Não estamos na reta final!
Altos funcionários do governo estão criando a sensação de que, com a visita das primeiras vítimas do conflito e a presença do general Javier Flórez e de um grupo de coronéis em Havana, a tendência é a entrega das armas e a desmobilização da guerrilha.
No desenvolvimento desta ficção, o presidente Santos anunciou a criação de um Comando Estratégico de Transição que estaria encarregado de supervisionar “como é que vamos fazer essa transição, como é que vamos monitorar a desmobilização do inimigo, como vamos monitorar e garantir a entrega das armas”. Ousada argumentação, considerando que nenhum destes assuntos foi tema de debate nas conversações e que conceitos como “transição”, “desmobilização” e “entrega de armas”, não existem nem na gramática do acordo de Havana, nem muito menos na linguagem da guerrilha.
É necessário precisar com relação à criação do Comando de Transição que, de nenhuma maneira, as FARC aceitam uma hierarquia militar para resolver assuntos que são de caráter político por definição, e que aspectos tão importantes como a entrega de armas, também implicam a desmilitarização da sociedade e do Estado.
Então, nos perguntamos qual o objetivo do governo com seus anúncios, quando o normal seria não criar falsas expectativas e, pelo contrário, explicar que, se bem o diálogo avança em vários campos, o que está por ser definido, como é o caso das transformações institucionais, ainda precisa de tempo.
Parece que a estratégia é fazer crer que o processo de paz entrou na reta final, no mesmo velho esquema, carente de imaginação, de entender a paz como entrega das armas, agora subordinada ao alto comando militar, e sem que ocorram as mudanças sociais, econômicas e políticas que reclama o país.
Causa constrangimento que o governo continue atuando como se os pontos de vista da contraparte na mesa não tivessem valor nem consequências. Assim ocorre, por exemplo, no tratamento do denominado marco jurídico e justiça transicional, a respeito do qual temos expressado nitidamente nossa posição adversa pela unilateralidade como se vem impondo. Sobre isto, o Ministro de Governo, Juan Fernando Cristo, insiste em acelerar seu trâmite no congresso, anunciando a aprovação da Lei Estatutária, como se não tivéssemos advertido que toda essa erva daninha jurídica que estão semeando no campo da paz, deverá ser arrancada mais adiante, caso se queira chegar ao Acordo Final.
Isto ocorre, apesar de termos explicado em reiteradas ocasiões e de maneira argumentada que no conflito colombiano não existe um vencedor e nem um vencido; não é possível que o Estado imponha suas leis ou pretenda atuar como juiz e parte. O único marco jurídico que admitimos é o Acordo Geral de Havana, em que o Estado e a insurgência são partes iguais. Recordemos que aí, o número 5 do ponto 3 referente ao fim do conflito, expressa que “O Governo Nacional revisará e fará as reformas e os ajustes institucionais necessários para fazer frente aos caminhos da construção da paz”.
Os alardes e o oportunismo colocados pela visita do general Flórez a Havana, como uma demonstração de vitória do governo, não corresponde com a disposição que a insurgência mostrou com o objetivo de buscar caminhos dignos para a reconciliação.
As deformações e reconceituações que o governo vem fazendo do Acordo Geral de Havana, de sua agenda e de vários dos acordos a que chegamos em seu desenvolvimento nos obrigam a pedir publicamente uma reunião de emergência, que permita repassar e esclarecer o sentido do acordado e retomar a bilateralidade que deve primar na marcha das decisões que tenham relação com o processo.
Ao mesmo tempo, cordialmente convidamos o Ministro de Governo a fazer presença em Havana, para discutir sobre nossos pontos de vista em torno dos problemas anteriormente expostos e para darmos nossas apreciações sobre o que realmente acordamos com os plenipotenciários governamentais. Isto, entendendo que o processo de paz não pode continuar seguindo pelo trilho da agenda midiática e das interpretações manipuladas. Uma só agenda e seu contexto é o Acordo de 26 de Agosto de 2012.
Havana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 1º de setembro de 2014
DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP