‘Foi um golpe não só no Paraguai mas em toda América Latina’
Para o secretário-geral do Partido Comunista Paraguaio, Najeeb Amado, o golpe parlamentar ocorrido há pouco mais de um mês no Paraguai é uma ação do imperialismo estadunidense que coloca toda a América Latina, principalmente a América do Sul, em perigo. “Temos um espaço aéreo límpido, no centro do continente, que pode servir para as ações militares dos EUA na região”, afirmou durante entrevista ao PCB realizada em Assunção, nos marcos do conjunto de atividades que marcaram um mês de resistência popular contra o ilegal e ilegítimo governo encabeçado por Federico Franco.
PCB – Por que, a poucos meses das eleições, houve o golpe?
Najeeb Amado – O golpe é resultado direto da intervenção dos EUA na vida paraguaia. Foi um aviso de que, por menores que sejam os avanços obtidos pelo povo paraguaio, eles não serão aceitos pelo imperialismo.
PCB – Como assim?
NA – Somos um país pequeno, com pouco mais de 6 milhões de habitantes. A renda média da maioria do nosso povo, que é pequena, torna o país algo desinteressante para o “mercado”. Ao imperialismo não importa, em primeiro lugar, exportar produtos para cá. O que eles querem é ter total segurança de que controlam nosso território, nossos recursos naturais, nossa terra que é fértil, nosso espaço aéreo.
PCB – Mas os EUA não reconheceram o atual governo…
NA – É verdade. Só houve reconhecimento do Vaticano e de Taiwan; Alemanha e Canadá de início haviam declarado reconhecer, mas depois voltaram atrás. Creio que os EUA não estão em condições de, unilateralmente, de bancar esse reconhecimento enquanto todo o resto do continente, inclusive a Colômbia, não o faz. Veja só: nem mesmo o governo de Manuel Santos tem condições de reconhecer os golpistas liderados por Franco.
PCB – A que você atribui essa situação?
NA – Como os golpistas são representantes da elite local, que faz negócios com as burguesias da região, acho que não se preocuparam nem ao menos em “encenar” o processo de destituição de Lugo. Deram o golpe em uma versão parlamentar para sugerir legalidade, mas o processo é tão absurdo, cheio de erros e falhas, que nem os EUA estão em condições de legitimar isso.
PCB – Passado um mês, você não crê que esse reconhecimento virá, mais dia menos dia?
NA – Washington espera aprovar o reconhecimento a Franco nos fóruns da organização dos Estados Americanos (OEA). Aí sim teria condições de levar adiante tudo o que intenta dentro do país sem ficar com a “mancha” de apoiarem golpistas. Por isso precisamos da solidariedade internacional, de uma permanente pressão externa sobre Federico Franco.
PCB – Aliás, a imprensa do Paraguai foca muito essa questão do não reconhecimento internacional…
NA – Você tem lido os jornais daqui nesses dias, não é? Os golpistas precisam desse reconhecimento inclusive para exercer uma repressão interna mais dura. É por isso que falei da necessidade de solidariedade externa.
PCB – Voltando um pouco, você falava dos motivos para o golpe. Pode citá-los?
NA – Nós, do Partido Comunista, fizemos várias críticas ao mandato de Lugo. Achamos que ele se posicionou ao lado da institucionalidade, legitimou um Estado oligárquico, não aprofundou a democracia direta. E foi essa “institucionalidade” que o golpeou… De qualquer forma, sua presença na Presidência da República permitia que discussões sobre a reforma agrária, o problema central do Paraguai, se dessem em outros marcos. Há ainda a negociação para a entrada da Rio Tinto no Paraguai, que quer instalar aqui uma fábrica para a produção de lâminas de alumínio, algo que demanda muita energia, e não podemos subsidiar a produção deles – é o que querem, energia a custo quase zero através de Itaipu. Nosso espaço aéreo é central na América do Sul, totalmente plano, o que facilita operações militares por parte dos EUA, e também a situação de Lugo ter regulamentado a Lei de Fronteiras, que estabelece uma faixa de 50 km ao longo das fronteiras que não poderiam estar sob mãos estrangeiras.
PCB – Então falamos da necessidade de controlar o território paraguaio?
NA – É isso. Qual o papel do Paraguai na divisão internacional do trabalho? Ter sua terra disponível para a plantação de soja, e aí falamos dos interesses de empresas como Cargill e Monsanto; seu aquífero Guarani permanentemente disponível e sob controle para a obtenção de água potável, suas fontes de energia prontas para consumo por empresas que precisam de seu uso intensivo, seu espaço aéreo aberto para as operações do imperialismo.
PCB – E o que te parece a posição do Brasil no caso?
NA – É importante que o governo de vocês não tenha reconhecido Franco. Sabemos que há uma burguesia forte no Brasil, que a ela interessa a entrada da Venezuela no Mercosul, há ainda a questão dos latifundiários “brasiguaios” aqui, que usurpam nossa terra desde acordos estabelecidos entre a ditadura de Strossner e o regime militar brasileiro. Aliás, a Lei de Fronteiras regulamentada por Lugo e que não pode ser implementada bate de frente com o interesse dessa gente…
PCB – Como assim não pode ser implementada?
NA – Um dos primeiros atos de Federico Franco foi colocar essa regulamentação na gaveta, a ele e a seu grupo não interessa alterar essa situação das terras no Paraguai.
PCB – Que passos o Partido Comunista Paraguaio pretende dar agora?
NA- Estamos na Frente Guasu, que congrega 20 partidos e movimentos sociais. Dentro da Frente estamos apostando na construção de um bloco, mais à esquerda, que influencie na linha e apresente propostas para o Paraguai.
PCB – Após reunião da Frente, da qual pudemos participar, soubemos que existem 6 pré-candidatos da Frente para as próximas eleições. É difícil obter unidade nesse espaço?
NA – Sim, é uma grande tarefa dos comunistas paraguaios. Precisamos ter listas únicas para as próximas eleições. Já ficou claro que não adianta ter o Executivo com um Parlamento desses. Ocorre que os comunistas somos sempre chamados para sermos fiadores de acordos, somos bons na construção da unidade. Mas os parceiros são muito complicados em reconhecer nosso potencial e nossas necessidades eleitorais, também…
PCB – A direita também tem vários candidatos, basta olhar os cartazes pelas ruas de Assunção.
NA – O golpe também veio para tentar solucionar esse problema da direita, dar unidade à dominação imperialista. Desde Strossner a direita não conseguiu se unificar, parcelas da burguesia local ficam se debatendo. Espero que continuem assim.