PCV: A Confluência Bolívar-Marx e a Revolução Bolivariana

PARTIDO COMUNISTA DA VENEZUELA (PCV): A CONFLUÊNCIA BOLÍVAR-MARX E A REVOLUÇÃO BOLIVARIANA

Por Túlio C. D. Lopes – professor, historiador e membro do comitê central do PCB

Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla em curso sobre a relação dos Partidos Comunistas sul-americanos com a educação em suas múltiplas dimensões. Na Venezuela, o Partido Comunista impulsiona a construção do Instituto de Altos Estudos Bolívar-Marx (IAEBM) que desenvolve diversas atividades. Os comunistas venezuelanos do Partido Comunista da Venezuela (PCV) mantêm seu vínculo teórico-político com o Marxismo-Leninismo e suas referências na luta independentista protagonizada, dentre outros e outras, por Simon Bolívar. No processo histórico da Revolução Bolivariana os Comunistas do PCV mantiveram firme com seu propósito de construir o Poder Popular e o Socialismo no século XXI.

O Partido Comunista da Venezuela (PCV): o partido do Gallo Rojo[2]

O Partido Comunista da Venezuela (PCV), fundado em 05 de março de 1931, se autodefine estatutariamente como o Partido Político da classe operária e dos trabalhadores e trabalhadoras em geral, sua vanguarda, sua forma superior de organização. Tradicional definição dos Partidos Comunistas

vinculados ao Movimento Comunista Internacional (MCI). O órgão oficial do Partido Comunista da Venezuela (PCV) é o jornal Tribuna Popular, disponível em sua versão impressa e digital. O PCV é o principal Partido Comunista[3] em atividade na Venezuela e se configura como uma das principais organizações políticas do país.

O Partido Comunista da Venezuela (PCV) tem como “missão histórica” ser a força do povo trabalhador. Desta forma o PCV se consolidou ao longo de décadas de luta como organização revolucionária, autônoma, crítica e propositiva. O Partido é popularmente conhecido na Venezuela como o Partido do Gallo Rojo, devido ao seu símbolo ser uma figura de um Galo Vermelho. O PCV expressa que:

(…) Os partidos marxistas-leninistas como o nosso, tem a missão histórica de conduzir a classe operária a tomar o poder político, a demolição da máquina estatal burguesa (ditadura do capital, ainda se revestida de aparências democráticas), a instauração de um novo tipo de Estado (Ditadura do Proletariado, ainda que apresente outras denominações), a transição revolucionária desde a desmontagem total do modo de produção capitalista e a edificação do socialismo na perspectiva da sociedade comunista”. Com honestidade revolucionária, o PCV demonstra que como diz sua consigna, é A força do Povo Trabalhador! (PCV, 2015).

O PCV é hoje um dos principais partidos comunistas latino-americanos e mantêm claramente uma perspectiva revolucionária e está vinculado à luta do povo trabalhador venezuelano pelo poder popular e pelo socialismo. Também tem participação ativa em articulações internacionais tais como o Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operário (EIPCO), a Revista Comunista Internacional (RCI), o Movimento Continental Bolivariano (MCB) e o Foro de São Paulo (FSP). Além de participar através da Juventude Comunista da Venezuela (JCV) da Federação Mundial das Juventudes Democráticas (FMJD), do setor de mulheres na Federação Mundial Democrática das Mulheres (FDIM), do setor sindical da Federação Sindical Mundial (FSM)) e do Conselho Mundial pela Paz (CMP).

Nos marcos de sua fundação em março de 1931, o PCV teve forte influência da Revolução Socialista de Outubro na Rússia, do Partido Bolchevique liderado por Lenin, da Internacional Comunista, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e da Revolução Mexicana agrária e anti-imperialista. No processo de conformação do PCV três “vertentes revolucionárias” tiveram preponderância: as classes trabalhadoras e populares das áreas petrolíferas, exilados políticos venezuelanos e grupos radicalizados de estudantes e intelectuais. O primeiro Secretário Geral (Secretário Político) do PCV foi o sapateiro Tomás Aquino Torres.

Destaca-se também o apoio do Birô Caribenho da Internacional Comunistas no ato fundacional do PCV e da influência da propaganda e literatura marxista proveniente dos Partidos Comunistas do México, dos Estados Unidos e da Colômbia. A Internacional Comunista aprovou em 20 de agosto de 1935 a admissão do Partido Comunista da Venezuela (PCV) e dos Partidos Comunistas latino americanos do Peru, Colômbia, Costa Rica e Porto Rico. Óscar Figuera, Secretário Geral do PCV destaca que nas últimas nove décadas o PCV, enquanto um destacamento do proletariado venezuelano, desenvolveu um combate incessante “contra a oligarquia e o imperialismo, contra o oportunismo e o reformismo, pela libertação nacional e pelo socialismo-comunismo”.

Figuera (2021, s/n)[4] também ressalta o papel dos comunistas venezuelanos na organização e luta do movimento sindical classista na Venezuela, desde a Greve do Petróleo de 1936/1937, primeira grande manifestação nacional antiimperialista, passando pelas jornadas de lutas operárias e camponesas da década de 1940, às lutas pelos direitos das mulheres trabalhadoras e da juventude venezuelana, nas greves e nos violentos protestos populares dos anos noventa. E nos informa que no processo histórico de luta do PCV houve o exercício de todas as formas de luta, inclusive a luta armada insurrecional contra os regimes ditatoriais e no plano teórico político interno uma intensa luta contra os desvios e deformações do marxismo, tanto das posições de pseudo-esquerda como de direita dentro e fora do partido.

O PCV define seu vínculo teórico político em seu estatuto, afirmando que o Partido:

Se guia pela concepção científica do Marxismo-Leninismo, o ideal emancipador, anti-imperialista e integracionista de Simón Bolívar e pelos princípios do internacionalismo proletário, a solidariedade internacional com os povos que lutam por sua libertação nacional, pela democracia popular, o progresso, o bem-estar social e pelo Socialismo. (TRIBUNA POPULAR, Nº112, 2005)

No campo da formação teórico-política os comunistas venezuelanos buscam atualizar o pensamento de Simon Bolívar5 e associá-lo ao marxismo-leninismo, realizando atividades de educação partidárias de seus militantes. Figuera (2021)[6] aponta que do nascimento até os dias atuais:

O PCV foi forjado no caldeirão cultural histórico da luta e resistência de nossa própria existência como povo e nação venezuelana, valendo-se do pensamento de nossos libertadores, em particular da ideologia emancipatória e de unidade latino-americana-caribenha do Libertador Simón Bolívar, sempre em diálogo, encontro e conexão com o movimento universal da corrente revolucionária científica e consistente, que exprime os interesses das causas justas dos povos, como o marxismo-leninismo. (FIGUERA, 2021, s/n).

A confluência entre Marxismo-Leninismo e o ideal bolivariano está presente no Partido Comunista da Venezuela (PCV) e é um dos elementos constitutivos da cultura política comunista na Venezuela associada principalmente à luta anti-imperialista e anticapitalista. Em nossa investigação verificamos que o vínculo entre as lutas independentistas e o marxismo-leninismo é claramente expresso, nos documentos políticos e materiais de agitação e propaganda do PCV. Porém está vinculação não se dá de maneira mecânica e descontextualizada e sim a partir de estudos e discussões profundas a partir das lutas concretas do povo trabalhador venezuelano.

Outros setores da esquerda e centro-esquerda venezuelana e latino americana também reivindicam o legado político e histórico de Simón Bolívar e apontam seus líderes históricos como continuadores da obra do Libertador. O Movimento Continental Colombiano ligado a dissidência das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) apresentam Manuel Marulanda Vélez e o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) apresenta Hugo Chávez. Setores da direita liberal também reivindicam o legado de Bolívar relacionando-o com o nacionalismo burguês.

O PCV e a confluência Bolívar-Marx

O Partido Comunista da Venezuela (PCV) impulsiona os trabalhos do Instituto de Altos Estudos Bolívar Marx (IAEBM). O IAEBM é uma organização de caráter acadêmico, geradora de conhecimento e difusora de valores humanistas, cujo esforço intelectual está fundamentalmente centrado na produção intelectual. O IAEBM também promove um conjunto de atividades de agitação e formação política. Através de sua rede social posta cotidianamente um conjunto de cards homenageando lideranças comunistas da Venezuela e do Mundo através de uma campanha chamada “Comunista exemplar!”[7].

O escrito de Karl Marx (1818-1881) sobre a vida e obra de Simon Bolívar foi marcado por uma dura crítica de sua trajetória política e militar. Marx[8] informava que:

Simón, o “Libertador” da Colômbia nasceu em 24 de julho de 1783 em Caracas e morreu em San Pedro, perto de Santa Marta, em 17 de dezembro de 1830. Descendia de uma das famílias mantuanas, que na época da dominação espanhola constituíam a nobreza criolla na Venezuela.

Nestor Kohan, ao investigar o “Bolívar” de Marx aponta a diferença entre o universo cultural inspirado nos sonhos libertários de Simón Bolívar e a leitura política que se deriva da concepção materialista da história e da filosofia da práxis de Karl Marx. Kohan (2013) verifica que:

Vários problemas passaram a herança do movimento revolucionários latino-americano e mundial devido ao tão pouco feliz artigo escrito por Marx aos fins de 1857 e começos de 1858, quando redigia a primeira versão de O Capital, hoje conhecida como os Grundrisse (cuja redação só interrompe momentaneamente por necessidades econômica). Naquele trabalho periodístico-biográfico Marx se esforça por desgastar a Bolívar até o limite que permite suas palavras, envolvendo-o em uma sorte de bonapartismo reacionário. Na gestão do artigo incidiram diversas variáveis. Para sobreviver exilado em Londres, Marx começa a trabalhar como periodista, colaborando a distância no New York Daily Tribune

– um dos periódicos mais lidos nos Estados Unidos – por convite de Charles Anderson Dana (1819-1897). (KOHAN, 2013, p.178)

Marx reconheceu em correspondência que este trabalho era realizado por necessidade e o aborrecia muito pois ocupava muito tempo, dispersava seus esforços e não significava muito, as obras puramente científicas eram completamente diferentes. (KOHAN, 2013, p.178)

Diversos setores da esquerda e centro-esquerda latino-americana fazem referências diretas ao legado histórico de Simon Bolívar, alguns fazem de forma acrítica para justificar um pretenso nacionalismo-revolucionário. Os Partidos Comunistas, em especial o PCV, reivindicam seu legado histórico e apresentam uma confluência dos principais ideais bolivarianos com o marxismo, não deixando de considerar os diferentes contextos históricos e as particularidades nacionais.

Mariátegui (2011) já apontava no Programa do Partido Socialista Peruano (posteriormente Partido Comunista) às diferenças substanciais entre a Revolução da Independência e a Revolução Socialista. Nas palavras do comunista peruano:

A revolução da independência, há mais de um século, foi um movimento solidário de todos os povos subjugados pela Espanha; a revolução socialista é um movimento conjunto de todos os povos oprimidos pelo capitalismo. Se a revolução liberal, nacionalista por seus princípios, não pode ser executada sem uma estreita união entre os países americanos, é fácil compreender a lei histórica que – em uma época de interdependência e vínculo mais acentuados entre as nações – impõe à revolução social, internacionalista por princípio, ocorrer por meio de uma coordenação muito mais disciplinada e intensa dos partidos proletários. (MARIÁTEGUI, 2011, p.205)

A relação dos Comunistas com o legado histórico de Bolívar não começa com a Revolução Bolivariana de 1999. Nos anos oitenta do século XX, dirigentes comunistas dos seis países onde Bolívar empreendeu sua luta independentista debatiam sobre o legado de Bolívar. Representantes dos seis partidos comunistas[9] dos países libertados por Bolívar apresentaram em um artigo intitulado “Exemplo e presença do Libertador” traços gerais do pensamento, da trajetória e das propostas de Bolívar. Os autores do texto de produção coletiva destacam que:

Simón Bolívar prevalece na consciência popular latino-americana como um símbolo das melhores tradições libertárias, patrióticas e democráticas do continente. Sob sua direção militar e política culminou o movimento emancipador das Colônias da Espanha (1809-1825), que hoje constituem as Repúblicas de Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela. Por isso mereceu em vida o título de Libertador, que ele apreciou acima de todas as distinções que lhe outorgaram. (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.151)

Os autores concebem que:

O gesto histórico da primeira independência vencida contra o colonialismo hispano, traz o antecedente histórico legítimo em que se afirma a luta atual de nossos povos contra as novas e mais perversas formas de vasgem política e exploração econômica, impostas pelo império americano (…) O movimento de libertação nacional e social desta época não é idêntico à revolução anticolonial no início do século XIX (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.151)

E afirmam que: “Nós, os comunistas, assumimos, portanto, os elementos positivos da herença bolivariana, reivindicando-os não como um retorno ao passado e sim como um influxo histórico que dinamiza nosso combate presente”. (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.152) Os autores nos informam que:

Basicamente, Bolívar foi um revolucionário de seu tempo. Um homem de pensamentos e ação, que unia a vontade indomável de pôr em prática as suas ideias avançadas. Suas concepções fundamentais formadas sob a influência do Iluminismo europeu, particularmente da ala radical representada por Jean Jacques Rousseau, isto é, daqueles ideólogos que segundo Engels “prepararam os cérebros” para a Grande Revolução Francesa. Porém, o jovem Bolívar pode apreciar diretamente, no cenário europeu, os resultados dessa revolução burguesa, com suficiente perspicácia para precaver-se contra fáceis ilusões liberais e contra sua transferência abstrata às condições do continente, cuja realidade conhecia. Além disso, sua bagagem teórica nutria-se em medida não menor nas obras dos “Ilustradis latino-americanos, que fundamentavam a necessidade da independência ligada à solução de problemas sociais agudos como a liquidação da escravidão, a reivindicação dos direitos dos indígenas e outras preocupações progressistas. A isso é preciso acrescentar a influência que recebeu de seu mestre Simón Rodriguez, que compartilhou das ideias dos socialistas utópicos. Com esta formação o Libertador não só foi um guerreiro notável por suas façanhas militares contra os exércitos da Coroa espanhola, como também, um condutor ideológico e um estadista que fixou as bases jurídico-políticas de nossas Repúblicas. (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.152-153)

Os autores também destacam a dimensão social das propostas políticas de Bolívar. Elencando, entre outras coisas, três elementos importantes. Primeiro, Bolívar destacou o papel das massas populares na luta pela independência compreendendo que “a vitória dependia da incorporação das massas à luta e que isso era possível somente na medida em que se satisfizessem as demandas vitais dos setores mais oprimidos

da sociedade colonial, os escravos e os indígenas” (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.153). Segundo, Bolívar defendeu a libertação dos escravos. Obteve o apoio dos Haitianos na luta por independência e “já em 1816 dispôs, ao voltar para a terra venezuelana, a liberdade dos escravos e o fez o mesmo em reiteradas oportunidades perante a resistência dos escravista sem cumprir a decisão”. (CARRERA, Jeronimo; DIXON, JIMENEZ, César; Feliz; RODRIGUES, Felipe; VALBUENA, Raul; VEINTIMILHA, Luis, 1983, p.153). Terceiro, Bolívar buscou incorporar questões relacionadas a igualdade nas constituições que teve influência. Os autores destacam que:

Na mensagem ao Congresso Constituinte da Bolívia assinalou que, ao redigir a Constituição política, considerou a igualdade como “a lei das leis”, porque sem ela, disse, ´perecem todas as garantias, todos os direitos. Em benefício dele devemos fazer todos os sacrifícios. A seus pés eu coloquei, coberta de humilhação, a infame escravidão´. Estendendo o conceito de igualdade, proclamou outro célebre Decreto: ´Deixaram de existir as classes privilegiadas´. Nessa mesma linha inscrevem-se suas disposições como Presidente do Peru, abolindo os tributos pessoais impostos aos nativos, por uma parte e, por outra, ordenando a divisão das terras da comunidade entre os indígenas, ´para que nenhum índio possa ficar sem seu respectivo terreno´. Também proibiu o trabalho forçado nas minas, conhecido com o nome de “mita”, e obrigou os patrões a pagar salários em dinheiro e não em espécie. Porém, estas e outras disposições de grande conteúdo social ficaram no papel ou simplesmente forma revogadas, pouco tempo depois, pelos novos beneficiários do poder. (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.153).

O caráter popular das lutas independentistas se confrontou com a forte presença da aristocracia na conformação do poder local pós-independência e “Bolívar pode ver então que, apesar de suas leis e de seus bons propósitos, os povos permaneciam subjugados” (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.153). Sem forçar um paralelismo e/ou cair no anacronismo histórico bem sublinhado por Hobsbawm resgatar Bolívar nos tempos atuais significa dar sequência e desenvolvimento as ideias e propostas centrais defendidas pelo libertador, em especial, a defesa da unidade e integração das nações latino-americanas. Ideias bem expostas e defendidas na Carta da Jamaica. Cabe destacar que na perspectiva destes autores:

A famosa Carta da Jamaica que escreveu em 1815 é um documento apaixonado pelo direito dos americanos à independência e à liberdade, porém ao mesmo tempo, é também uma análise da história, das condições internacionais, da situação econômica e social, que tomava por base, para avaliar as possibilidades do movimento independentista e as perspectivas dos futuros Estados. É na realidade um compêndio de sua filosofia política, que, sem dúvida exerceu uma grande influência no desenvolvimento prolongado da luta emancipadora. (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.153)

Na perspectiva dos autores enunciados anteriormente:

Bolívar foi, pois, um republicano, democrata e partidário da igualdade social, embora o ceticismo o tivesse rondado em alguma ocasião adiante das rivalidades e ingratidões que atormentaram seu espírito. Sendo militar, Bolívar não foi militarista. Falando das atribuições que competiam aos homens de uniforme na vida institucional da República, afirmou na sua mensagem aos povos da Colômbia, escrito dias antes de morrer no seu retiro de San Pedro Alejandrino, que “os militares devem empregar a espada na defea das garantias sociais”. (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.154).

Sobre o processo de formação dos Estados Nacionais cabe destacar que:

Bolívar esperava consolidar os Estados sobre a base do consenso social, no qual o povo fosse efetivamente a fonte única da soberania nacional, onde primassem os princípios da igualdade social, da solidariedade, do patriotismo e, ao mesmo tempo, da cooperação internacional. Seguramente, um dos ideais mais caros ao Libertador foi o da unidade das Nações da América Latina. Partindo da idéia de que os países isolados e débeis, apesar de terem conquistado sua independência, ficavam, entretanto, ameaçados pelos apetites colonialistas das grandes potências europeias e dos Estados Unidos, concebeu o projeto de estruturar uma federação de Repúblicas que abarcasse desde o México até a Argentina. O grandioso plano tropeçou em forte oposição interna. Aos caudilhos dos países envolvidos convinha mais ser donos absolutos de cada parcela, do que figuras de segunda categoria numa nação Federada. Mas a mais cerrada hostilidade veios da Inglaterra, da Santa Aliança e dos Estados Unidos, que não queriam ver surgir um Estado poderoso na região para onde aspiravam estender sua hegemonia. (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.154)

Os autores também destacam que:

Os ideais do Libertador, sua obra inconclusa e traída pelas oligarquias, estão agora em mãos de forças anti-imperialista e democráticas. (…) Definitivamente as bandeiras de Simón Bolívar – precursor do anti-imperialismo e da unidade latino-americana – continuam presidindo a marcha de nossos povos para sua segunda e completa independência nacional e social. (CARRERA; DIXON, JIMENEZ; RODRIGUES; VALBUENA; VEINTIMILHA, 1983, p.157)

Sobre o Bolivarianismo cabe destacar que o processo de formação sócio histórico da Venezuela, enquanto Estado Nacional, tem como referência a luta contra o colonialismo espanhol. Nesta luta se destaca a liderança e influência de Simon Bolívar. Posteriormente, o pensamento de Bolívar foi resgatado e ressignificado pelas lideranças da Revolução Bolivariana, fazendo uma conexão contemporânea com o pensamento socialista. A conceituação da Revolução Bolivariana tem como marca este resgate histórico da influência do projeto inacabado e inconcluso de Simon Bolívar.

Mészáros (2011) destaca que Bolívar foi educado e influenciado diretamente por Simón Rodríguez, “um homem que, bem antes de Marx, frequentou sociedades secretas socialistas em Paris” e ressalta o fato de que “Bolívar nunca vacilou em sua determinação radical”, sendo que “as mudanças radicais incluíam a libertação dos escravos, ao que sua própria classe se opunha com veemência”.

A luta pela igualdade e a libertação das colônias e dos povos latino americanos das amarras coloniais espanholas, foram os principais objetivos da luta de Bolívar. Mészáros (2011) nos informa que:

Bolívar considerava que a igualdade legal, a sua “lei das leis”, era absolutamente indispensável para a constituição de uma sociedade politicamente sustentada contra os poderes que internamente tendiam a entravar seu desenvolvimento potencial, e tentavam violar, e até mesmo anular, sua soberania nas relações internacionais. (MÉSZÁROS, 2011, p.93)

A contribuição de Bolívar para a luta revolucionária contra o colonialismo espanhol foi bastante relevante, embora seu projeto político principal, ou seja, a unidade política dos países latino americanos fora derrotado pelas disputas oligárquicas. Mészáros (2011, p.96) afirma que “as circunstâncias históricas atuais são completamente diferentes da época dos triunfos de Bolívar, e também de sua trágica derrota final”. Nos tempos atuais, está aberta a possibilidade e devemos ter a compreensão da necessidade de lutarmos pelo socialismo no século XXI[10]. Mészáros adverte que:

É completamente impossível empenhar-se hoje na grande tarefa histórica da erradicação do capital, orientada de modo positivo para um futuro sustentável, sem ativar todos os cursos do espírito de determinação radical, em consonância com as exigências de nossa época, como Bolívar fez da forma que pôde de acordo com as circunstâncias do seu próprio tempo. É de fato verdade que, agora, chegou a hora da realização dos objetivos bolivarianos em sua perspectiva mais ampla, como o presidente Chávez vem defendendo há algum tempo. É por isso que os propagandistas do capital que usam a expressão projeto bolivariano entre sarcásticas aspas fazem apenas papel de tolos. A continuidade histórica não significa uma repetição mecânica, mas uma renovação criativa no sentido mais profundo do termo. Assim, dizer que chegou a hora da realização dos objetivos bolivarianos – no sentido de que devem ser atualizados de acordo com nossas próprias condições históricas, com toda a sua urgência premente e com um significado claramente identificável também para o resto do mundo -, significa precisamente que se deve dar um sentido socialista às transformações radicais previstas, se estivermos verdadeiramente interessados em implementá -las. (…) A tarefa da renovação radical não está de forma alguma limitada à América Latina. Os movimentos sociais e políticos da esquerda europeia, assim como os da América do Norte, também estão precisando de uma reavaliação profunda de suas estratégias passadas e presentes, diante de suas dolorosas derrotas das últimas décadas. O fermento social e político claramente identificável na América Latina, que vem desde os tempos da revolução cubana e se manifestou durante décadas em diferentes partes do continente e não apenas na Venezuela, tem muito a dizer sobre a questão fundamental de “o que fazer…”. Precisamente por essa razão devemos abrir os olhos e expressar nossa solidariedade com a renovação criativa da tradição bolivariana na Venezuela nas últimas duas décadas. (MÉSZÁROS, 2011, p.97)

Mészáros destaca a importância da crítica radical da política apresentada por Hugo Chávez, ainda nos anos noventa do século XX. Nas palavras de Mészáros (2011, p.100), Chávez contrapôs “ao atual sistema de representação parlamentar a ideia de que ´o povo soberano deve se transformar no objeto e no sujeito do poder. Essa opção não é negociável para os revolucionários´”.

Hugo Chávez registra uma aproximação entre o pensamento de Bolívar e de Marx, onde:

Bolívar e sua concepção democrático-revolucionária, não democrático-burguesa, ele não fala de elites, ataca às elites, ele sempre fala do povo, convoca ao povo. Bolívar e sua visão, vejam bem, poucos anos antes de Carlos Marx, Bolívar disse, conceitua e coloca o povo no centro dos ativadores da máquina da história, as massas populares, ator fundamental ou atores fundamentais dos processos históricos. Não os indivíduos, não as pessoas individuais, não os particulares; é a massa, é o povo. Essa é uma visão que Carlos Marx desenvolveu muito mais, vários anos depois: o materialismo dialético. (CHÁVEZ, 2007, p.48)

Chávez (2007) apresenta várias definições para Revolução: Revolução Bolivariana, Revolução Permanente, Revolução Socialista. Apresentando o conceito de revolução permanente em referência ao líder bolchevique León Trotsky, Chávez destaca que “A Revolução é permanente, nunca acaba´. Vamos com Trotsky, é ele quem tem a razão: ‘A Revolução não acaba´”. (CHÁVEZ, 2007, p.59). Mas, é Bolívar a fonte principal de inspiração de Chávez, quando destaca: “Devemos triunfar pelo caminho da revolução e não por outro; ele sabia que só por esse caminho achariam a vitória, qualquer outro caminho ia levá-los à derrota, que foi o que tristemente aconteceu”. (CHÁVEZ, 2007, p.85).

A confluência entre o pensamento de Bolívar, a influência política de Hugo Chávez com a teoria social revolucionária é apreendida pelos comunistas venezuelanos do PCV como uma síntese histórica das lutas do povo trabalhador venezuelano pela independência, soberania, justiça social, pelo poder popular e pelo socialismo. A contribuição de Bolívar para a luta revolucionária contra o colonialismo espanhol foi bastante relevante, embora seu projeto político principal, ou seja, a unidade política dos países latino americanos fora derrotado pelas disputas oligárquicas. Mészáros afirma que “as circunstâncias históricas atuais são completamente diferentes da época dos triunfos de Bolívar, e também de sua trágica derrota final” (MÉSZÁROS, 2011, p.96). Nos tempos atuais, está aberta a possibilidade e devemos ter a compreensão da necessidade de lutarmos pelo socialismo no século XXI[11].

Mesmo com a forte influência bolivariana os comunistas do PCV não abandonam a formação política com base no marxismo-leninismo. Em 2015, o Partido Comunista da Venezuela promoveu uma jornada nacional de Formação Política Antifascista[12]. O Jornal Tribuna Popular nos informa que o PCV programou “uma jornada de formação política e ideológica, que incluem seminários e palestras, a desenvolverem em todo o país em respaldo aos povos que vivem abaixo as políticas fascistas que se impõem o totalitarismo” em clara reação contra as forças da extrema-direita fascista Venezuelana. Em 2017, o PCV realizou um Seminário Internacional que abordou a vigência do Pensamento leninista[13].

A atividade ocorreu nos marcos do XV Congresso Nacional do PCV como parte da celebração do Centenário da Revolução Bolchevique de Outubro. O II Seminário Ideológico Internacional sobre a vigência do pensamento de Vladimir Lenin teve a participação de representantes do Movimento Comunista Internacional tais como: Partido Comunista Colombiano (PACOCOL), Partido Comunista da Grã Bretanha (PCB), Partido Comunista do México (PCM), Partido do Povo do Panamá (PP), Partido Comunista Português, Partido Comunista da Noruega (PCN), Partidos do Trabalho da Coreia (PTC), o Partido do Trabalho da Bélgica (PTB), Partido Comunista dos Povos da Espanha (PCPE), entre outros (TRINUNA POPULAR, s/n, 27 de abril de 2015).

Observa-se uma forte vinculação do PCV com outros partidos do Movimento Comunista Internacional (MCI) e uma cultura política partidária que resgata a tradição revolucionária do Partido Leninista. A incorporação crítica dos elementos bolivarianos na luta dos comunistas do PCV não significa o abandono da perspectiva revolucionária socialista/comunista por parte dos comunistas venezuelanos do PCV. Apesar da influência bolivariana o PCV tem uma clara definição classista, com a ideologia e o programa próprios da classe trabalhadora, também mantém sua independência de classe seu caráter leninista e internacionalista.

O PCV, a Revolução Bolivariana e a Alternativa Popular e Revolucionária (APR)

Em 1992, Chávez lidera uma tentativa de rebelião militar[14]. Embora esta iniciativa fora desmantelada pelas forças repressivas, diversos setores populares respaldam as ações do movimento liderado por Chávez e cresce significativamente o contingente de seus apoiadores.

Cabe destacar que:

O descontentamento popular com a elevação exponencial das taxas de desemprego, preços dos serviços públicos privatizados e promessas não realizadas desembocou, nos anos seguintes, na vitória de Chávez e nas eleições de outros líderes que defendiam mudanças em vários países da América Latina. A audácia do venezuelano foi exibida não apenas em seus atos iniciais, mas ao recolocar na agenda política a palavra maldita. Revolução foi um tema central na ofensiva desencadeada a partir de Miraflores, o palácio do governo, ao longo do tempo. Trata-se de uma luta política e ideológica de envergadura, como se dizia em outros tempos. (MARINGONI, 2009, p.22)

A vitória política eleitoral de Hugo Chávez na Venezuela em 1998 (Chávez vence as eleições presidenciais com 56,2%), ocorre simultaneamente com o avanço das forças populares, democráticas, sociais-democratas, socialistas e comunistas em outros países latino americanos, conjugando as lutas de massas (lutas socioeconômicas) com a luta política (eleitoral)[15].

Os comunistas venezuelanos do Partido Comunista da Venezuela (PCV) apoiaram Hugo Chávez e sua revolução bolivariana desde sua primeira eleição presidencial em 1998. Destacaram que Hugo Chávez inicialmente era um propulsor de um nacionalismo genérico e pouco preciso, depois apontava para uma “terceira via”, um bolivarianismo misturado com um cristianismo social e outras vertentes do reformismo, social-democrata. Mas, que posteriormente passou a coincidir com o Partido de que é o socialismo a única via possível para a humanidade.

A partir de sua posse para o primeiro mandato, em fevereiro de 1999, Chávez tornou-se umas das principais lideranças da esquerda latino-americana. E, “sua atividade incessante, com erros e acertos, visa a evidenciar, pelo menos a possibilidade de almejar algo diverso do receituário financeiro-liberal como política pública”. (p.24). Chávez convoca um referendo constitucional em abril de 1999, conquista a maioria dos membros da Assembleia Nacional Constituinte e aprova sua proposta de nova constituição. No ano de 2000, ocorrem novas eleições presidenciais e Chávez vence outra vez, com 59,76% dos votos. Em 2001, aumenta os impostos sobre transnacionais do Petróleo, e promove regulamentações contra o latifúndio improdutivo.

As inéditas transformações promovidas pelo seu governo nas áreas econômicas, políticas, sociais e culturais garantiram sua popularidade assentada na governabilidade partilhada com os movimentos populares e com a participação de forças militares comprometidas com o processo da revolução bolivariana. Maringoni destaca que:

As transformações maiores na economia caminham devagar, embora sejam inéditas nas últimas três décadas. Chávez retirou a estatal Petróleo de Venezuela S.A. (PDVSA) das mãos da elite econômica que a controlava de forma subordinada aos interesses das grandes corporações internacionais. Ampliou, além disso, os direitos das populações indígenas e dos pobres no país. E não apenas interrompeu a senda privatista seguida pela maioria dos governos continentais, como deu início a um processo de reestatização e nacionalização das empresas e riquezas nacionais. Em outras conjunturas, tais reformas seriam tímidas. Em tempos de hegemonia neoliberal, afiguram-se como ousadas. (MARINGONI, 2007, p.25).

O processo revolucionário bolivariano encontrou forte resistência da oligarquia local, da mídia burguesa, do alto clero católico e do imperialismo estadunidense. Em abril de 2002, empresários ligados às Fedecámaras, setores da Igreja Católica, membros da alta direção da PDVSA e parte da aristocracia operária da Central dos Trabalhadores Venezuelanos (CTV), organizam um golpe com o apoio da Espanha e dos Estados Unidos, através da Central de Inteligência Norte Americana e sua embaixada. Sequestram o presidente Hugo Chávez e impõem ao país um “presidente” vinculado diretamente à representação do poder econômico. Entretanto, os apoiadores da revolução bolivariana responderam com uma contraofensiva popular espetacular. A mobilização das massas, essencial para qualquer revolução, e das forças militares patrióticas bolivarianas permitiu o resgate do comandante Chávez e a derrota desta, que foi a primeira tentativa de golpe. Em 2003, a direita venezuelana promove greves e sabotagens na indústria petrolífera. Mas, os trabalhadores conseguem restaurar as operações em toda a indústria petrolífera, derrotando a sabotagem. Em 2005, Chávez proclama, em Caracas, o “Socialismo do século XXI” e a coalização composta por partidos e organizações que apoiam a Revolução Bolivariana vence as eleições da Assembleia Nacional. Em 2006, Chávez é reeleito presidente com 62,84% dos votos e anuncia a criação do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Em 2007, Chávez propõe um novo referendo constitucional e apresenta uma série de propostas buscando implementar o socialismo pela via constitucional, apresentando propostas ousadas, tais como: redução da jornada de trabalho de oito para seis horas diárias; inclusão dos trabalhadores informais na seguridade social; propriedade dividida em pública e privada. Esta segunda modalidade seria classificada como propriedade social, podendo ser gerida pelo Estado ou por grupos sociais, como coletiva, ficaria proibida a existência do latifúndio, “por ser contrário ao interesse social”; criação do poder popular, a ser incluído na escala de poderes municipal, estadual e nacional; acabar com a autonomia do banco central; reeleição indefinida. A proposta de reforma constitucional é derrotada.

Os Comunistas do PCV apresentaram uma crítica contundente, acerca do caráter e do conteúdo do processo que dirigia o Presidente Chávez chamando a atenção para o fato de que predomina nas lideranças do Governo Bolivariano uma heterogênea mescla de concepções idealistas e pequeno burguesas da nova sociedade e a ausência de uma concepção científica do socialismo. Apontando que foram os setores médios e a pequena-burguesia e não a classe operária e o povo trabalhadora que conduziu com protagonismo o processo revolucionário bolivariano.

Em outubro de 2012, Chávez vence seu terceiro mandato com 55,07% dos votos contra Henrique Capriles. Mas, em dezembro do mesmo ano, Chávez anuncia que fará novas operações em Cuba e convoca seus seguidores a apoiar seu vice-presidente, Nicolás Maduro (motorista de ônibus). Em 05 de março de 2013, Chávez morre e ocorre a maior mobilização popular da história da Venezuela.

Em abril, Nicolás Maduro vence as eleições com 50,61% dos votos, contra 49,12% de Capriles e em 08 de dezembro, as forças revolucionárias vencem as eleições municipais conquistando 71% dos prefeitos. Em 2014, a direita venezuelana radicaliza e são convocados protestos e atos terroristas liderados por Leopoldo López, gerando boicotes econômicos. Em 2015, as forças revolucionárias são derrotadas nas eleições para a Assembleia Nacional e em 2016 ocorre nova tentativa de golpe econômico, com boicote econômico dos empresários, saques e protestos liderados pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), articulação política da oposição, que envolve setores da ultradireita, direita e ultraesquerda. Em 2017, o governo Maduro reage e anuncia a convocação da Assembleia Nacional Constituinte do Poder Popular com representação dos movimentos populares (sindicais, indígenas, estudantes, feministas, camponeses). Nas eleições presidenciais de 2018, Nícolas Maduro é reeleito.

Mesmo considerando toda a complexidade e as contradições da Revolução Bolivariana o PCV e as organizações vinculadas ao partido decidiram apoiar e dar um novo voto de confiança ao PSUV e ao presidente Nicolás Maduro:

O Partido Comunista da Venezuela e as organizações da Frente Nacional de Luta da Classe Trabalhadora (FNLCT) decidiram dar um voto de confiança, cumpriram nas eleições de 20 de maio de 2018, superando a incredulidade e a desmoralização que acomete uma parte importante dos trabalhadores historicamente identificados com o processo bolivariano e mobilizaram milhares de pessoas que confiam nestas organizações classistas revolucionárias, dando um voto de confiança ao compromisso público assumido por Maduro. Das cinco partes que compõem o Acordo Unitário (PCV-PSUV) a parte mais extensa e detalhada é a dedicada aos “Direitos da classe operária e do povo trabalhador”, que inicia ressaltando “a importância de fortalecer o sindicalismo classista e as diversas expressões do movimento operário e revolucionário […], respeitando sua autonomia, desenvolvendo canais e mecanismos efetivos e oportunos para que os(as) trabalhadores(as) de entidades públicas e privadas possa ter protagonismo no desenvolvimento do processo social de trabalho”. Assim mesmo, se pontualiza a necessidade de “fortalecer e resguardar os direitos laborais, proteção do emprego e ampliar a política de novos empregos”, para o qual, “segundo os alcances e características de cada organização”, o PCV, desde os espaços sociopolíticos, e o PSUV, como partido do governo acordaram “identificar e canalizar a restituição dos direitos infrigidos a trabalhadores e trabalhadoras nos casos já levantados o que puderam apresentar-se nas entidades de trabalho públicas e privadas. (TRIBUNA POPULAR, NÚMERO 2995 – 24 de maio a 13 de junho de 2018).

E em fevereiro de 2019, ocorre uma nova tentativa de golpe e ameaça de intervenção militar Norte Americana. Posteriormente é convocada uma Assembleia Nacional Constituinte, com base no Poder Popular, ou seja, na representação dos trabalhadores do campo e da cidade, dos povos originários, dos movimentos sociais, sindicais, estudantis e populares, o que provocou uma situação em que a dualidade de poderes favoreceu a governabilidade do Presidente Nicolás Maduro, vinculado ao Partido Socialista Unificado da Venezuela e apoiado criticamente pelos comunistas venezuelanos do Partido Comunista da Venezuela.

Pressionado pelo imperialismo através de diversas sanções econômicas o Governo Maduro (PSUV) passa a promover uma inflexão política abrindo diálogo direto com setores da oposição burguesa e passando a promover uma política de conciliação de classes. O PCV denunciou o aumento significativo da inflação, o forte desabastecimento de bens de consumo e o aprofundamento da condição dependente da economia venezuelana.

Sobre o processo venezuelano, Mauro Iasi destaca em uma nota sobre a Venezuela que:

O caso Venezuelano é sintomático, pois começa por cisões no aparato militar e segue com alterações na forma de poder de Estado por meio de mudanças constitucionais que implementam a lógica da dualidade de poder pela organização de um poder popular. O controle da principal fonte de riqueza pelo Estado, o petróleo, e o caráter geral da economia venezuelana, relativizam a socialização dos meios de produção. No entanto, mais cedo ou mais tarde, a base real das relações capitalistas de produção terão que ser enfrentadas com risco de reversão do caminho que se espera socialista. (IASI, 2017, p.144, nota 3)

E passou a pressionar o Governo Maduro e o PSUV, apresentando duras críticas em relação a sua condução política e apontando para a necessidade de um amplo processo de debates, crítica e autocrítica, lutando para que a experiência popular da Revolução Bolivariana não tornar uma nova frustação para o povo venezuelano.

A FNLCT também destaca que o principal inimigo da classe trabalhadora e do povo trabalhador é o capital monopolista e reafirma sua disposição de luta contra o capitalismo dependente e seu correspondente Estado Burguês. Simultaneamente, os comunistas do PCV intensificaram a participação na Assembleia Nacional do Movimento Operário e Sindical Classista, organizada regularmente pela Frente Nacional de Luta da Classe Trabalhadora e convocou a classe trabalhadora para a luta pela aprofundização revolucionária se posicionando contra o reformismo:

A FNLCT insiste na necessidade de derrotar a conspiração contra a produção nacional e desmontar o rentismo dependente, ativando a participação protagônica da classe operária, por isso que propõe a reativação produtiva das empresas nas mãos do Estado com um novo modelo de gestão, baseado na direção múltipla e coletiva sob o controle operário e social. Defendendo a aprovação dos Conselhos Socialista de Trabalhadores (as) engavetado na Assembleia Nacional. (Tribuna Popular – Número 2951 – 08 a 28 de outubro de 2015).

O PCV rompe com o Governo Maduro em 2020 e passa a construir a Alternativa Popular e Revolucionária (APR). Nas eleições parlamentares o PCV conquistou um mandato parlamentar que atualmente é exercido pelo camarada Óscar Figuera, secretário geral do Partido. No tocante ao trabalho parlamentar, Carlos Ojeda Falcón, membro do Comitê Central do PCV, já destacava que:

O PCV tem um destacado trabalho parlamentar, atuando sempre com base nos princípios ideológicos que orientam o trabalho comunista: processando oportunamente as denúncias dos trabalhadores; promovendo espaços para a participação democrática do povo e fazendo acompanhar com mobilização popular e de massas projetos de leis e iniciativas parlamentares dirigidas a aprofundar o protagonismo da classe operária em suas lutas políticas e reivindicativas. (…) os comunistas são vigilantes para não deixar cooptar pela fria institucionalidade burocrática que gravita em torno dos cargos de eleição popular. Muito pelo contrário, buscam romper com as atividades rotineiras que caracterizam e limitam estes espaços, as quais deixam de sentir as massas, seus anseios e necessidades. (TRIBUNA POPULAR – número 2.953 – 19 de novembro a 09 de dezembro de 201, p.8).

Na atualidade os comunistas Venezuelanos do PCV destacam, entre outras coisas, que o imperialismo continua sendo o principal inimigo de nossos povos e de toda a humanidade, que a base da crise atual é o resultado das formas parasitárias de apropriação privada da renda da mineração e do petróleo em benefício de um capital privado não petrolífero ineficiente. Na avaliação do PCV, a atual situação da Venezuela não é uma crise do socialismo. Até porque a Revolução Bolivariana não avançou na perspectiva do socialismo. A crise é do capitalismo dependente onde se verifica um colapso do rentismo e do extrativismo petroleiro venezuelano, o que foi agudizada pelas agressões econômicas implementadas pelo imperialismo, recaindo sobre o povo trabalhador venezuelano.

Nas eleições parlamentares de 2020 e gerais (estaduais e municipais) de 2021, o PCV lançou juntamente com outras organizações políticas a Alternativa Popular Revolucionária (APR). Os comunistas do PCV denunciaram o não cumprimento por parte do Governo de Nicolás Maduro dos acordos firmados durante às eleições presidenciais venezuelanas, principalmente às questões salariais, trabalhistas e agrárias. Frente as constantes agressões econômicas burguesas e imperialistas o Governo de Nicolas Maduro do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) optou pela conciliação de classes, retrocedendo politicamente e abandonando a perspectiva revolucionária bolivariana.
Os desafios e as possibilidades históricas do processo revolucionário bolivariano são inúmeros e marcados pelo aprofundamento das contradições interimperialistas e intercapitalistas que se agudizam ante a profunda crise do capitalismo mundial. As posições políticas expressas em artigos e notas do Partido Comunista da Venezuela (PCV), pela Juventude Comunista Venezuelana (JCV), pela Frente Nacional de Luta da Classe Trabalhadora (FNLCT) e pelas frentes de luta do Partido demonstram, em linhas gerais programáticas às posições dos comunistas venezuelanos sobre o governo Maduro, a revolução Bolivariana e o socialismo.

Os comunistas do PCV se consideram comunistas (e não chavistas) que apoiam a revolução bolivariana. Apoiaram criticamente o governo de Nicolás Maduro (do PSUV), não participando de nenhum ministério, e romperam com o Governo quando este se afastou da perspectiva revolucionária e socialista. Participam das milícias bolivarianas, dos movimentos sociais, populares, culturais, sindicais e estudantis. Possuem uma relativa influência política e social no processo revolucionário, se configurando como a segunda força política e social, sendo superada somente pelo PSUV, um grande partido socialista de massas, de caráter policlassista e que aglutina diversas tendências e correntes internas.

O aprofundamento da crise capitalista e o acirramento da luta de classes exigirão dos comunistas venezuelanos e das forças revolucionárias uma atuação política incisiva nesta conjuntura. As vicissitudes do processo bolivariano, os desafios e as possibilidades apresentadas, serão pré-determinados pelo protagonismo do proletariado e pela atuação de sua vanguarda histórica, o partido comunista. O PCV compreende que o socialismo é o único caminho para uma saída revolucionária para a crise na Venezuela Bolivariana.

Referências

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CHÁVEZ, Hugo. Discursos. República Bolivariana da Venezuela, Imprensa Nacional, 2007.

FIGUERA, Óscar. Orgulhoso de nuestro passado y luchando por el futuro comunista aqui sigue y seguira el pc. Disponível em: https://prensapcv.wordpress.com/2021/03/08/oscar-figuera-orgullosos-de-nuestro-pasado-y-luchando-por-el-futuro-comunista-aqui-sigue-y-seguira-el-pc/ – Acesso em 21/03/2021

HOBSBAWM, Eric. Viva la revolución: a era das utopias na América Latina. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

HOBSBAWN, Eric. Como mudar o mundo – Marx e o Marxismo (1840-2011). São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

KOHAN, Néstor. Simón Bolívar y Nuestra independência – uma lectura latino-americana. Argentina: Ediciones digitales de La Rosa Blindada, 2013.

LOWY. Michael (Org.). O Marxismo na América Latina – uma antologia de 1909 aos dias atuais. Segunda edição revista e ampliada. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006.

MARIÁTEGUI, José Carlos. Defesa do Marxismo, polêmica revolucionária e outros escritos. São Paulo: Boitempo, 2011.

MARINGONI, Gilberto. A revolução Venezuelana. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.

PARTIDO COMUNISTA DA VENEZUELA. Estatutos del Partido Comunista de Venezuela (PCV) – XIº Congresso del PCV, Carácas, , 8, 9 y 10 de marzo del 2002.

PARTIDO COMUNISTA DA VENEZUELA: Jornal Tribuna Popular (Edições de 2002 (Número 112), 2005, e de 2015 a 2019). Disponível em: https://jtribunapopular.com.br/ Acesso em 05 de maio de 2021.

Notas

[1] Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG – Unidade Divinópolis). Pesquisador do Grupo de estudos Marx, Trabalho e Educação da Faculdade de Educação da UFMG e integrante do Instituto Caio Prado Junior (ICP-MG). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0901143608835473. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4861-758X. E-mail: ousarvencer@yahoo.com.br.

[2] Existe outro Partido Comunista na Venezuela, o autoproclamado Partido Comunista Marxista-Leninista da Venezuela (PCMLV) vinculado à Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxistas Leninistas (CIPOML).

[3] Existe outro Partido Comunista na Venezuela, o autoproclamado Partido Comunista Marxista-Leninista da Venezuela (PCMLV) vinculado à Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxistas Leninistas (CIPOML).

[4] Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB). Fonte: https://prensapcv.wordpress.com/2021/03/08/oscar-figuera-orgullosos-de-nuestro-pasado-y-luchando-por-el-futuro-comunista-aqui-sigue-y-seguira-el-pc/.

[5] Simon Bolívar (1783-1830) foi um líder político e militar venezuelano que liderou alguns processos de independência na América Latina, contra o colonialismo europeu (em especial o domínio espanhol). Suas tropas eram compostas por negros, índios, brancos e mestiços. Defendeu, entre outras coisas, a abolição dos escravos, a justiça social e a unidade entre os países latino-americanos independentes.

[6] Dentre os homenageados e as homenageadas constam as seguintes referências: Ernst Thälmann, Stálin, Mao Zedong, Victório Codovilla, Kim Il Sung, Vladimir Mayakovski, Athos Fava, Enver Hoxka, María Del Mar Álvarez, Héctor Mujica, Lívia Gouverneur, Aníval Moreno, Pedro Gutiérrez, Manuel Marulanda, Toribio García, Serguei Kirov, Miguel Hernández, Pablo Picasso, Alonso Ojeda Olaechea, Modesta Bor, Vilma Espín, Félix Ojeda Olaechea, Ramón Losada Aldana, Manuel Almenar, Anton Makarenko, Otto Graterol Payares, Francisco de Miranda, Máximo Gorki entre outros. Os nomes são expostos com fotos e acompanhadas de uma citação ou de uma biografia. Além de comunistas estão apresentados líderes da luta independentista, cientistas, poetas, escritores e escritoras.

[7] Dentre os homenageados e as homenageadas constam as seguintes referências: Ernst Thälmann, Stálin, Mao Zedong, Victório Codovilla, Kim Il Sung, Vladimir Mayakovski, Athos Fava, Enver Hoxka, María Del Mar Álvarez, Héctor Mujica, Lívia Gouverneur, Aníval Moreno, Pedro Gutiérrez, Manuel Marulanda, Toribio García, Serguei Kirov, Miguel Hernández, Pablo Picasso, Alonso Ojeda Olaechea, Modesta Bor, Vilma Espín, Félix Ojeda Olaechea, Ramón Losada Aldana, Manuel Almenar, Anton Makarenko, Otto Graterol Payares, Francisco de Miranda, Máximo Gorki entre outros. Os nomes são expostos com fotos e acompanhadas de uma citação ou de uma biografia. Além de comunistas estão apresentados líderes da luta independentista, cientistas, poetas, escritores e escritoras.

[8] Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1858/mes/bolivar.htm Acesso em: 25 março de 2021.

[9] Partido Comunista da Bolívia (PCB), Partido Comunista Colombiano (PCC), Partido Comunista do Equador (PCE), Partido Comunista Peruano (PCP), Partido do Povo do Panamá (PPP) e Partido Comunista da Venezuela (PCV).

[10] É assim que a possibilidade e a necessidade se conjugam em uma unidade dialética em nosso universo social, historicamente específico, dos dias de hoje. Possibilidade, porque sem ultrapassar as determinações estruturais dos antagonismos irreconciliáveis do capital, a partir dos quais emergiu o processo socialista ao longo do desenvolvimento histórico da humanidade, é completamente inútil sonhar com a instituição de um universo social globalmente sustentado. E necessidade – não uma espécie de fatalidade mecanicista, mas uma necessidade irreprimível e literalmente vital -, porque o destino do ser humano será a aniquilação se, no decorrer das próximas décadas, não conseguirmos erradicar totalmente o capital de nosso modo instituído de reprodução sociometabólica. (MÉSZÁROS, 2011: p.97).

[11] É assim que a possibilidade e a necessidade se conjugam em uma unidade dialética em nosso universo social, historicamente específico, dos dias de hoje. Possibilidade, porque sem ultrapassar as determinações estruturais dos antagonismos irreconciliáveis do capital, a partir dos quais emergiu o processo socialista ao longo do desenvolvimento histórico da humanidade, é completamente inútil sonhar com a instituição de um universo social globalmente sustentado. E necessidade – não uma espécie de fatalidade mecanicista, mas uma necessidade irreprimível e literalmente vital -, porque o destino do ser humano será a aniquilação se, no decorrer das próximas décadas, não conseguirmos erradicar totalmente o capital de nosso modo instituído de reprodução sociometabólica. (MÉSZÁROS, 2011, p.97).

[12] Notícia: PCV realizará jornada nacional de formación política antifascista, jornal Tribuna Popular, 27 de abril de 2015.

[13] Notícia: II Seminario Internacional abordó vigencia del pensamiento leninista, jornal Tribuna Popular, 21 de junho de 2017. : II Seminario Internacional abordó vigencia del pensamiento leninista.

[14] Os antecedentes deste processo revolucionário se encontram no episódio popularmente conhecido como Caracazo. MariNgoni nos informa que: Em fevereiro de 1989, quando multidões enfurecidas tomaram as ruas, protestando contra um pacote econômico acertado entre o governo da época e o Fundo Monetário Internacional (FMI), a parte visível foi dada por quebra-quebras e saques a lojas e supermercados. A repressão foi brutal. A conta dos mortos é motivo de controvérsias até hoje. É possível que os cadáveres tenham chegado a 1,5 mil. (MARINGONI, 2009, p.23).

[15] Nas palavras de Maringoni (2009): A encruzilhada histórica que se manifesta na Venezuela faz parte de uma grande onda de revoltas, rebeliões e levantes populares que se tem manifestado na América Latina, como consequência das políticas neoliberais aplicadas após o advento do Consenso de Washington, em 1989. Essa vaga passa pela rebelião indígena no Equador em 2000, e pela vitória de Rafael Correa, anos depois, pela queda de Fernando de la Rúa, na Argentina, em 2001, pela luta contra as privatizações no Peru em 2002, pelo levante popular boliviano em 2003, pelas eleições de Evo Morales, na Bolívia em 2005, e de Fernando Lugo no Paraguai, em 2008. Em menor grau, essa situação possibilitou as vitórias de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil em 2002, de Tabaré Vázquez, no Uruguai em 2004 e de Daniel Ortega, na Nicarágua em 2006. Ao mesmo tempo, a situação venezuelana tem profundas particularidades e características de crise de longo curso (MARINGONI, 2009, p.24).

Publicado originalmente em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/view/47214