Instruções para um intercâmbio sobre o conflito colombiano
Primeira Parte:
Primeiro: Nós sempre acreditamos numa saída política para o conflito. Mesmo antes da agressão à Marquetalia e durante estes 46 anos, nós temos expressado esse posicionamento, reiterado e lutado por ele.
Segundo: Nós não somos instigadores da guerra, nem lutamos por vinganças pessoais. Não temos patrimônios materiais nem privilégios para defender. Somos revolucionários compremetidos com a consciência e, sempre, com a busca de uma sociedade justa e soberana. Somos profundamente humanistas, desprovidos de qualquer interesse pessoal e mesquinho. Amamos nossa pátria acima de tudo e somos obrigados a continuar a guerra contra uma classe dirigente que se ajoelha aos pés do império. Uma classe que utiliza, sistematicamente, a violência e o atentado pessoal como arma política para sustentar-se no poder. Isso ocorre desde quando tentou assassinar o Libertador Simón Bolívar, até os dias de hoje, em que pratica o Terrorismo de Estado para manter seu status quo.
Terceiro: A maior dificuldade que a Colômbia vem enfrentando para alcançar a reconciliação através do diálogo e dos acordos, é a concepção de paz oligárquica defendida pelo regime. Tal concepção só aceita a paz se existir a submissão absoluta da insurgência à chamada “ordem estabelecida” ou, como alternativa, à “paz dos cemitérios”.
Quatro: Não lutamos a vida toda contra um regime excludente e violento, corrupto, injusto e anti-patriota, para agora, sem mudanças em sua estrutura, retornar a ele.
Cinco: Na Colômbia, muitas pessoas boas e capazes, que queriam um país melhor e lutaram pelas vias pacíficas, como Jaime Pardo Leal, Bernardo Jaramillo, Manuel Cepeda e outros, foram assassinadas de forma premeditada, vil e impune pelos serviços de inteligência do Estado em aliança com os paramilitares e as máfias. Foram assassinados por inimigos do povo, em um genocídio sem precedentes, que liquidou fisicamente todo um movimento político dinâmico e em pleno crescimento: a UNIÃO PATRIÓTICA
Por conta dessa estratégia do Terrorismo de Estado, as buscas por soluções políticas fracassaram nos governos de Uribe, Belisario Betancur e Virgilio Barco e, em Caracas e México, durante o governo de César Gaviria.
Sexto: Em El Caguán, como foi reconhecido em seu livro e nas declarações públicas do presidente Pastrana, o regime só buscava ganhar tempo para recompor a desanimada força militar do estado com um cronograma, diretrizes, instruções e financiamento da Casa Branca. Tudo isso integrado no Plano Colômbia e imposto pela administração de Bill Clinton, com o objetivo de abortar uma saída política e democrática ao conflito colombiano, dando início a sua campanha para reverter as mudanças progressistas que avançavam no continente. O satanizado processo de Caguán, estava condenado ao fracasso antes mesmo de começar. A afirmativa foi corroborada pelo ex-presidente Pastrana, pois seu governo jamais buscou render-se ao caminho da paz, fortalecendo e refinando seu aparato de dominação, dando continuidade à guerra.
Sétimo: Estes antecedentes não invalidam as possibilidades de uma solução política ao conflito colombiano. Ao contrário. Evidenciam a quase nula intenção da classe dirigente colombiana de ceder em sua truculência e intolerância, frente às outras correntes ou opções políticas de oposição que questionam seu regime político e seu alinhamento internacional incondicional a favor dos interesses imperialistas dos Estados Unidos, quebrando a nossa soberania e contrariando os mais caros e sentidos interesses da nação e da pátria.
Sua concepção sobre o exercício do poder está assinada e sustentada pela violência, a corrupção e a expoliação. Isso torna muito difícil uma saída pacífica que, de todas as maneiras, continuará sendo bandeira das FARC-EP e, seguramente, dos amplos setores do povo que sentem os efeitos da hegemonia oligárquica.
Oitavo: Os interesses dos distintos setores sociais estão se confrontando permanentemente. Em ocasiões e por períodos definidos, a oligarquia exerce sua ditadura a fundo, sem respostas contundentes sobre a prisão, repressão, guerra suja e desqualificação que se desenvolve a partir do Estado de diferentes maneiras. Em outros momentos, as respostas são importantes, porém não suficientes. No entanto, ao longo de uma acumulação de fatores sociais excessivos, a resposta popular é contundente. Entendemos que os interesses dos diferentes setores em uma sociedade com a nossa, estão em permanente choque e movimento, nunca paralisados. Por isso, falar na Colômbia de hoje, do pós-conflito, é propaganda.
Nono: Esta reflexão é pertinente, posto que as causas geradoras do levante armado em nosso país existem mais vivas e pujantes que há 46 anos. Dessa forma, se queremos construir um futuro certo de convivência democrática, isso exige maiores esforços, desprendimento, compromisso, generosidade e imaginação realista para atacar a raíz dos problemas e não as consequências dos mesmos.
Décimo: Ao longo de 12 anos de ofensiva total contra as FARC-EP, por parte do governo dos Estados Unidos e do Estado colombiano, os assassinatos oficiais, verdadeiros crimes de lesa humanidade (falsos positivos), o terror crescente da nova máscara do narco-paramilitarismo (denominada facções criminosas), a asquerosa truculência do presidente em manter-se no poder com farsas, a invencível corrupção da administração e da empresa privada que, em troca dessa mesma corrupção e de milhonários tributos, apoia o governo, a absurda invasão do exército estrangeiro à Colômbia e o aumento da injustiça social com alto desemprego, sem saúde para as maiorias, com um altíssimo índice de desalojamentos internos, com um ridículo salário mínimo em oposição aos enormes lucros de banqueiros, fazendeiros e empresas multinacionais, que seguem castrando com uma reforma trabalhista as conquistas salariais mais antigas dos trabalhadores do campo e das cidades, tudo o que conseguiram foi enriquecer ainda mais o terreno para o crescimento da insurgência revolucionária.
Segunda Parte:
1. O conflito armado colombiano possui profundas raízes históricas, sociais e políticas. Não foi invenção de nenhum demagogo, produto de ânimos sectários, nem consequência de alguma especulação teórica. Foi o resultado e a resposta às formas de dominação específicas, impostas pelas classes governantes desde as origens do Estado – nação cujo fundamento vem sendo a sistemática violência terrorista e anti-popular, propiciada pelo estado ao longo dos últimos 60 anos.
2. Superá-lo, pelas vias pacíficas, supõe que, preliminarmente, exista total disposição para abordar os temas do poder e do regime político, já que a decisão é encontrar soluções sólidas e perduráveis.
3. Expomos a necessidade de conversar, a princípio, para alcançar acordos de troca, o que permitirá não somente a liberdade de prisioneiros de guerra de ambos os lados, mas também avançar na humanização do conflito e, seguramente, fortalecer o caminho para os acordos definitivos.
4. Conversar, buscar conjuntamente soluções aos grandes problemas do país, não deve ser considerado como concessão de ninguém, mas sim como um cenário realista e possível para tentar, mais uma vez, deter a guerra entre os colombianos a partir da civilidade dos diálogos.
5. Reunir-se para conversar sobre as trocas e soluções políticas supõe plenas garantias para fazê-lo livres de toda pressão. Para isso, é necessário compreender que quem as pode outorgar é, exclusivamente, o governo em exercício, caso possua a vontade de encontrar caminhos de diálogo.
6. Nossa histórica e permanente disposição para encontrar cenários de confluência através do diálogo e a busca coletiva de acordos de convivência democrática não dependem de uma conjuntura especial ou da correlação de forças políticas. É simplesmente parte de nosso programa político.
7. Durante os últimos 45 anos temos sido objeto de toda a sorte de ofensivas políticas, propagandísticas, militares, com presença aberta ou escamoteada do Pentágono. Com toda sorte de ultimatos e ameaças de autoridades civis e militares, vivemos sob uma permanente agressão terrorista sobre a população civil das áreas onde operamos. Tais ações não enfraqueceram nem um pouco nossa decisão e disposição de lutar, através dos meios que nos sobram, por uma Colômbia soberana, democrática e com justiça social.
8. Compreendemos os diálogos pela busca de caminhos para a paz, não como uma negociação. Trata-se de um enorme esforço coletivo para chegar a acordos que possibilitem atacar as raízes que originam o conflito colombiano.
Terceira Parte:
Nós, as FARC, somos uma resposta à violência e à injustiça do Estado. Nossa insurgência é um ato legítimo, um exercício do direito universal que assiste a todos os povos do mundo de rebelar-se contra a opressão. Com nossos libertadores, aprendemos que “quando o poder é opressor, a virtude tem direito de anulá-lo”, e que, “o homem social pode conspirar contra toda lei positiva que tenha encurvada sua cervical”.
Tal como proclama o Programa Agrário dos Guerrilheiros, as FARC “são uma organização político-militar que defende as bandeiras bolivarianas e as tradicionais bandeiras libertárias de nosso povo para lutar pelo poder, levar a Colômbia ao exercício pleno de sua soberania nacional e fazer vigente a soberania popular. Lutamos pelo estabelecimento de um regime democrático que garanta a paz com justiça social, o respeito dos direitos humanos e um desenvolvimento econômico com bem-estar para todos que vivem na Colômbia”.
Uma organização com estes objetivos, que busca a concretização do projeto político e social do pai da República, o Libertador Simón Bolívar, irradia em sua tática e estratégia um caráter eminentemente político, impossível de refutar. Somente o governo de Bogotá, que atua como colônia de Washington, nega o caráter político do conflito. O faz dentro do marco de sua estratégia de guerra sem fim para negar a saída política que é exigida por mais de 70% da população. Com isso, pretende impôr uma anti-patriótica concepção de segurança inversionista, idealizada pelos estrategistas do Comando Sul do exército dos Estados Unidos, que relega a plano secundário a dignidade da nação.
Para o governo de Uribe, na Colômbia não existe um conflito político-social, mas sim uma guerra do Estado contra o terrorismo. Com esse pressuposto, complementado com a mais intensa manipulação informativa, cria-se uma justificativa para desatar seu terrorismo de Estado contra a população, negando a solução política e o direito à paz.
Agora que a Colômbia é um país formalmente invadido, ocupado militarmente por tropas norte-americanas, essa absurda percepção será fortalecida, provocando a agudização do conflito.Uribe não está instruído por seus senhores de Washington nem para a troca humanitária nem para a paz.
O presidente da Colômbia cria fantasmas para justificar sua imobilidade frente ao tema da troca de prisioneiros. Afirma que o acordo implica um reconhecimento do caráter de força beligerante do adversário e que a liberação de guerrilheiros provocaria maior desmoralização das tropas… Essa é a sua forma de compreender o assunto. Esta intransigência desnecessária do governo vem sendo a causa fundamental do prolongamento do cativeiro dos prisioneiros de ambas as partes. Quando Bolívar firmou o armistício com Morillo, em novembro de 1820, propôs ao general espanhol aproveitar a vontade de entendimento reinante para acordar um tratado de regularização da guerra, “conforme as leis da nações cultas e aos pricípios liberais e filantrópicos”. Sua iniciativa foi aceita, ocorrendo a troca de prisioneiros, a recuperação dos corpos dos caídos em combate, e o respeito à população civil não combatente. Quão distante está Uribe destes imperativos éticos de humanidade…
Sem dúvida, Uribe associa a solução política do conflito com o fracasso e a inutilidade de sua Doutrina de Segurança Nacional e com o fim melancólico de sua condução guerrerista de esmagar mediante as armas, a crescente inconformação social. Parece um soldado japonês da Segunda Guerra Mundial perdido numa ilha, disparando contra inimigos imaginários em meio a sua loucura.
Aos participantes deste debate sobre o conflito colombiano, reiteramos o exposto recentemente aos presidentes da UNASUR e da ALBA:
“…Com um Uribe imbuído no frenesi da guerra e fortalecido com as bases norte-americanas, não haverá paz na Colômbia nem estabilidade na região. Se não se freia o guerrerismo – agora repotenciado –, se aumentará em proporção dantesca o drama humanitário da Colômbia. É agora que Nossa América e o mundo voltam seus olhos sobre este país violentado pelo poder. Não se pode condenar eternamente a Colômbia a ser o país dos ‘falsos positivos’, do assassinato de milhares de civis não combatentes pela Força Pública, dos cemitérios clandestinos, do despojo de terras, da expulsão de milhares de camponeses de suas terras, das prisões em massa de cidadãos, da tirania e da impunidade dos criminosos amparados pelo Estado”.
Solicitamos aos assistentes deste evento interceder, através de seus bons ofícios, promovendo, como um princípio de solução política do conflito, o reconhecimento do status de força beligerante às FARC. Seria o começo da marcha da Colômbia para a paz. Se vamos falar de paz, as tropas norte-americanas devem sair do país e o senhor Uribe abandonar sua campanha goebbeliana de qualificar de terrorista as FARC. De nossa parte, estamos prontos para assumir a discussão em torno da organização do Estado, da economia, da política social e da doutrina que há de guiar as novas Forças Armadas da nação.
Atenciosamente, compatriotas, Secretariado do Estado Maior Central das FARC.
Montañas de Colombia
Tradução: Maria Fernanda M. Scelza