Deslealdade dos diálogos de Havana, Cuba, entre as FARC-EP e o Governo

Quarta-feira, 02 de Outubro de 2013 02:49

Os diálogos de paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Exército do Povo (FARC-EP) e o presidente Juan Manuel Santos Calderón, se desenvolveram em meio ao cabo de guerra, à desconfiança e às posições antagônicas, quanto às propostas. Enquanto a insurgência constrói propostas acerca de diversos temas que veem sendo debatidos, o governo nada propõe. Talvez, seja por isso que o presidente Santos e o grupo negociador se empenhem para que nada transcenda e se mantenha em absoluto sigilo.

Um exemplo. No tema agrário, as FARC-EP fizeram cem propostas, o governo nacional nenhuma. Essa é uma das grandes dificuldades, assinala Carlos Arturo Lozano Guillén. O governo não possui audácia e iniciativa para propor, se dedica a dizer NÃO a todas as iniciativas do movimento insurgente.

O outro aspecto que chama poderosamente a atenção é a confidencialidade, que acordaram as partes em conflito para a implementação e desenvolvimento da agenda e do acordado em sua totalidade. Aparentemente o governo violou esse pacto, vazando deliberadamente certas informações, porém de sua ótica, o que atirou a “pedra” ao comandante Timoleón Jiménez, para utilizar uma expressão coloquial de Lozano Guillén. Inclusive, diríamos ao mesmo director de VOZ a verdade do diálogo de paz. Confessa sua contribuição à consolidação da agenda e seu desenvolvimento com todas as peripécias que rodeiam um processo de diálogo tão importante não só para os colombianos, mas também para todos os latino-americanos.

“O caminho é longo e sinuoso”, diriam meus avós para descrever a complexidade destes diálogos com todas suas contradições. Por exemplo, segundo Lozano Guillén, não existem memórias do processo de diálogo entre as FARC-EP e o governo Nacional por ordem expressa do presidente Juan Manuel Santos Calderón. “O governo se negou a divulgar as atas das reuniões. As memórias serão as anotações daqueles que tomaram nota ou dos países garantidores, Cuba e Noruega”.

Acrescenta: “É uma coisa incrível. O governo impôs uma fase exploratória que tinha que ser supersecreta. Ninguém podia saber que existia uma conversação secreta em Havana para construir a agenda. Já que se fala de confidências, vou fazer uma: teve um momento em que o diálogo exploratório secreto esteve ameaçado, porque ocorreu uma contradição muito forte, sobre o ponto relacionado às vítimas”.

“Intervim, a pedido de Cuba, para saber se era possível resolver o problema. Fui até lá e o governo nacional com milhares de orientações, de que tinha que esconder-me num hotel, não sair à rua, porque se o fizesse corria o risco de alguém me reconhecer e, então, prejudicaria o segredo. Incomodava-me permanecer nesse hotel dormindo. Depois, colocavam-me num carro para a reunião e, posteriormente, voltavam e trancavam-me nesse hotel”.

“Até que se resolveu o problema. Na véspera da resolução, eu já cansado de estar num quarto de hotel, decidi descer ao bar e tomar umas bebidas. Chamou minha atenção que numa mesa estavam tomando cerveja duas pessoas com a mesa cheia de latas de cerveja. Eu disse: Essas pessoas são colombianas, porque isso é típico dos colombianos. Só nós enchemos a mesa de cerveja. Tenho a certeza que isso em nenhuma parte do mundo acontece”.

“De toda maneira sentei-me e pedi a bebida quando um deles me reconheceu e foi e sentou-se ao meu lado com suas bebidas e disse: ‘Você é o diretor do periódico VOZ, Carlos Lozano?’. Eu disse: ‘Sim’. Me diga: ‘O que está fazendo aqui?’. Respondi: ‘Ministrando algumas aulas na Universidade de Havana. E você, quem é?’. Disse-me: ‘Eu sou policial’. Disse-lhe: ‘E o que faz um policial colombiano em Havana? Quem vai prender?’. E ele respondeu: ‘Não, eu sou major da polícia e o outro que está comigo é capitão da polícia. Somos os pilotos do avião de Sergio Jaramillo e do irmão do presidente, Enrique Santos’. Tinham me colocado no hotel onde estavam os pilotos deles. Tanto segredo e tanta coisa. Não é assim que se mantem a confidencialidade”.

“Amiúde essa confidencialidade me demonstrou outra coisa: Pilotos da polícia, não das FAC (Forças Aéreas Colombianas), nem do exército, que têm experiência para esses tipos de voos. Isso claramente quis dizer que o presidente Santos não tinha confiança nem nas FAC e nem nos militares, apenas no general da polícia, Naranjo”.

“A crise que se deu agora e que atirou a pedra, como diz coloquialmente o comandante Timoleón Jiménez, é porque Santos apresenta a confidencialidade, a difunde, a filtra, mas com sua própria interpretação, como ocorrido nas Nações Unidas. Por isso Timoleón Jiménez mandou a nota dizendo que nós também vamos defender nosso ponto de vista, acerca da confidencialidade”.

“Porém, me parece um absurdo porque informação é algo que o país está reclamando. Contudo, em boa medida, obedece à falta de iniciativa do governo nacional. Eu disse ao doutor Humberto de la Calle Lombana: ‘O problema de vocês é que não têm iniciativa, não apresentam nenhuma opinião’. Contei a história do folheto do VOZ. Disse-lhe: ‘É possível chamar Sergio Jaramillo para que me diga os pontos defendidos pelo governo sobre o tema agrário?’. A resposta foi: ‘Não, basta que apresente a lei de vítimas e de terras’. Foi tudo o que me disse. Por isso interessa ao governo a confidencialidade: porque não tem iniciativas. Parece que nem na mesma equipe eles se entendem bem”.

“Quando o governo estava na fase exploratória, o presidente Barack Obama veio a uma reunião em Cartagena e o presidente Santos, ao ter com ele, comentou: ‘Presidente Obama, estou dialogando com as FARC em Havana numa fase exploratória, secreta. Necessito do apoio dos Estados Unidos’. Obama estava em campanha pela reeleição. Disse duas coisas ao presidente Santos: ‘Presidente, eu já sabia disso, pois a CIA me informou. Em segundo lugar, o apoio deverá ser analisado após as eleições, já que isso não me dará votos nos Estados Unidos’. Passaram as eleições, Obama foi eleito e, salvo coisas muito gerais, muito diplomáticas, não houve um compromisso sério dos Estados Unidos com os diálogos”.

Com todas essas vicissitudes, deve-se persistir na saída política, no diálogo, e tudo dependerá, assinala Lozano Guillén, da participação popular e camponesa. Não há dúvida, enquanto camponeses, indígenas e o setor popular não entenderem que em Havana está sendo definida a paz ou a guerra, os resultados serão muito pouco encorajadores. Também é um cabo de guerra: o governo por dar a impressão de que em Havana se realiza um simples dialogo entre as FARC e o presidente Santos, e os revolucionários, democratas, pacifistas e filantropos por demonstrar que as decisões afetam para bem ou para o mal diretamente o povo, o camponês mais humilde, a mulher ou o operário da fábrica.

Fonte: http://www.pacocol.org

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)