A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E O BECO SEM SAÍDA DA DIREITA
Privada de suas bandeiras econômicas tradicionais – agora que um governo que se suporia de esquerda as utiliza sem o menor pudor –, os setores da direita brasileira que não aderiram à “base de sustentação” do governo Dilma estão num beco sem saída. Procuram então, desesperadamente, algo para agitar, a seu favor, o marasmo político.
Aproveitando-se do aumento exponencial da violência criminosa em todo o país e da sensação generalizada de insegurança, a direita levanta a surrada bandeira da redução da maioridade penal, tema que conquista apoios na mídia reacionária, rende matérias bombásticas e sensibiliza vastas parcelas da população – desde os mais despolitizados até os simplesmente equivocados ou desinformados, passando pelos abertamente adeptos do fascismo social.
Sobre o assunto, há propostas e iniciativas de todos os tipos. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, propõe mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente, com foco exatamente na redução da maioridade penal; um deputado do PTB inicia coleta de assinaturas para a realização de plebiscito que permita alterar-se a Constituição, com o mesmo objetivo; outro, este da ala direita do PDT, defende a redução da maioridade penal conjugada a uma mal explicada “avaliação biopsicológica” do menor infrator, para medir-lhe a “capacidade de entendimento de seu ilícito”; o presidente da Câmara dos Deputados anuncia a criação de uma comissão especial para analisar a proposta do mesmo Alckmin de ampliar de três para até oito anos o prazo de internação de menores infratores, e mais 12 projetos que tratam do mesmo tema. Para relator da comissão, convenientemente, indicou o líder do partido de Alckmin, o PSDB. E por aí vai. Está montado o novo circo da direita raivosa e revanchista, com um velho mas sempre aliciante tema no picadeiro.
No Executivo, no Legislativo e no Judiciário há alguma reação – embora tímida, visto que aparentemente pedir redução da maioridade penal dá votos. O ministro da Justiça corrobora a afirmação de juristas de que qualquer tentativa neste sentido esbarraria em cláusula pétrea da Constituição; o ministro da Secretaria Geral da Presidência também reafirma a posição contrária do Governo Federal; alguns deputados propõem amplo debate sobre o tema, com envolvimento de pedagogos, psicólogos, especialistas em educação infantil e do adolescente, além de profissionais da especialidade de menores infratores.
Mas não são suficientes as manifestações de lucidez de parlamentares, de detentores de cargos no Executivo, de educadores e de juristas. É fundamental a mobilização dos setores sociais que percebem com clareza o que está por trás da nova/velha ofensiva da direita, o que a alimenta, os pontos fracos de sua argumentação e o que deve ser feito para enfrentar com efetividade e humanidade o problema do menor infrator.
O que motiva a direita está exposto acima: é mero oportunismo político/eleitoral. Diante do crescimento incontrolado da criminalidade infanto-juvenil, as soluções mais fáceis parecem ser a repressão e a criminalização de faixas etárias cada vez mais baixas. E a criminalização da pobreza, certamente, porque os menores infratores das camadas médias e alta têm quase sempre à disposição os melhores advogados e a velada simpatia dos que julgam.
Sem escrúpulos e nenhum compromisso com uma pedagogia de massas que vise o aprofundamento dos valores da solidariedade, nem com a busca da recuperação e da reintegração, a direita apela ao medo que se alastra pelo tecido social. Suas ideias têm a profundidade de um rio na seca. Propõe combater a violência filha da miséria, da desesperança, do vazio existencial ou da desintegração das famílias com a violência institucionalizada, sistematizada, racionalizada. E isso é tão antigo quanto a existência de sociedades dividas em classes.
Para a direita, não importa que cada vez maior número de jovens – e cada vez mais jovens – venham a ser atirados às nossas prisões desumanas e cooptados pelas organizações criminosas. Não propõe medidas para humanizar as prisões, mas enchê-las de adolescentes e condená-los definitivamente à criminalidade.
À direita não parece lógico aumentar as penas de quem alicia jovens para o crime – isto não dá votos. Lógico é “matricular” o jovem delinquente na escola que o fará ascender na “carreira”. Isto sim, dá manchetes agora e votos depois – mesmo que a longo prazo se volte também contra os que clamam por medidas desse tipo.
Mas se o medo disseminado alimenta o discurso do ódio, o absurdo desse discurso é evidente. Em nenhum lugar do mundo a redução da maioridade penal diminui a violência social – ou os Estados Unidos já a teriam eliminado, porque em suas leis mesmo crianças de 5 ou 6 anos podem ser criminalizadas, e até com prisão perpétua.
Pelo contrário, a violência social só diminuiu onde se investiu tempo, dinheiro e paciência na prevenção ao crime, sim, mas sobretudo na educação integrada, nos valores da cultura e da solidariedade, na atenção primordial e permanente à infância, na criação de perspectivas de vida motivadoras para crianças e adolescentes, no engajamento dos jovens nas atividades de construção de uma sociedade justa e equilibrada, numa política de massas focada nas novas gerações e em formas renovadas de convivência na sociedade.
Desnecessário dizer que o capitalismo não é ambiente propício a nada disso. A mercantilização geral da vida e dos valores – inerente a ele – assim como tende a corromper desde cedo, tende a turvar a visão do que é essencial. E, para o capital, aquilo que não promete lucros visíveis não tem valor.
Mas não é impossível começar, ainda no capitalismo, a virar o jogo. A mobilização das organizações sociais, dos trabalhadores, dos envolvidos com a educação, com a cultura e com a ciência tem que pressionar governos e câmaras legislativas para que não se curvem ao discurso fácil da barbárie; enfrentar o fascismo social da direita com as armas da inteligência e da transformação.
O combate deve dar-se em quatro frentes, simultaneamente:
– exigir prioridade absoluta para investimentos maciços na qualidade de vida da infância e da juventude;
– exigir foco na prevenção do crime infanto-juvenil, tanto através de cuidadoso acompanhamento social desde a infância até à adolescência, quanto no rigor contra o aliciamento de menores;
– exigir uma renovação radical e urgente nas políticas de ressocialização do menor infrator;
– barrar os caminhos da intolerância e da violência repressiva, pela derrota de qualquer proposta de diminuição da maioridade penal.
Que a direita, de que uma falsa esquerda tomou as bandeiras privatistas, procure outro caminho que não o da revanche contra a juventude, para tentar sair do seu beco sem saída.