De rosto coberto ou descoberto
O ano de 2014 revela com crescente evidência o clima de angústia social que toma conta da população. A greve dos garis no Rio de Janeiro e a greve dos rodoviários de Porto Alegre, amplamente vitoriosas, são exemplos de movimentações sociais de maior repercussão, dentre várias e grandes manifestações de indignação país afora.
Tantas e tamanhas manifestações têm muitas vezes aflorado sob a forma de violência, na qual fechar as ruas e queimar ônibus já se tornam quase uma tradição. Violência fruto de sentimento de revolta de trabalhadores e populares, represados por longos anos, face às agressões históricas e diuturnas aos direitos sociais e humanos elementares – segurança, saúde, moradia, educação, alimentação, transporte etc.
No contexto de tal clima social, a Copa do Mundo, planejada para alavancar as eleições, torna-se catalisador de novas convulsões. Desde as massivas manifestações de 2013, questionando os inexistentes e ineficazes serviços públicos, a marketagem oficial percebera que não mais surtiria efeito o discurso concebido originalmente associando eleições e Copa.
Da retórica de vetor de melhoria das infraestruturas urbanas e sociais, o evento passou a ser utilizado como um ícone do nacionalismo, do país ‘ame-o ou deixe-o’ dos tempos da ditadura.
A crise de uma economia que patina, aguçada agora pelas trapalhadas no setor elétrico, acirra ainda mais a forte tensão social. A última falcatrua governamental envolve empréstimo de oito bilhões de reais, para socorrer distribuidoras privadas de energia que, segundo o engenheiro Ildo Sauer, alcançam a maior rentabilidade sobre o patrimônio líquido, ao lado das empresas do setor financeiro. Presente faraônico que será integralmente repassado às tarifas a partir de 2015, depois, portanto, das eleições, em um estelionato eleitoral inédito, pois anunciado prévia e publicamente.
As graves fissuras políticas, sociais e econômicas que varrem o país intensificam o leque repressivo que consolida o consenso autoritário. Consenso que se acelerou há 50 anos, quando do golpe militar que levou à construção do aparato militar, judiciário e civil repressivo, hoje em plena ação na democracia sem direitos nascida de uma transição sob o controle do grande capital nacional e internacional.
Diante dos sinais de instabilidade e expansão crescente das lutas sociais, em meio à sociedade com direitos sociais decrescentes para a esmagadora maioria da população, o Estado e seus governos preparam como resposta a repressão e a criminalização das lutas populares, através de um enorme aparato policial e jurídico, com o qual se pretende também garantir a sucesso da Copa do Mundo e os lucros da Fifa e associados.
Ademais, defrontamos modelo de política econômica e social orientada pelo grande capital, surda aos direitos da população, que se nega à real distribuição de renda e ao ataque à raiz da desigualdade e da segregação social. A subordinação do orçamento da União à remuneração milionária do capital financeiro pelos juros da dívida torna-se compromisso sagrado dos governantes de turno, que escorcha, há décadas, a nação e sua população.
De cara coberta ou descoberta, resta ao povo o caminho dos protestos, das mobilizações e da organização crescente, através de greves salariais massivas e das lutas nos bairros e ruas, espaços prioritários da decisão dos rumos do país.