantada em armas anunciada em um vídeo em 29 de agosto, Jesus Santrich, emitiu uma carta aberta à qual Sputnik News teve acesso exclusivo. Nela ele responde, pela primeira vez, a várias perguntas sobre sua pessoa. Ele acusa o ex-presidente Juan Manuel Santos de “ordenar atirar em Alfonso Cano em total desamparo depois de ser capturado em combate” e garante que voltou à montanha para evitar ser extraditado. “Eu sabia que minha captura estava pronta para a data da minha aparição na Suprema Corte em 9 de julho”.

“Foda-se com sua farsa!”, afirma em parte da carta o líder das FARC, com paradeiro desconhecido desde julho deste ano, quando deixou seu esquema de segurança após sua extradição ter sido solicitada pelos EUA por supostamente cometer um crime de tráfico de drogas após a assinatura dos Acordos de Paz em novembro de 2016. “Certamente é fácil para eles nos acusarem de violar o Acordo e o compromisso determinado, porque não vamos esperar que eles continuem nos matando”, disse o ex-guerrilheiro a esse respeito, assegurando que este episódio sobre sua detenção previsível “faz parte da traição” que os leva ao rearmamento.

Seuxis Pusias Hernández Solarte, primeiro nome de Santrich, foi escolhido pelas FARC para viajar para Havana como delegado e foi um de seus três representantes na CSIVI (Comissão de Impulso e Verificação de Implementação) criada a partir dos Acordos de Paz entre o Governo de Juan Manuel Santos e os guerrilheiros. Essa entidade foi responsável por verificar sua implementação.

Nas reuniões em Havana, Santrich assegura nesta carta aberta, a primeira declaração pública com esse nível de sinceridade e profundidade em suas declarações, que “não há ninguém com um senso de sabedoria que possa esconder ou negar que eu pessoalmente dediquei todo o esforço possível à construção e o impulso à implementação dos acordos “. E ele acrescenta um detalhe desconhecido até agora sobre um dos pontos mais controversos durante a negociação em Cuba: o total desarmamento dos guerrilheiros. Sobre esse assunto, ele diz que nunca concordou e o descreve como um “arranjo estranho sobre a entrega de armas que, certamente, eu nunca compartilhei, nem compartilho”.

Aquele que era membro da Câmara dos Deputados da Colômbia desde junho deste ano afirma que esse tratado de paz “foi evidentemente traído, com descumprimentos manchados de sangue inocente de pessoas que acreditavam na reconciliação”. Essa declaração, bem como o sentimento de traição do governo colombiano aos acordos, teriam sido o gatilho do vídeo divulgado em 29 de agosto pelo número dois das FARC, Iván Márquez, anunciar ao mundo o retorno do segundo Marquetalia (o lugar emblemático onde as FARC nasceram há mais de cinquenta anos) e “uma nova etapa na luta armada”. Ao lado de Márquez, naquele vídeo viral, Santrich, Hernán Darío Velasquez, também conhecido como Paisa e outros vinte homens armados com rifles apareceram.

Em sua carta, Santrich emite palavras muito duras contra os ex-presidentes Santos e Álvaro Uribe Vélez. “Eles nunca quiseram a paz, nem mesmo o ganhador do Nobel Juan Manuel Santos, que ordenou o assassinato de Alfonso Cano em total desamparo após ser capturado em combate; muito menos o paramilitar de corpo e alma, Álvaro Uribe Vélez, este sim, mafioso do narcotráfico que ajudou Pablo Escobar a exportar cocaína para os EUA, autorizando a operação de pistas de pouso como diretor da Aerocivil”. Por sua parte, o presidente Iván Duque o chama de “lutador de bolso”, “inepto” e “perigoso por causa dos erros e manipulações”.

“Bandidos todos, eles e seus cupinchas, que se vestiram de falso moralismo e forjaram a traição”, o ex-líder guerrilheiro aponta no final de seu texto, assegurando que não adotaram uma atitude bélica, tampouco de resignação, mas sim um tom mais político, seguindo a linha de sua última aparição em 31 de agosto, em um segundo vídeo da organização e ao qual Sputnik teve acesso exclusivo, no qual solicitou um novo governo de transição para iniciar um novo diálogo pela paz que incluísse todos os atores sociais do país. Nesse sentido, Santrich solicita que suas recentes abordagens para “encontrar caminhos criteriosos para os problemas políticos, econômicos e sociais que, sem dúvida, estão piorando no país”, sejam analisadas com calma.

Leia na íntegra a carta de Jesús Santrich:

“Não ficamos esperando que nos sigam assassinando

A quem crê e segue crendo em minha inocência, sobretudo aquelas pessoas que me brindaram com sua confiança, respaldo e desprendida solidariedade, vai minha saudação de eterna gratidão, com a reiteração de meu compromisso em continuar lutando pela paz com justiça social até o último alento de minha vida, com o juramento de não abaixar a cabeça diante das mentiras, dos enganos, da perfídia e do belicismo de uma classe dominante que segue submetendo ao povo pobre a miséria, a desigualdade e a exclusão política, que derivam de seu espírito mesquinho e de sua subserviência aos interesses da embaixada gringa, assim como aos das transnacionais.

Não há quem, com sentido de sensatez, possa ocultar ou negar que, pessoalmente, eu tenha posto todo o empenho possível na construção e impulso à implementação dos Acordos de Havana – excetuando esse estranho arranjo sobre a entrega das armas, com o que, certamente, jamais concordei, nem concordo -, mas que esse tratado de paz foi evidentemente traído, com descumprimentos manchados de sangue de gente que acreditou na reconciliação, tanto de ex-combatentes, como de dirigentes e pessoas comuns, que hoje jazem debaixo da terra. E muitos outros compatriotas que continuam crendo e lutando por um país digno, sem mais guerra, sofrendo a perseguição judicial, os aprisionamentos e as inconsequências da intransigência de uma casta de governantes e poderosos avaros, rancorosos e vingativos, que jamais estiveram dispostos à concórdia. O único que queriam realmente era o desarme da insurgência, para proceder não apenas o aniquilamento político, moral e físico de sua rebeldia, assim como a destruição de todo aquele ou aquela que considerem uma ameaça para seus privilégios.

Nunca quiseram realmente a paz, nem o Nobel Juan Manuel Santos, que ordenou fuzilar Alfonso Cano em situação totalmente indefensável, logo após ser capturado em combate. Muito menos o paramilitar de corpo e alma, Álvaro Uribe Vélez, este sim, mafioso do narcotráfico que ajudou Pablo Escobar a exportar cocaína aos Estados Unidos, ao autorizar o funcionamento de pistas aéreas quando era diretor da Aerocivil. Este sim responsável pelo Massacre do Aro (ocorrido em 22 de outubro de 1997 no município de Ituango, departamento de Antioquia, quando 15 indivíduos, sob acusação de serem partidários das FARC foram massacrados por grupos paramilitares com apoio de membros do Exército colombiano – nota da tradução), entre outras atrocidades. Este sim o arquiteto da morte ‘acidental’ de seus cunhado Pedro Juan Moreno. Ou seu pupilo Iván Duque, um boneco a tiracolo, ainda mais inepto e perigoso, por ser torpe e manipulável (a propósito, que compromissos assumiste com Ñeñe Hernández e com a Odebrecht, seu porco malandro?). São todos bandidos, eles e seus cupinchas, que, vestidos de falso moralismo, forjaram a traição; bandidos todos eles e seus sequazes, que gritam ‘peguem o ladrão!’, ao mesmo tempo em que estão ligados a máfias da corrupção de todo tipo em nosso país e, com o abuso de poder com que contam dentro da venal institucionalidade que os protege, da que está investido seu amo imperial, vão agravando, caluniando e destruindo, a torto e a direito, seus contraditores, quando não é que os apagam do mapa, valendo-se de seus perigosos capachos midiáticos ou dos seus capangas de gatilho ligeiro, que também existem aos montes.

Fácil é seguramente para eles nos acusar de ser os que descumprimos o Acordo e a palavra empenhada, porque não mais ficamos esperando que nos sigam assassinando, que nos sigam manuseando o decoro com suas esmolas, que sigam burlando a boa fé com que demos o passo à legalidade, ou com mentiras nos encarcerem, nos extraditem, ou nos mantenham na defensiva, humilhados e estigmatizados. Não, ao caralho com sua farsa, pois para mim é certo que voltei à montanha para não me deixar extraditar, tal como disse o tal “Juampa”. Soube que minha captura estava pronta para acontecer quando comparecesse diante da Corte Suprema em 9 de julho; porque isso é parte da traição toda que nos empurra ao rearmamento. Basta observar que também este personagem obscuro, que nada de profundo e efetivo fez para defender o Acordo de Paz, desconhece a presunção de inocência, o devido processo, o princípio de legalidade ou qualquer fundamento do direito que tanto evocam, começando pelo primeiro que pisoteiam com sua submissão ao Departamento de Justiça ianqui a respeito da soberania.

Já disse e repito em versão ampliada: há mais possibilidade que haja passado mais cocaína pelos narizes do desonesto ex-promotor Martínez Neira e do senhor ‘Juampa’ Santos do que por minhas mãos. Estes hipócritas sabem perfeitamente. Não é nada fácil construir a reconciliação baseada na justiça social, com sujeitos desta laia, a quem não é preciso muito para escamotear os compromissos de Estado, porque este é para eles um aparato que precisamente foi modelado como instrumento de guerra para afiançar suas prerrogativas de classe e as de seus amos. Não obstante, há que seguir lutando sem mais ingenuidades, por uma paz certa, total e com garantias que impeçam que se salvem com a fuga estes senhores que nos impõem a confrontação porque não são seus filhos os que morrem nela.

Não estamos em uma atitude belicista, tampouco na de resignação. Livres de qualquer tipo de intransigência, nossa disposição ao entendimento é absoluta, e por isso agradecemos àqueles que, como o Senador Gustavo Petro, Ayda Abella, Iván Cepada e muitos outros, têm se manifestado chamando-nos a persistir no diálogo e na busca de uma solução não sangrenta aos desafios postos pela perfídia institucional. Assim o fazemos, partindo, como têm dito inclusive alguns de nossos contrapositores, da ideia de que a paz se constrói fundamentalmente com as comunidades. Nós não somos os donos desse propósito maior, nem pretendemos sê-lo; porém, somos parte do conjunto social e temos também o dever de ajudar a alcançá-lo. Em consequência, sem ânimo de crer possuir a verdade e a razão, convidamos a que calmamente se analisem nossos recentes manifestos e declarações, sem trivializar nem demonizar, sem ridicularizar nem desqualificar, como fazem alguns lambões pagos e oficiosos do stablishment, muitos dos quais posam de independentes e democratas, quando de fato são simples mercenários do microfone, da pena e do tinteiro. Pois, se em realidade se está por encontrar saídas criteriosas aos problemas políticos, econômicos e sociais que indubitavelmente estão se agravando no país, devemos começar por generalizar os debates respeitosos, com argumentos, ainda que existam contradições e choque de ideias.

A luta segue! Juramos vencer e venceremos!

Compatriota, Jesús Santrich. Como diria o general Hermógenes Masa: ‘E ainda com vida’.

04 de setembro de 2019.”

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: https://mundo.sputniknews.com/america-latina/201909051088590873-exclusiva-jesus-santrich-responde-con-una-carta-abierta-a-todos-los-que-le-cuestionan-/


Ex-líder das Farc, Iván Márquez anuncia criação de novo partido político: “Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia”

Credito: El Tiempo

Os ex-guerrilheiros das FARC que decidiram voltar à luta armada na Colômbia publicaram um novo vídeo, nesta quarta-feira, 4 de setembro, onde anunciaram que chamaram seu grupo Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia, disse El Tiempo de Bogotá.

No vídeo aparece o ex-líder das Farc, Iván Márquez, cercado por outros ex-guerrilheiros como ‘el Paisa’, Walter Mendoza e Jesús Santrich.

Ao ler uma proclamação, Márquez disse estar certo de que a reconciliação na Colômbia será possível se os “forem derrotados os oligarcas de sempre, que impuserem a repressão sobre a maioria da população para manter seus privilégios, mergulhando-nos em uma guerra fratricida”.

Além disso, ele disse que o “Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia” trabalhará pela paz e por um novo país.

O ex-líder guerrilheiro disse mais uma vez que o governo traiu o acordo de paz e anunciou a criação de um novo movimento político clandestino que trabalhará “para erradicar a corrupção”, com ações como “revogar o mandato dos políticos responsáveis pelo caos atual”.

O novo movimento político, disse Márquez, terá um funcionamento clandestino. “Não repetiremos a experiência da União Patriótica, onde a heroicidade de seus membros e a generosidade que caracterizaram seu compromisso foram brutalmente abatidas até praticamente fazê-la desaparecer”.

O ex-chefe das Farc continuou dizendo que os membros do novo movimento “terão uma atividade dentro do setor social onde moram, trabalham ou estudam sem o conhecimento público de sua participação no movimento”.

Ele acrescentou: “Eles devem se esforçar para se colocar na linha de frente das lutas pelas reivindicações do povo e só compartilharão com os poucos companheiros com os quais sejam designados a trabalhar”.

Márquez também convidou as pessoas “que se sentem bolivarianas”, civis e membros da Força Pública, a se unirem a eles para “dar o salto à luta política aberta, sempre e quando as condições o permitirem”.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: https://www.aporrea.org/internacionales/n346411.html