Paraguai: cresce nas ruas o repúdio ao modelo Cartes

Por PAULO LÓPEZ/Resumen Latinoamericano/Marcha, 6 de abril de 2015 – Em 26 de março passado, aproximadamente 10 mil camponeses tomaram as ruas do centro de Assunção em repúdio às políticas do presidente Horacio Cartes, que apenas na primeira parte de seu governo já experimentava níveis de reprovação próximos a 70%.

As modificações da Lei de Defesa Nacional e Segurança Interna, das leis de Aliança Público-Privada (APP) e de Responsabilidade Fiscal, configuraram um triângulo de ascendente repressão, privatizações e políticas de “austeridade”, ao menos no que se refere ao investimento social. A soja, o gado e o capital bancário continuam gozando de múltiplas isenções fiscais, subsídios e créditos baixos do banco público, enquanto a produção camponesa é presa dos intermediários e especuladores.

Durante o ato central da XXII Marcha do Campesinato Pobre, realizado em frente ao Parlamento, Teodolina Villalba, secretária geral da Federação Nacional Campesina (FNC), destacou que a mobilização para a capital do país se deve ao fato da produção do setor não ter mercado nem preços justos. Contra o modelo proposto pelo governo – que se propõe continuar conquistando posições entre os principais exportadores de soja e carne do mundo –, a organização defendeu um modelo de desenvolvimento interno que faça uso pleno dos excedentes energéticos das represas binacionais visando um processo de industrialização da matéria prima da agricultura camponesa.

No ato, também se reafirmou a reivindicação da postergada reforma agrária em um país onde, segundo dados oficiais do censo agropecuário, 2,5% das propriedades detém mais de 80% das terras cultiváveis, a maioria destinada à soja transgênica, que causa estragos na população rural pelo uso intensivo de agrotóxicos, fundamentalmente o glifosato.

No mesmo dia da Marcha do Campesinato Pobre, as centrais sindicais realizaram uma plenária na qual anunciaram uma segunda greve geral para o meio do ano, ratificando as reivindicações da primeira: a revogação das leis de APP, da militarização, além de um reajuste salarial de 25%, a aplicação do controle de preços e o fim da perseguição sindical, entre outros pontos.

Ouvidos surdos

Enquanto isto transcorria, Cartes não deu mostra alguma de prestar atenção nas demandas. Pelo contrário, a poucas quadras da imensa concentração ocorria uma reunião com empresários de um grupo de capitais franceses e chineses interessados, assim como a israelense Mekorot, em explorar os serviços de tratamento e distribuição de água, um recurso vital passível de ser concedido a empresas privadas por prazos de até 40 anos, de acordo com o que estabelece a lei de APP.

Cartes está supervalorizando seu poder político e sua atuação como patrão está valendo deserções chaves em suas fileiras. Entre as consequências mais imediatas se encontra o primeiro repúdio no Parlamento de uma lei de seu pacote econômico, a de Seguridade e Garantia para os Investimentos. Em linhas gerais, o projeto da normativa implica o congelamento impositivo por prazos de até 20 anos no caso de governos posteriores implantarem mudanças na política fiscal, como começar a incentivar a exportação de grãos em estado natural, as transações financeiras ou as remessas de lucros para o exterior, que atualmente têm uma taxa de 0%.

Em contrapartida, o governo dobra a aposta em tributos mais regressivos, como o Imposto ao Valor Agregado (IVA), que se aplica ao consumo e que representa 57% das receitas do Ministério da Fazenda.

Em 2014, de um total de 2.153 milhões de dólares de receita, 1.227 milhões provieram do IVA. No entanto, o Imposto à Renda Agropecuária (Iragro) constituiu apenas 2,6% das receitas, uns 55 milhões de dólares pagos por produtores de soja e pecuaristas que obtiveram lucros de 4.000 milhões e 1.500 milhões, respectivamente. Isto sem computar as milionárias devoluções fiscais que recebe o setor como parte das políticas de incentivo às exportações e cujos números são ocultados zelosamente pelo Ministério da Fazenda.

Ainda assim, a “guerra contra a pobreza” anunciada no discurso de posse de Cartes, sequer aparece nas últimas cifras oficiais sobre a pobreza extrema aumentou 0,4%, passando de 10,1% (677.089 pessoas) em 2013 para 10,5% (710.000 pessoas) em 2014. Isto apesar de que para baixar artificialmente os índices de pobreza se reduziu o montante mínimo estimado de receitas utilizado como referência.

Por último, no Congresso ecoaram as primeiras vozes que ameaçaram com um julgamento político ante a decisão do Executivo de ascender a membros da cúpula policial sem acordo do Legislativo, segundo manda a Constituição, um fato que o presidente tentou justificar, alegando ter se tratado de um “erro administrativo”.

As grandes corporações midiáticas que catapultaram este “empresário de sucesso” que traria eficiência à função pública, também começam a se isolar e correm para o grupo da oposição. No momento, Cartes mantém muitas fidelidades compradas, porém torna-se previsível que um período importante de seu mandato será vivido como um patriarca contemplando seu outono pela janela.

*Jornalista paraguaio, de Assunção.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/04/06/paraguay-crece-en-las-calles-el-rechazo-al-modelo-cartes/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)