Vídeo: “Nós soldados não valemos nada”

Por Dick Emanuelsson, subdiretor da ANNCOL, entrevista e filmagem feita por Viviana Fernández, integrante da Delegação das FARC-EP em Havana

A libertação de Paulo César Rivera e Jonathan Andrés Díaz por parte das FARC e as duras declarações dos soldados libertados sacode a cúpula militar.

ANNCOL / 2014-12-01 / Enquanto o general se despedia da instituição castrense após 33 anos de serviço, os dois soldados profissionais Paulo César Rivera y Jonathan Andrés Díaz, também capturados em combate no departamento de Arauca, enviam a seus próprios irmãos de armas uma mensagem: “que olhem, que pensem, que, por favor, abram os olhos e vejam como nós soldados não valemos nada”.

A reportagem exclusiva e polêmica feita pela repórter guerrilheira Viviana Fernández, integrante da Delegação das FARC-EP em Havana, é como uma combinação política explosiva.

VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=i3_rtdsF65c&feature=youtu.be

Ela esteve presente quando a Frente das FARC, que tinha capturado os dois soldados profissionais em um combate com a contraguerrilha há três semanas, foram entregues pela guerrilha à Cruz Vermelha Internacional e aos representantes dos países garantidores do processo de paz, Noruega e Cuba. Da mesma viagem, que partiu de Havana, participou o comandante guerrilheiro Carlos Antonio Lozada, também integrante da Mesa de Diálogo de Paz em Havana.

“Nenhuma má palavra”

No dia 25 de novembro, quando foram libertados os dois soldados profissionais Paulo César Rivera e Jonathan Andrés Díaz, Viviana Fernández entrevistou, com permissão, os dois prisioneiros de guerra. As declarações não foram bem aceitas pela cúpula militar e menos ainda pelos setores oficialistas dos meios de comunicação colombianos. Imediatamente, começaram a questionar a veracidade das declarações feitas pelos dois soldados.

É claro que eles se encontravam na qualidade de prisioneiros e é lógico questionar uma entrevista com tal caráter, pois não foi feita sob uma situação normal.

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=i3_rtdsF65c

Quando o capturaram, como você foi tratado?

– Bem. Nenhuma má palavra, nada, nada. Logo que chegamos, me ofereceram água. Tudo que comiam, davam-se primeiro. O tratamento foi excelente, muito bom.

São as palavras de Jonathan Andrés Díaz Franco, de 23 anos. Ele e seu companheiro, Paulo César Rivera, de 24 anos, pertencem à contraguerrilha colombiana, ou seja, soldados de profissão. Seus comandos militares constantemente insistem que a guerrilha tortura, mata e desaparece com os militares ou policiais capturados em combate.

– Agora vemos as coisas de outra maneira. Bom trato. (Foram) 15, 16 dias e não me senti como prisioneiro de guerra, disse Paulo César Rivera, de 24 anos.

O desemprego na Colômbia e a guerra como salário

Por que se tornou um soldado profissional? Jonathan responde a pergunta:

– Por causa do desemprego que existe na Colômbia. Assim tinha um soldo, um soldinho e tinha como ajudar mina avó, meu irmão.

A mesma circunstância social e econômica é vivida por Paulo:

– Encontrei uma forma de vida, de ajudar minha família, levá-la adiante. Meu pai é camponês e vive no campo, cultiva, e mamãe é costureira. Sabemos que o exército é uma empresa… como se diz… que tem mais oportunidades. Porque trabalho (civil) quase não existe.

Sobre a experiência de conviver 16 dias com os guerrilheiros, Jonathan expressa sem vacilação:

– Todos somos camponeses e humildes. Muitos estão aqui (no exército) obrigados, por causa do desemprego.

Negam ter sido sequestrado

Quando foram tomados prisioneiros de guerra, depois do combate, há mais de três semanas, os meios oficialistas imediatamente denominaram a detenção como “sequestro”. Porém, nem Paulo nem Jonathan estão de acordo com essa expressão:

– Anteriormente eu me considerava sequestrado.

Por quê?

– Porque é o que aprendemos. Mas, quando se está aqui, é diferente. Sequestro é quando é com dinheiro.

Jonathan:

– Prisioneiro, porque nos pegaram em combate. Não fomos “recochando” (em colombiano: se deixar levar, sem coibir-se) e nem fomos para a casa. Foi em combate. Retiraram as tropas e ofereceram segurança para nós porque o momento era de tensão… No primeiro momento, iam me soltar, mas isso aqui era um bombardeio só, com os Black&Hawks, com as operações… Espero que não montem um filme, pois não é verdade. De repente, iam nos resgatar a sangue e fogo. Porém, a sangue e fogo é matar a mim mesmo, matar a nós mesmos, soldados que estamos aqui… O cessar-fogo bilateral é melhor, até a paz… só assim acabamos com essa violência.

“Estive muito bem enquanto estava ali”, o General

As declarações sobre a captura do general Rubén Darío Alzate contém, também, o mesmo explosivo político:

– Por um lado, é muito bom para ele se dar conta. Porque são eles que mandam e não é como eles pensam. A guerrilha não é um grupo criminoso ou sangrento, nada disso. É melhor que… estive muito bem, estive muito bem. É bom que ele veja com seus próprios olhos, que viva esse momento. Porque é o lado que nunca se vê, sempre eram os soldados. Então, quando eles saem e falam bem da guerrilha, metem psicologia, psicologia. Porém, aí está ele. Talvez ele fale a verdade, talvez o deixem falar à luz pública como é a guerrilha e como o tratam.

– É por isso que eu mando uma mensagem a todos os soldados, para que olhem, que pensem, que, por favor, abram os olhos e vejam como nós soldados não valemos nada. Não valemos nada para o presidente, supostamente o presidente da paz que governa, que manda acima da população pela paz, mas nós não valemos nada. Porque se o general não fosse agarrado, nós ficaríamos aqui. Não teriam feito nada para a nossa libertação. Isso é o que me dá mais tristeza com relação ao presidente.

Enquanto escrevia isso, o General Alzate renunciou seu cargo Sem dúvida, os dois soldados libertados serão objeto de “tratamento especial” por suas declarações e crítica à forma que se esta levando a guerra em meio ao processo de paz. São os filhos mais humildes da Colômbia, que são “bucha de canhão” nesta guerra. Depois da entrevista com os dois, não há dúvidas disso.

Fonte: http://anncol.eu/index.php/colombia/insurgencia/farc-ep/8717-colombia-nosotros-soldados-no-valemos-nada

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)