Conversações de Paz em Havana e assassinatos na Colômbia: A estratégia dual do regime Santos

Há muitas ficções e falsas suposições subjacentes às negociações de paz entre o regime do Presidente Santos e as FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo). A primeira e mais chocante delas é que a Colômbia é uma democracia. A segunda é que o regime Santos objetiva políticas que melhorem a atividade social e política não-violenta a fim de integrar a insurgência armada no sistema político.

Há evidências suficientes para por em causa ambas as suposições. Ao longo das últimas duas décadas e meia cerca de três mil líderes sindicais e ativistas foram assassinados; mais de 4,5 milhões de camponeses foram desapropriados e deslocados pelas forças militares e paramilitares; e mais de 9 mil presos políticos estão sendo mantidos indefinidamente por se engajarem em atividades sócio-políticas não-violentas. Além disso, muitos juristas especializados em direitos humanos, ativistas e advogados têm sido assassinados.

A vasta maioria das vítimas resulta da direção militar do regime e da repressão policial ou dos esquadrões de morte paramilitares aliados aos militares e aos principais políticos pró-governamentais.

A escala e âmbito do regime de violência contra a oposição social elimina qualquer ideia de que a Colômbia é uma democracia: eleições conduzidas sob terror generalizado.

A reeleição do presidente Santos e a convocação das negociações de paz com as FARC para terminar a mais longa guerra civil da América Latina, certamente é um passo em frente para acabar com o banho de sangue e proporcionar a base para uma transição à democracia.

Apesar de o regime Santos ter posto um término ao regime de terror do estado em escala maciça do seu antecessor, quando os EUA apoiavam o regime de Alvaro Uribe, ainda ocorrem assassinatos políticos e os seus autores ainda agem impunemente.

Para qualquer processo de paz culminar com êxito, os acordos de paz, combinados com ambas as partes, devem ser efetivamente implementados . Acordos anteriores terminaram em massacres estatais de guerrilheiros desmobilizados, que se haviam transformado em ativistas da sociedade civil e em representantes políticos eleitos.

As negociações de paz têm prosseguido durante dois anos e importantes acordos foram alcançados numa série de áreas vitais de mútua preocupação. Em particular, ambos os lados subscreveram 3 de 5 pontos na agenda de paz: desenvolvimentos rurais, participação da guerrilha na política; política sobre o tráfico de drogas. As negociações actuais focam no contencioso “justiça de transição” para as vítimas do conflito. A maior parte dos grupos de direitos humanos e especialistas concorda em que a grande maioria das vítimas resulta da repressão militar e paramilitar. Entretanto, o regime Santos e seus apoiantes nos media afirmam o contrário – culpando as FARC.

Há um “processo de paz”?

O regime Santos rejeitou três vezes as ofertas de cessar fogo das FARC, as quais avançaram e implementaram-nas unilateralmente. O regime escolheu continuar a guerra na Colômbia enquanto negociava em Havana. O período de dois anos de negociações de paz proporcionou percepções profundas quanto à viabilidade dos acordos em Havana. Grupos de direitos humanos colombianos e internacionais e movimentos sociais apresentaram relatórios oportunos sobre o âmbito e a profundidade das violações em curso de direitos humanos e políticos na Colômbia durante as negociações de paz.

Com base em dados compilados por advogados e especialistas em direitos humanos filiados à Marcha Patriótica, uma aliança de grande número de comunidades, camponeses, sindicatos e organizações de direitos humanos, entre abril de 2012 e janeiro de 2014 fica claro que o domínio do terrar estatal e paramilitar continua em paralelo com as negociações de paz.

Durante esse período de 21 meses, 29 ativistas da Marcha Patriótica foram mortos e três outros foram “desaparecidos” – e presumivelmente assassinados. hoje considerados mortos. Numerosos outros receberam ameaças de morte.

Os antecedentes de classe das vítimas apontam para a vulnerabilidade do acordo de paz. Trinta e três dos membros assassinados da Marcha Patriótica eram líderes camponeses e ativistas que promoviam a reforma agrária, a reintegração de posse das terras sob o regime da Lei de Restituição de Terras ou engajados em outras atividades pacíficas na sociedade civil. Quatro das vítimas eram ativas em movimentos sociais apoiando uma agenda da “paz com justiça social”; dois eram advogados de direitos humanos; dois eram organizadores comunitários e um era líder de um movimento juvenil local.

Nenhum dos atacantes foi preso. Oficiais militares e da polícia, que foram previamente notificados das ameaças de morte, não tomaram precauções. Também não foram realizadas quaisquer investigações, até mesmo quando familiares e vizinhos estavam a par de evidências relevantes.

Diante da relutância do governo de Santos para restringir a cumplicidade de militares, policiais e esquadrões de morte no assassínio de ativistas camponeses durante as negociações de paz, pode-se confiar no regime para implementar o acordo sobre “desenvolvimento rural”? Pode o governo garantir a segurança de guerrilhas desarmadas no momento em que entrarem no sistema político, quando em setembro de 2014 mais de cem ativistas de direitos humanos receberam ameaças de morte?

De acordo com a Amnistia Internacional, durante o ano de 2013 setenta defensores dos direitos humanos foram mortos, incluindo indígenas e líderes afro-colombianos e 27 membros de sindicatos. Pelo menos 48 homicídios foram cometidos por unidades militares. Comandantes militares envolveram-se em casos de “falsos positivos” , o que significa que civis assassinados foram falsamente etiquetados pelos militares como “insurgentes armados”. As mortes extra-judiciais por parte dos militares continuam sob o regime Santos.

Igualmente agourento, Santos deixou de desmantelar os esquadrões de morte paramilitares. Em consequência, o regime deixa de proteger os que reclamam terra. Camponeses e agricultores despojados que tentam recuperar as suas terras sob a “Lei de Restituição da Terra”, de Santos, têm sido ameaçados ou assassinados por gangs paramilitares. Em consequência, a lei não teve virtualmente nenhum impacto sobre a reinstalação de camponeses devido às retaliações dos proprietários das terras.

De fato, o número de expulsos das suas terras tem aumentado segundo as Nações Unidas: 55.157 colombianos, na sua maioria rurais, fugiram dos seus lares entre janeiro e outubro de 2013, por causa da guerra entre e dentre gangues de drogas e paramilitares.

A guerra presidencial de Santos na sociedade civil

A insegurança generalizada que reina na área rural, os assassinatos, desaparecimentos e prisão de ativistas sociais, acompanhando as negociações de paz, põem em causa os “acordos” alcançados até agora entre as FARC e o regime Santos. Defensores do regime argumentam que o número de assassinatos tem diminuído durante os três últimos anos. Críticos rebatem que essa relativa diminuição dos assassinatos tem o mesmo efeito na geração de medo, minando a participação do cidadão e a transição para um sistema político democrático.

Toda a concepção de um processo de paz bem-sucedido repousa no pressuposto que os acordos resultarão em garantias constitucionais de participação livre e democrática dos cidadãos. No entanto, ao longo do período de dois anos, o regime não demonstrou um claro e consequente comprometimento com direitos elementares. Se esse é o caso durante as negociações com a insurgência popular, ainda ativa e armada, quão pior serão as condições uma vez que os militares, a polícia e os paramilitares estejam livres de qualquer retaliação, quando eles tiverem mãos livres para intimidar e abater dissidentes políticos desarmados que tentarem competir em eleições locais ou nacionais?

O regime Santos parece ter adotado uma estratégia de duas pontas: combinar repressão violenta aos movimentos sociais na Colômbia e ao mesmo tempo adotar a linguagem da paz, justiça e reconciliação na mesa de negociações em Havana.

O regime Santos pode prometer aceitar muitas mudanças democráticas, mas sua prática ao longo dos últimos dois anos mostra um regime autoritário e ilegal, satisfeito por manter o status quo.

O regime Santos tem três objetivos estratégicos: desarmar a insurgência popular; recuperar o domínio do território sob controle da insurgência e enfraquecer e minar os movimentos sociais populares e grupos de direitos humanos, os quais provavelmente formarão alianças políticas com os insurgentes quando e se eles se tornarem parte do sistema político.

É duvidoso que as FARC deponham suas armas num clima político em que paramilitares assassinos operam com impunidade; comandantes militares ainda se envolvem em “falsos positivos”; e os projetos de desenvolvimento rural estão inoperantes devido às táticas de terror dos proprietários das terras.

A menos que os acordos de paz sejam acompanhados de mudanças fundamentais na área militar; a menos que as forças paramilitares sejam efetivamente desmobilizadas; a menos que o governo reconheça e aceite a legitimidade das demandas dos movimentos sociais de massa e dos grupos de direitos humanos em favor de uma assembleia constituinte eleita livremente, o processo de paz acabará por fracassar.

Conclusão: Quatro hipóteses sobre a estratégia de Santos para a guerra e a paz

Há várias hipóteses a respeito da razão porquê o regime Santos negocia um acordo de paz enquanto brutais violações de direitos humanos continuam diariamente.

(1) O regime Santos está dividido, com um sector a favor da paz e outro oposto. Esta hipótese carece de qualquer base credível pois não há sinais visíveis de conflito interno e o regime actua com um comando unificado. Se bem que alguma violência estatal possa ser resultado de comandantes militares locais, em nenhum momento os líderes nacionais reprimiram estes transgressores “locais”.

(2) O regime Santos busca ativamente atos violentos contra os movimentos sociais para fortalecer sua posição de barganha nas negociações de paz a fim de assegurar um acordo mais favorável – em outras palavras, fazer o mínimo de concessões sociais a fim de aplacar oligarcas críticos de quaisquer negociações. Esta hipótese explica a abordagem da “estratégia dual” defendida pelo regime em relação às FARC, falando de paz em Havana e rejeitando um cessar-fogo na Colômbia; continuando a guerra enquanto negociam a paz. Mas ela também mina a afirmação do regime de que Santos procura incorporar grupos combatentes no sistema político.

(3) O regime está num tácito pacto com os antigos esquadrões da morte do ex-presidente Alvaro Uribe. Como resultado o aparelho militar do governo ainda está ligado às gangues paramilitares, trabalhando com latifundiários, traficantes de drogas e homens de negócio. Não há dúvida de que Santos tem laços de longa data com Uribe – ele era o seu ministro da Defesa. Além disso, depois de Santos ter derrotado o candidato de Uribe à Presidência por uma margem estreita ele procurou uma acomodação política com apoiantes de Uribe no Congresso e entre os homens de negócio. Por outro lado Santos reconhece que sua estratégia econômica , especialmente seu foco na promoção do comércio com a América Latina e especialmente com a Venezuela, e seu grande empenho em explorar a energia e o setor de mineração dependem de alcançar um acordo de paz com as FARC, que controla regiões com riqueza mineral substancial. Por isso Santos assina “acordos no papel” com as FARC enquanto aplica uma política de “mão dura” com os movimentos sociais.

(4) A explosão dos movimentos sociais de massa, incluindo a Marcha Patriótica, exigindo a efetiva implementação de reformas no ‘desenvolvimento rural’ e a reintegração de posse de terra às 3,5 milhões de famílias deslocadas e o crescente papel dos grupos de direitos humanos no acompanhamento das violações dos direitos humanos, significa que o regime Santos não pode assegurar ‘paz’ unicamente através de um acordo com as FARC em Havana. Se a meta do regime Santos nas negociações de paz é desarmar as guerrilhas e incorporá-las ao sistema eleitoral, sem lidar com as reformas estruturais sócio-econômicos de raiz, deve enfraquecer os movimentos populares da sociedade civil.

Esta é a hipótese mais plausível. O Presidente Santos é capaz de prometer às FARC qualquer tipo de ‘reformas democráticas’ e está disposto a assinar acordos antidrogas e mesmo de “desenvolvimento agrário” . Mas o que ele não está disposto a aceitar é o surgimento de movimentos de massa camponeses ativamente empenhados em mudar a posse das terras, recuperar suas lavouras e reclamar milhões de hectares de terra concedidos a grandes consórcios de mineração de propriedade estrangeira.

Santos não irá desmobilizar as gangues paramilitares porque elas são instrumentos dos grandes latifundiários e protegem as concessões do Estado às grandes companhias mineiras. Mas ele tentará limitar os alvos dos esquadrões de morte a organizações e ativistas específicos em regiões contenciosas.

Santos nem sequer restringiu os ataques fronteiriços dos grupos paramilitares colombianos. Os assassinatos continuam, o mais recente foi o de um líder do Congresso Venezuelano. Ele ampliou os laços militares com os EUA buscando acordos para colaborar com a OTAN – oferecendo unidades de combate para as guerras do Oriente Médio.

O que é abundantemente claro é que o regime Santos não cumpriu com as principais condições elementares necessárias para implementar qualquer dos cinco pontos estabelecidos na agenda de reforma em Havana. Impunidade militar, violentos esquadrões de morte, grande número de ameaças diárias de morte a ativistas de direitos humanos, mais de nove mil presos políticos e dezenas de assassinatos não resolvidos de líderes camponeses não é compatível com a transição para uma paz democrática. Isto só é compatível com a continuidade de um regime oligárquico autoritário. Uma transição democrática e um acordo de paz exigem uma mudança fundamental na cultura política e nas instituições do Estado colombiano.

06/Novembro/2014

Ver também:

www.pazfarc-ep.org/

www.justiceforcolombia.org/

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/… . Tradução de CG.

http://resistir.info/petras/petras_colombia_06nov14_p.html

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