“O santismo pretende a paz que permita a exploração tranquila dos recursos naturais por parte das transnacionais”

(MARCO LEÓN CALARCÁ, MEMBRO DA DELEGAÇÃO DAS FARC-EP NOS DIÁLOGOS DE HAVANA)

Fonte: El Telégrafo

O guerrilheiro analisa com EL TELÉGRAFO os resultados das recentes eleições presidenciais na Colômbia. Além disso, reflete sobre o papel de J.M. Santos nas negociações de paz em Havana.

O delegado das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), Marco León Calarcá, em uma entrevista exclusiva com o diário EL TELÉGRAFO, revela detalhes sobre os avanços do processo de negociação de paz com o governo de Juan Manuel Santos.

É certo que a vitória de Juan Manuel Santos está intrinsecamente ligada à legitimação política das negociações de paz com vocês em Havana. Vocês se sentem responsáveis pelo discurso defendido pela campanha de Santos durante o segundo turno?

Este processo que se denenvolve em Havana é legítimo de nascimento. O povo colombiano e suas organizações, entre as quais nos inserimos, exerce seu direito à resistência ante as agressões do Estado e seus diferentes governos. Mais de 80 anos de violência antipopular não apenas legitimam como fazem necessária a busca da paz com justiça social através dos diálogos.

Enquanto Santos é reeleito presidente, qual mensagem vocês entendem que carregam os 7 milhões de votos obtidos pelo uribismo? O que está dizendo, segundo a leitura das FARC, essa parte da sociedade colombiana?

O excludente sistema eleitoral colombiano tem todos os vícios e muito mais. É essencialmente antidemocrático caracteriza-se pela corrupção, pelo dolo, pela fraude e pelo uso do terrorismo. Por isso, seus resultados não são confiáveis. É uma denúncia histórica do movimento popular e sua mudança uma exigência permanente e obrigatória que figura nas propostas mínimas apresentadas pelas FARC-EP.

As maiorias colombianas defendem a construção da paz com justiça social e soberania, democracia plena e vida digna, produto do trabalho. Os únicos inimigos da paz são aqueles que lucram com a guerra, com a economia, com a política e, asseguro-lhes, não são esses 7 milhões.

Além disso, embora exista avanço na participação nas eleições, a abstenção, as pessoas impedidas de votar, os votos em branco e os votos nulos superam essas cifras e não são levados em conta.

Vejamos as cifras desse nada confiável órgão eleitoral, o Registro Nacional. Universo de votantes: 32.975.158, do qual sufragaram 15.794.940 (47,89%), o que já mostra uma minoria escolhendo. Porém, destes só foram válidos 15.341.383 (97,12%). Votos nulos 403.405 (2,55%) ou não marcados 50.152 (0,31%) e já temos outros 2,86%; e o voto em branco obteve 616.396 (4,03%); ou seja, o voto pelos candidatos foi de 14.721.987 (95,96). Portanto, a abstenção soma 4,04% e já vamos para 57%, que de uma ou outra maneira, e não necessariamente consciente, não participa ou o faz para repudiar, como é o voto em branco. Falta acrescentar os milhões que não estão inscritos como eleitores. É necessário insistir nas dúvidas sobre esses dados, porém é bom analisar para ter uma ideia.

Diante desse quadro, quais seriam, segundo vocês, as mudanças que poderiam resultar desta espécie de medição da temperatura política dos colombianos? Existe também uma medição dos grupos de poder?

Ao combinar elementos da realidade colombiana e de nossa América, em busca de uma análise correta e conhecedores de que é impossível a objetividade, ratificamos nossa convicção já expressa. A Colômbia e o seu povo anseiam a paz e esta faz parte da proposta da Pátria Grande. Os meios de comunicação desinformam tentando satisfazer os interesses de seus proprietários, dos grandes grupos econômicos, porém não consegue desvirtuar a realidade da resistência popular.

Por isso, agitamos a bandeira da solução dialogada e reiteramos nossa reiterada vontade de construir acordos que a permitam. Entendemos fazer parte da união de todas essas correntes populares, em uma ininterrupta torrente de mudança, transformação e renovação.

Para ampliar as perguntas anteriores, poderia nos explicar o que existe por trás desta aparente disputa entre o santismo e o uribismo?

Entendemos tal disputa como uma diferença em termos de oligarquia, de modelos de espoliação e entrega da soberania. De nenhuma parte se vê sentimento pátrio, bem-estar, justiça social e ânimo democrático como objetivos a serem alcançados.

O santismo pretende limpar a imagem do regime; sua pretensão é a paz que permita a exploração tranquila dos recursos naturais por parte das transnacionais. Por isso, o grande debate, a grande contradição a ser superada é qual é a paz que vamos construir e, para isso, é necessária a participação das maiorias com suas propostas.

O uribismo concebe a paz como o arrasamento a sangue e fogo de toda a oposição por seu projeto explorador; apoiando seu poder no dinheiro do narcotráfico, nas armas do paramilitarismo e a manipulação politiqueira dos poderes; é uma forma do fascismo. Porém, são diferenças que conseguiram conciliar.

O grave risco de nossa América é que a extrema direita, encabeçada por Uribe, abra caminho na Colômbia e fortaleça o ataque aos processos revolucionários, democráticos e progressistas vividos na vizinhança. Isso sem desconhecer o caráter do santismo, que não tem nada de revolucionário nem de progressista. Por isso, insistimos na necessária solidariedade para com a Mesa de Conversações em Havana.

É possível falar que existe uma ‘Colômbia urbana’, que pensa o conflito em termos microburgueses e, portanto, pretende reduzir sua encruzilhada histórica; e outra ‘Colômbia rural agrária’, que obriga a conceber esse mesmo conflito em termos de relações de poder excludentes e nada democráticas?

A manipulação ideológica através de todos os meios utilizados para isso cumpre seu papel. O egoísmo, o salve-se quem puder, o afã de lucro sem princípios e sem valores marcam a sociedade e geram as diferentes formas de avaliar o conflito armado, social, político e cultural que vivemos. A isso devemos somar os efeitos de décadas de terrorismo de Estado. Por exemplo, temos seis milhões de deslocados pelo despojo de terras e, sendo camponeses, se urbanizaram pela força, porém não têm reais expectativas no atual sistema para superar a miséria imposta pelo neoliberalismo, da mesma forma que os milhões de citadinos de origem.

Se o resultado eleitoral esclarece – por um momento – o panorama político na Colômbia, ou seja, a situação atual da correlação de forças (em torno de uma institucionalidade que vocês consideram ilegítima), como assumiram a postura de alguns setores de esquerda que afiançaram Santos em uma coalizão impensável há poucos meses?

Até onde entendemos, não existiu uma coalizão, pois esta implica em um mínimo de acordos. No entanto, o presidente Santos ficou com um imenso compromisso porque esse apoio era apenas o respaldo à promessa de construção da paz com justiça social, foi um plebiscito pela continuidade da mesa em Havana e para exigir-lhe definições sobre esse tema. Porém, dirigentes desses setores foram claros em sua oposição ao programa de governo.

Juan Manuel Santos deverá considerar esse apoio como uma forma de avançar para a paz, ter esse capital para opor-se aos inimigos do processo da paz, da reconciliação, porém eu duvido. O caráter de classe do Presidente o impede de avançar, não importa que se chame de transformador e que proclame a terceira via.

Se tivessem que avaliar o antes e o depois das negociações – no marco de 15 de junho –, o que repetiriam e o que descartariam para continuar e substanciar os diálogos em Cuba?

As FARC-EP fazem permanentes balanços do desenvolvimento dos diálogos. Neles, a reeleição do Presidente não marca um corte. Continuamos com o trabalho normal, pois nunca permitimos que o tema da reeleição se impusesse no interior das discussões.

A que não estão dispostos os delegados da guerrilha fariana nos próximos encontros com seus pares do santismo?

Mais vale dizer a que estamos dispostos. Estamos dispostos à construção de acordos, insistir na participação popular. Tudo como um desenvolvimento lógico das conversações na mesa.

É possível um acordo final em dezembro deste ano à raiz das tendências pós-eleitorais?

Se nos ativermos às pesquisas, cada vez são menos céticos e fica claro que o são por falta de informação ou porque a que têm é manipulada pelos inimigos do processo, pelos que lucram com a guerra. Diga-se de passagem, eles nunca vão se convencer dos benefícios da paz. Já não se trata apenas de acreditar em nossa reiteração de vontade e convicção no diálogo; agora os avanços obtidos na mesa podem ser vistos na prática, nos acordos parciais alcançados.

Insistimos no risco de colocar prazos, pois no final se convertem em fatais e em ferramentas usadas contra o desejo das maiorias. Claro que o avanço pode ser acelerado, mas não depende da insurgência. E para isso é importante a contribuição das organizações populares no país em permanente demanda à mesa, às partes, pelo cumprimento do prometido e, sobretudo, para obter do Governo definições positivas em torno do processo, que isso não fique no plano eleitoral.

Aparentemente, todos pensam em um acordo final como um mero trâmite. É assim? É otimismo, oportunismo ou cegueira política daqueles que não compreenderam a complexidade da injustiça na Colômbia? A Assembleia Nacional Constituinte é uma aposta inegociável? Por quê?

Não todos, mas sim um setor importante considera o confronto armado, social, político, econômico e cultural como um enfrentamento de aparatos militares e, por isso, acredita na solução militar; e no caso do diálogo, o simples e imediato desarmamento. Porém, na verdade a confrontação é de natureza política. Por isso, a saída deve ser política e se dirige a solucionar as causas do enfrentamento. A insurgência colombiana é resposta, é consequência da violência oficial. Para nós as armas nunca foram o fim. O que fazemos é exercer nosso direito à rebelião. Consideramos a Assembleia Nacional Constituinte pela paz como uma forma válida e excelente para referendar os acordos, brindar todo o necessário: participação e decisão do povo como soberano, referendo dos acordos, possibilidade de resolver os assuntos pendentes da mesa, aqueles pontos ou temas em que não se chegou a um acordo. A mesa de diálogos mostra as FARC-EP como organização propositiva, com capacidade de discussão, de acordo com a realidade e em completa sintonia com o resto das organizações do país.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

http://pazfarc-ep.org/index.php/articulos/entrevista/1969-uribismo-concibe-la-paz-como-el-arrasamiento-a-sangre-de-toda-oposicion-marco-leon-calarca.html