Paraguai: luta pela democracia ou pelo socialismo?
O golpe de estado que derrubou no último fim de semana o presidente paraguaio Fernando Lugo encerra importantes ensinamentos a todos os lutadores pela causa do proletariado, e não apenas em nível continental. As lições a serem extraídas em mais esta vitória da burguesia são hoje igualmente úteis no âmbito mundial da luta dos trabalhadores. E a primeira delas salta à vista: cai por terra o mito de que o ciclo dos golpes de estado na América e no mundo teria encontrado seu ponto final com o encerramento da chamada “guerra fria”. Não, como ensinara Marx há mais de cento e cinquenta anos, a burguesia se serve de regimes democráticos ou ditatoriais na medida em que estes ou aqueles melhor sirvam a seus interesses.
Pois foi um golpe de estado de inspiração burguesa o que ocorreu no Egito semana passada, quando os militares fecharam o parlamento, assumiram poderes legislativos e outorgaram uma Constituição em cujos termos foram realizadas em segundo turno as eleições presidenciais que elegeram o candidato da Irmandade Muçulmana. Mesmo que não se recorra aos exemplos das tentativas golpistas burguesas contra Hugo Chávez e o presidente equatoriano Rafael Correa em passado recente, é indisfarçável o caráter golpista das atuais manifestações de corporações policiais anti-Morales na Bolívia. E tenhamos claro: se a luta nestes países não for radicalizada em direção a uma ruptura revolucionária de instalação de governos e estados proletários, se isso não for feito, é certo que a burguesia acabará por concretizar seus planos, já em andamento, de golpes de estado.
Sabe-se que a democracia é a melhor forma de organização do poder burguês, enquanto concretização de uma ditadura disfarçada mas direta dos detentores do capital. No entanto, se conjunturalmente a democracia se mostra incapaz de manter a estabilidade necessária à reprodução cotidiana do sistema, a burguesia nunca terá, como nunca teve, vergonha de recorrer a formas abertas de exercício de sua ditadura sobre o proletariado. Foi o que ocorreu na América Latina ao longo dos anos 60, quando os trabalhadores se ergueram em praticamente todos os países contra a burguesia, que então recorreu aos militares que, bem mandados, cobriram todo continente com o sangue dos trabalhadores e seus aliados. Que não se iludam, pois, democratas, social-democratas, socialistas e aproximados: a equação socialismo ou barbárie continua historicamente na ordem do dia. Os marxistas já aprendemos isso.
Que se destaque no golpe paraguaio um detalhe significativo: não foi preciso violar a Constituição do país para que fosse efetivada a destituição de Lugo e colocado em seu lugar um representante direto da Igreja ultraconservadora paraguaia, dos latifundiários, industriais, traficantes e contrabandistas, enfim de todo o conjunto da burguesia paraguaia. É preciso lembrar, aqui, que Lugo foi eleito no interior de uma conjuntura de desarticulação e recuo político estratégico do capital em todo o continente, situação em que as classes dominantes tiveram nos representantes burgueses e pequeno-burgueses uma saída para sua crise de dominação, como no caso do Brasil, país em que o capital pôde comemorar na eleição de Lula e do PT uma das suas maiores vitórias na América Latina. Em alguns casos, como na Venezuela, Bolívia e Equador, o jogo escapou ao controle da burguesia, mas que ninguém se iluda: na primeira oportunidade, a burguesia partirá para o confronto direto de vida ou morte.
Mas o maior desafio lançado pelo golpe no Paraguai se refere à estratégia de luta das forças que, de uma maneira ou de outra, se colocam no campo da luta pelo socialismo: lutar pela democracia ou lutar pelo socialismo? Para nós, para todos aqueles que nos consideramos marxistas, o caminho é e sempre foi o de lutar pelo socialismo, considerada a democracia uma forma do poder político essencialmente burguesa. E a história testemunha a nosso favor. O caso mais clássico deve ser buscado na Guerra Civil Espanhola, quando a questão se colocou de forma clara e inequívoca. O caminho escolhido pelas forças de esquerda majoritárias então, o caminho da luta pela democracia, levou a uma derrota igualmente histórica do proletariado. De lá para cá, os exemplos se repetem: Grécia, França e Itália no imediato pós-II Guerra, República Dominicana, Indonésia, Brasil, Chile, Argentina, Uruguai… os desastres se repetiram dramaticamente. Até quando se vai insistir neste erro?
Assim, são extremamente preocupantes as primeiras notícias vindas de Assunção dando conta de que a enorme maioria da esquerda do país irmão vem erguendo a bandeira da democracia no chamamento ao combate aos golpistas. Mesmo os segmentos mais radicalizados, que defendem métodos extra-institucionais de luta, se remetem à ladainha da defesa da democracia. Triste e desastrosa ilusão.
É chegada a hora de a esquerda se desvencilhar de toda a herança do reformismo e das ilusões democráticas que a burguesia conseguiu infiltrar nas fileiras do proletariado. O fértil campo de batalha classista em que se transforma o Paraguai hoje representa uma oportunidade histórica de se fazer uma autocrítica revolucionária de todos os desvios de direita que têm dominado a prática da esquerda em todo o mundo. A possibilidade da radicalização do proletariado paraguaio oferece oportunidade única para se fixarem tarefas imediatas no campo da luta aberta e da organização em busca de um estado de trabalhadores. Que não se jogue no colo da burguesía a disposição de luta e o heroísmo histórico dos trabalhadores paraguaios. Todo poder ao proletariado!
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