A Fascistização da Sociedade e a Reação burguesa a Luta de Classes
Desde Junho do ano passado, quando o Brasil foi sacudido pelo maior movimento de massas desde 1992, vivenciamos uma onda de propagandas contra manifestações, baseadas principalmente em imagens de manifestantes quebrando estabelecimentos bancários e ou lojas vinculadas a multinacionais, ataques a viaturas policiais, numa clara tentativa de criminalização dos protestos associando-os a vandalismo, baderna e prejuízo ao direito dos cidadãos de ir e vir.
Paralelamente, nunca se viu tantas menções à violência urbana e a falta de segurança, algo que psicologicamente, talvez, seja hoje, o principal item requerido pela população em todos os cantos.
Mas é interessante que essa exposição massiva a que os meios de comunicação de massas vêm veiculando, de forma ostensiva, se direciona, mais no sentido da semeadura do medo e da insegurança, associando o sentimento de impunidade e de impotência junto à opinião pública, do que fazer dessa exposição um mecanismo de reflexão das contradições e das razões desse processo.
Em paralelo ao aumento das manifestações em toda parte e a continuidade das mesmas nos grandes centros urbanos, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, os Governadores desses Estados, vem constituindo um conjunto de ações repressivas que combinam desde reaparelhamento sofisticado de armas letais e não letais, até a reedição da Lei de Segurança Nacional, além da criação de destacamentos específicos para o monitoramento e repressão de manifestantes e organizações sociais.
No início desse ano, toda a população foi açodadamente, alvejada por noticias de crimes hediondos de todas as formas, ao mesmo tempo em que uma campanha aberta questionando mais a atualidade e a eficácia dos aparatos de repressão – do que seu papel político na atualidade e o seu sentido social- foram os principais mecanismos de manipulação ideológica que tem procurado cultivar, na consciência das massas, o terreno para ações ostensivas, que já estão sendo implementadas e que irão ocorrer com mais força ainda, à medida que o período da Copa do Mundo se aproxima, visando reprimir e aniquilar qualquer tipo de ameaça que possa criar e ou aumentar as instabilidades causadas pela (des)ordem do capital.
A associação dos dois cenários- violência social e enfrentamentos violentos entre manifestantes e o aparato de repressão do Estado -, não é mera coincidência e nem tão pouco a banalização grosseira de eventos que trazem à tona a irracionalidade das relações sociais no capitalismo, conscientes ou não de sua intencionalidade.
Essa associação, sutil na forma de se apresentar, mas direta em seu conteúdo psicológico, tem sido o esteio para sedimentar junto à opinião pública, principalmente na classe média decadente, o receio da falência do Estado nas suas atribuições de segurança da ordem, levando ao imperativo de justificar a reformulação e aperfeiçoamento dos mecanismos de repressão.
A ordem do capital necessita desse ajuste para conter as ameaças que emergem cada vez mais do pântano das contradições do sistema e que tomam formatos cada vez mais abrangentes e diretos.
O fato é que o Brasil, entre os chamados países em desenvolvimento é o país que possui o maior índice de violência social e dentre as 20 cidades mais violentas do mundo, Seis estão em território brasileiro.
A pergunta que não quer calar é como o país que possui desemprego em torno dos 6% (estimativa do Governo), políticas públicas de diversas ordens e segundo o Governo, um aumento do poder aquisitivo devido às políticas de recomposição do salário mínimo, acima da inflação e diminuição da faixa de miseráveis, pode ainda, vivenciar tanta violência?
A resposta não é muito difícil, se formos coerentes e honestos o suficiente para dizer que o fosso da desigualdade ainda é muito profundo no Brasil e para piorar, esse relativo aumento do poder aquisitivo de uma parcela da população – relativizado pelo endividamento excessivo desse segmento – não acabou com a miséria e as contradições sociais mais latentes, que se agravam ainda mais com a precarização de serviços básicos e vitais à grande maioria do povo brasileiro, como saúde, educação e transporte.
Essa contradição histórica e social não se resolve com o fetiche do consumismo exacerbado – que tende a aprofundar as contradições ontológicas pautadas pela posse como referencial de existência – promovido junto a camadas médias da população, através de renúncia fiscal e aumento de crédito, nem tão pouco com políticas compensatórias que minimizam a sensação de miserabilidade, mas não combatem efetivamente as causas e a permanência da indigência social.
Ao contrário, tendem a aumentar, pois a mão que concede migalhas ao povo retira em dobro quando ainda mantém a velha política neoliberal, herdada do período FHC, de ajuste fiscal e superávit primário para o pagamento das “dívidas públicas”, mecanismo de financiamento do sistema financeiro internacional e que só no ano passado retirou mais de 800 bilhões de reais dos cofres públicos.
Para piorar, privatizações, sejam elas as de modo clássico ou na versão PPP (Parceria Público e Privado) ou na forma de financiamento dos setores privados, como Prouni, por exemplo, são formas sofisticadas de apropriação privada por parte da camarilha sanguessuga que parasita o Estado há décadas e que impõe seus interesses de classe via congresso nacional através de apoio, quer dizer, barganha política.
Essa opção de governança em curso alimenta mais ainda as contradições sociais já existentes no estado brasileiro e justificam as investidas ideológicas e repressivas contra os trabalhadores e suas organizações de classe e movimentos autônomos.
Na impossibilidade de se resolver por via democrática, ou através de leis e programas social e econômico, que rompa com o modus operandi do sistema, a única solução viável e imediata para assegurar a manutenção da Lei e da Ordem do Capital é a investida em uma nova formatação de política de repressão e muito possivelmente na draconização das leis e penalidades aos “agentes oponentes”, ou seja: trabalhadores indignados, manifestantes de toda ordem, estudantes e desempregados, sem-terra, sem teto e sem paciência e esperança com tanta mentira, falácia e opressão de classe.
As manifestações de Junho de 2013 ainda são alvo de muitas análises e seu percurso histórico não se encerrou naquele período, ao contrário, elas inauguraram uma nova etapa na luta de classes no Brasil, onde talvez, o principal efeito foi a perda do medo em protestar e ou ficar à mercê de uma ou outra entidade dita “representativa” para ser a porta-voz dos anseios e perspectivas da classe.
Estudos recentes realizados por diversas entidades sociais demonstram que o índice de manifestações e confrontos de classe aumentou em todo o país, sendo que a maioria tem ocorrido de forma espontânea e diversificada, mas em todas essas manifestações há um contorno social bem definido, representando o grau de reações conscientes ou inconscientes da população mais marginalizada e um novo patamar de efervescência na Luta de Classes.
Daí a estratégia ideológica imposta paulatinamente, pelos veículos de comunicação em tratar a violência social como efeito da “frouxidão” de alguns governos, ou da caduquice das leis e dos instrumentos de repressão atuais levando à conclusão lógica de alteração desses instrumentos sejam eles os atuais aparatos de repressão ou das leis para coibir à desordem e garantir a tão almejada paz e segurança dos indivíduos.
Alimentam-se da violência para em cima da sensação de instabilidade, induzir à ideia do caos e assim justificar os ajustes na repressão.
Não raro, temos assistido a âncoras de telejornais e ou editoriais, após a overdose de notícias que enfocam a insegurança generalizada, o medo e a angústia, tecerem comentários insinuantes e até mesmo ofensivos em favor da pena de morte, por exemplo, ou do aumento da repressão e construção de presídios, como únicas formas de se resolver tal contexto.
Essa estratégia de resolver os conflitos sociais causadas pela ordem do capital com mais repressão tem na promulgação da Portaria Normativa 3461 do Ministério da Defesa, chamada de: “Garantia da Lei e da Ordem”, a sua mais nova expressão, pois faculta às Forças Armadas a condição de planejar, ativar, coordenar e executar ações repressivas, integradas com outros instrumentos de segurança, para assegurar a ordem necessária e o cumprimento das Leis, qualificando de forças oponentes desde grupos terroristas e narcotraficantes até manifestantes e membros de organizações políticas e sociais.
Com certeza, o próximo passo, dessa ação midiática junto à opinião pública é o clamor à instauração, ou melhor, à oficialização da Pena de Morte, como mecanismo de combate a violência. Digo oficialização, pois nesse país já existe pena de morte, principalmente aos pobres que são presos em celas superlotadas ou mortos nas periferias por grupos de extermínio ligados geralmente a máfias presentes nas forças policiais, herdeiras dos esquadrões da morte dos anos 70 e 80.
Pode parecer um exagero para muitos, mas o contorno das ações em curso como forma de instaurar, a fórceps, a ordem e a garantia dos mecanismos de exploração e submissão de classe, está assumindo cada vez mais um caráter de fascistização social.
Esse processo evidencia-se no apelo a repressão como principal veículo para tratar as questões sociais e impõe às massas a condição de refém do medo em uma paranoia coletiva orquestrada, que encobre as razões estruturais da violência social, aumentando e alimentando mais ainda a alienação política e a instrumentalização da barbárie social em um silogismo onde a falta de segurança é consequência da ausência de segurança que só se resolve com aquilo que gera a sensação de segurança, ou seja: repressão, prisão, punição, vigilância.
A criminalização social, sempre presente em momentos históricos em que essa ação ideológica necessitava de um “bode expiatório” assume nesse contexto a clara conotação de reação de classe contra os movimentos sociais, pois estes são atualmente a expressão mais viva de potencialização e radicalização das lutas e das pautas que norteiam as demandas da classe trabalhadora que irrompem contra a ordem preestabelecida pela conciliação entre o capital e o trabalho realizados nos Governos petistas e suas entidades chapa branca.
Infelizmente, não raro nas redes sociais e presentes nos veículos de comunicação dessas entidades, assistimos à tragicomédia instituída pelos porta-vozes do Estado Democrático de Direito (sic) que profetizando um complô internacional movido pelas multinacionais e a CIA, veem nas ações diretas das massas, movimentações golpistas e conspirativas da Direita brasileira, fazendo coro com as viúvas do Gal. Golbery para “descer o pau” e manter “a ordem a todo custo”.
Eis um bom exemplo de como a burocracia sindical e política ao se acomodar como sócia minoritária do Estado burguês é capaz de tudo para não perder a “boquinha” e as benesses do conluio com os capitalistas.
A fascistização é a forma mais atual de conservadorismo político, mediada pela indústria teleológica do medo, o combate a organizações e movimentos revolucionários e a instrumentalização das manifestações da luta de classe para justificar a reação violenta de classe – da burguesia contra o proletariado – emergente e inevitável com o desenvolvimento da crise econômica mundial.
O socialismo acentua-se cada vez mais como uma necessidade histórica e possibilidade aos movimentos em rota de colisão contra os interesses da burguesia, retomando sob diversas formas, o questionamento às contradições do modo de produção capitalista.
Mas isso não significa sua inevitabilidade e ou amadurecimento, por si só, seja através do espontaneismo e da luta direta, seja na aposta do aguçamento da crise social e dos choques entre classes.
A barbárie social é o outro extremo desse cenário, mais suscetível ao capitalismo que encontra na irracionalidade das relações sociais, nesse estágio, o cenário perfeito para todos os ajustes necessários e imagináveis para a sua manutenção histórica.
Por tudo isso, a luta dos revolucionários deve retomar a busca do diálogo e unidade entre as forças que lutam contra a ordem do capital em uma frente anticapitalista e anti-imperialista de modo a ser parte integrante nas lutas sociais e nas lutas construir as mediações para o fortalecimento ideológico e orgânico da classe trabalhadora à altura dos desafios que se colocam nessa nova configuração ostensiva do aparato ideológico e repressivo do Estado burguês e seus agentes.
Fábio Bezerra.
Professor de Filosofia e membro do CC do PCB.