A mesa de negociações não pode ser convertida em instrumento de propaganda eleitoral

Havana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 17 de dezembro de 2013, pelos 183 anos da morte d’O Libertador.

“Queria ter uma fortuna material para dar a cada colombiano,

porém não tenho nada.

Não tenho nada mais que um coração para amá-los

e uma espada para defendê-los”.

(Simón Bolívar)

Ao iniciar uma nova rodada de conversações, queremos manifestar nossa profunda estranheza pela maneira como o Presidente Juan Manuel Santos

vem menosprezando a importância do Acordo Geral para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura, firmado por seus representantes e os das FARC-EP, em 26 de agosto de 2012.

Além disso, o Procurador Geral da Nação, senhor Alejandro Ordóñez, com sua atitude autoritária frente à sorte do prefeito da Capital da República, pretende dinamitar antecipadamente o espírito e os alcances do ponto 2 sobre Participação Política, acordado, em princípio e de maneira parcial, a aparente complacência do Chefe de Estado com tal decisão do anacrônico chefe do Ministério Público, manda sinais equívocos que apresentam os duplos discursos, em momentos em que se inicia um processo eleitoral.

Sem dúvida, causa mal-estar o zigue-zague de Santos frente aos mais significativos e importantes temas que se discutem em Havana, quando se trata de alcançar uma paz séria, estável e duradoura, buscando soluções aos problemas e injustiças que fazem da pátria colombiana um campo de batalha. Pelo menos em nosso caso assim temos entendido e tal é nosso compromisso e nossa meta.

No sábado, 14 de dezembro, em sua intervenção ante a Convenção Nacional do Partido Cambio Radical, Santos afirmou: “Os inimigos da paz estão dizendo que lá [na mesa de Havana], está sendo negociado nosso Exército, que lá está sendo negociado nosso sistema político, que lá está sendo negociado nosso sistema econômico: mentiras, mentiras. A única coisa que está sendo negociada lá é uma transição para que essa gente deixe as balas, deixe as armas e as substitua em votos, por argumentos e coloque fim ao conflito”.

Dissemos na véspera da retomada do diálogo que não nos encontramos em Havana negociando uma transição para deixar as armas em troca de votos. Sessenta anos de luta armada social e verdadeira participação política vão muito além disso.

Solicitamos do governo e seus porta-vozes na mesa, clareza e unidade de propósitos com o firmado no acordo geral. E exigimos total responsabilidade para com o país e para com seu igual em Havana, à luz do acordo subscrito. Não estamos fazendo presença aqui por nos sentirmos vencidos. Participamos destes diálogos porque desde a VIII Conferência das FARC, denominada “Comandante Jacobo Arenas, estamos cumprindo”, realizada em 1993, traçou-se a Plataforma de dez pontos para a reconstrução e reconciliação nacional com a qual nos sentimos comprometidos. Desde então, o primeiro ponto afirma: Solução política ao grave conflito armado.

O grave conflito segue vigente e sua solução política não pode ser confundida, nem vamos confundi-la com uma negociação que conduza a uma “transição para que essa gente [nós] deixe as balas”.

Talvez esse mesmo espírito superficial e de afã eleitoreiro tenha levado diversos porta-vozes do governo a referirem-se de maneira pública e totalmente leviana à temática dos cultivos declarados de uso ilícito, ao consumo de drogas e suas consequências na saúde pública, e ao fenômeno do narcotráfico em geral, que são os assuntos que trata precisamente o aparte do Acordo Geral denominado “Solução ao problema das drogas ilícitas”. As iniciativas que propagandeia e coloca em prática o governo simplesmente impulsionam o propósito e os mecanismos da erradicação e consolidação militar nas zonas que, segundo esta visão, seriam expulsas comunidades inteiras.

A difundida posição governamental, nunca apresentou proposta alguma de solução verdadeira aos problemas sociais do país que subjazem no fenômeno dos cultivos declarados ilícitos. Para o governo, o assunto se limita a envenenar e varrer umas zonas empobrecidas e abandonadas, aludindo a falaciosos planos “alternativos” para as comunidades rurais, o qual serve apenas para alistar o despojo legal das terras preparado pelo bloco de poder dominante. No fundo da questão o que existe é um marcado propósito de domínio territorial e o desumano afã de retirar do local as comunidades rurais.

Nada se fala sobre o negócio do narcotráfico. Muito menos se mostra preocupação pela demanda da droga e pelos grandes locais de consumo localizados mais além das fronteiras pátrias. Como se o negócio nascesse na Colômbia e morresse na Colômbia, e seus lucros se reduzissem ao que percebem as camadas pobres, que são os menos favorecidos. Entretanto, a grande lavagem de dinheiro e a criminalidade financeira com todas as suas sequelas no âmbito nacional e internacional são intocáveis.

Não é correto, como pretendem fazer crer algumas instâncias da institucionalidade, subordinar e condicionar os planos de desenvolvimento e as medidas de reforma rural e agrária, a ações de erradicação ou de consolidação territorial contrainsurgente, ditadas por Washington para abrir caminho às transnacionais. Isto equivale a retroceder a respeito dos poucos avanços obtidos no primeiro ponto e até os avanços do segundo ponto ficam debilitados com este tipo de iniciativas governamentais em marcha.

As FARC-EP reiteram sua posição, defendida há 20 anos, de que: “A Solução do fenômeno de produção, comercialização e consumo de narcóticos e alucinógenos, deve ser entendida ante tudo como um grave problema social que não pode ser tratado pela via militar, que requer acordos com a participação da comunidade nacional  internacional e o compromisso das grandes potências como principais fontes da demanda mundial das drogas”.

Neste sentido, nossa Delegação convida todos a lerem e analisarem de perto os desenvolvimentos obtidos por nossa proposta intitulada Política Antidrogas para a soberania e o bem viver dos pobres do campo (dez propostas mínimas – ver http://j.mp/1bf599l).

Fique claro que a mesa de negociações não pode ser convertida em instrumento de propaganda eleitoral para ninguém. Em Havana e em nossa pátria colombiana, o que vem acontecendo é que a história e os estudiosos da história e do direito social denominam um processo constituinte. Sim, estamos num processo de tal natureza, estudando centenas de documentos e iniciativas enviadas de todos os lugares da pátria pelos mais variados grupos de opinião, intelectuais, acadêmicos e cidadãos comuns. Estamos construindo o futuro. Hoje, além disso, nos encontramos contagiados, igual a milhões de compatriotas, por esse grito de protesto saído de milhares de trabalhadores agrários e dos desordenados cidadãos de Catatumbo e do sudoeste, em cujas recentes marchas de indignação o Estado rompeu, através da força brutal do ESMAD, o que para a oligarquia é democracia e participação cidadã, assassinando e mutilando de maneira terrível dezenas de compatriotas.

Finalmente, devemos dizer que de nossas gargantas também sai o grito coletivo e nacional que vai mais além de um não à berrante destituição do prefeito da cidade, porque se trata do grito que expressa o ressurgimento do espírito de um processo constituinte no que deverá sentir-se a plenitude o protagonismo do soberano que é o povo.

*DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP*

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)