As mortes que não o mataram

Mataram-no tantas vezes… Porém, depois de cada morte reaparecia sempre, com a carabina nas mãos, disparando entre a fumaça o seu certeiro fogo político. Matavam-no com os fuzis do desejo e o ensurdecedor chicotear dos linotipos, transpassados por um disparo; mortalmente ferido no peito, em combate com tropas regulares; destroçado por uma granada num choque de encontro…, que morreu sangrando, abandonado por seus homens. Porém, nunca mostraram o cadáver.

“Ouvi minhas mortes, basicamente, pelo rádio” – dizia Marulanda. “Não podem matar uma pessoa todos os dias com disparos de palavras. Claro que essas mortes de mentira não passam de propaganda. Porém, não se pode enganar o povo por toda a vida. Talvez esse tipo de notícia tenha explicação num sentido psicológico dirigido às tropas e às massas. O problema dessa tática é que agora eles têm que nos ver fazendo declarações ante a imprensa e a televisão, bem vivos, e não mortos como sempre quiseram nos ver”.

No entanto, apesar destas considerações, voltaram a matá-lo nas manchetes da imprensa. Como não conseguiram matá-lo com todos os operativos, nem com os bombardeios da aviação, nem com o fogo mortal dos cercos militares, imaginaram sua morte num ataque surpresa de congas (formigas selvagens) nas selvas do Caquetá. Para um conhecedor destas formigas gigantes, a versão do diário “El Tiempo” de Bogotá não podia ser de todo absurda. Se a picada de apenas uma, além da terrível dor, provoca ondas de febre, paralisia, espasmos e desejo de morte, um ataque em massa, como geralmente é o das congas, seria a agonia e, também, a morte.

Dizia “El Tiempo”, da família Santos, que, depois de vários dias de peregrinação pelas selvas inóspitas do sul, carregado algumas vezes numa rede e outras numa maca, Marulanda tinha morrido sob o manto verde, imerso na visão de sua entrada triunfal em Bogotá à frente de suas tropas guerrilheiras. Porém, essa história despareceu no estrondo dos combates do sul, do oriente e do noroeste… Todos souberam que continuava vivo quando reapareceu falando de paz e da troca de prisioneiros. A guerrilha tinha em seu poder 500 militares e policiais capturados em combate.

A última vez que viram Marulanda foi naquela tarde de fogo do Caguán, nas sequências dos diálogos de paz, quando ao despedir-se dos jornalistas que o cercavam com suas perguntas, microfones e câmeras, disse, com seu refinado humor de sempre: “vou porque está caindo a noite e, como vocês sabem, por aqui existe muita guerrilha”.

Depois, uma crônica da jornalista Patricia Lara o matou. Afirmava com toda certeza e aguda intuição, que tinha morrido de câncer de próstata. Relatou os angustiosos e inúteis esforços de seus companheiros de ideias e de armas por embarcá-lo num avião ambulância que o levara até Cuba. Morreu tentando, disse Patricia. Morrendo de rir, Manuel Marulanda escutou a notícia.

Permaneceram obsessivos, matando-o até depois de sua morte…

Desfazendo todas as dúvidas, o Presidente Uribe e seu Ministro da Defesa, Santos, ao tomar conhecimento da notícia difundida pelo Secretariado sobre a partida do líder em 26 de março, buscando pescar vitórias em rio revolto, como delirantes doidivanas, saíram a espalhar na mídia que Manuel Marulanda tinha sido abatido, como o disse Uribe, num bombardeio no qual foram lançadas 250 bombas; que o tinha matado de susto, como assegurou num comentário irônico o Ministro da Defesa.

Ninguém conseguiu conceber que o lendário guerrilheiro, que enfrentou durante 60 anos 17 governos e todos os estados maiores das Forças Armadas oficiais, de repente tivesse morrido de susto!

Morreu, mas não como queriam. O Comandante em Chefe morreu de velho, dirigindo pessoalmente seus exércitos guerrilheiros no turbulento coração do Plan Patriota, patrulhando a selva sob as asas da guerra de guerrilhas móveis, sua tática de combate que ainda tem de ser colocada em prática. Como Bolívar em Santa Marta, apenas se recostou para sonhar com o momento em que, a partir do Comando Geral, muito próximo de Bogotá, dirigirá a entrada vitoriosa de seus guerrilheiros à capital, rodeados de povo

(texto extraído do livro “MANUEL MARULANDA VÉLEZ – o herói insurgente da Colômbia de Bolivar”)

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