Violência como espetáculo…

imagemDario da Siva*

Christian Dunker – em brilhante exposição sobre o sofrimento psíquico – observa que o sofrimento é histórico, não é uma doença (não por isso menos sério)[1], nem é mental  e “fala” sobre a sociedade.

O sofrimento não é “fantasia”, é perda de liberdade que “aspira algo”, uma experiência social.

Para ilustrar o caso de sofrimento contemporâneo chamado subjetividade pós traumática, formulado por Catherine Malabou, Dunker utiliza como metáfora os “zumbis” (exemplo o filme A Volta Dos Mortos Vivos). Consiste no seguinte, o zumbi por ter perdido a alma (perdeu a articulação narrativa do sofrimento), tenta recuperá-la comendo o cérebro de outro.

Outra face do sofrimento psíquico pós traumático é descrita a partir do ponto de vista de quem passou pelo trauma, narra este sofrimento, mas não o vê reconhecido. O exemplo emblemático é Primo Levi[2], que escapa de um campo de concentração e escreve o livro “É Isto Um Homem?“, onde conta sua reflexão sobre como uns sobrevivem e outros morrem. E como se chega ao ponto onde a vida é tratada como se não tivesse valor! Depois de escapar ele passou a sonhar repetidamente, noite após noite, o mesmo sonho (até se mata). No sonho ele narra o acontecido e as pessoas bocejam, levantam da mesa, ou seja, não reconhecem o sofrimento!

É exercício ilustrativo muito criativo e pode ajudar a pensar no sofrimento em relação à capacidade de valorizar a vida do outro.

Falta de narrativa do sofrimento, falta de reconhecimento do sofrimento… Como o sofrimento é “resolvido”, “processado” psicologicamente pelos homens e mulheres concretos? De um ponto de vista mais abstrato, quando são divulgadas informações estatísticas sobre as violências, que produzem sofrimento psíquico diverso, a reação do público é filtrada por uma cultura autoritária e legitimadora, reforçada por uma imprensa propagandista da violência. Deste ponto de vista, funciona como um “script” que automatiza a naturalização da violência.

Mas como a sociedade civil responde a esta realidade, quando se trata de um vídeo retratando um caso concreto? Como ocorreu com este recente vídeo[3], parte da sociedade apoia a violência absurdamente praticada pelo Estado, através de seus aparatos de repressão.

Este é apenas mais um caso entre tantos, como a agressão aos professores no Paraná, é apenas a ponta o iceberg que “vaza” na imprensa.

Segundo a ONU, a “Polícia brasileira tem ‘carta-branca para matar“[4]. Embora a retórica seja de “combate á violência”[5], a prática é de intensificação da violência.

Se a democracia formal fosse real (e não burguesa..), o Estado brasileiro deveria garantir os direitors contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada em 1948 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)[6] PARA TODOS. O Estado brasileiro (via forças de repressão) promove seu descumprimento. Em vez de promover a PAZ, o Estado estimula e promove a violência!

Não se trata “apenas” de uma ideologia da violência, mas de uma psicologia da violência. Há alguma relação de unidade entre o espetáculo e o público. Parece que parte do público dessublima repressivamente[7] a violência sofrida na violência sobre o outro, retrada como espetáculo. Na violência como espetáculo, o sofrimento do outro não é reconhecido, a vida do outro não é valorizada. Mais do que isso, o sofrimento do outro gera algum tipo de compensação, de prazer!

Na ilustração é resultado de uma conhecida ação da polícia em Porto Alegre[8].

*Dario da Siva é graduado em Economia pela UFSM e mestrando em Patrimônio Cultural pela mesma universidade. Membro do comitê Central do PCB.

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1. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?&v=bIhdaluDUcQ&gt;. Acessado em 01/06/2015;

2. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Primo_Levi&gt;. Acessado em 01/06/2015;

3. Disponível em <https://www.facebook.com/maringaalertaoficial/videos/836731886382741/&gt;. Acessado em 01/06/2015;

4. Disponível em <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL760576-5598,00-POLICIA+BRASILEIRA+TEM+CARTABRANCA+PARA+MATAR+SEGUNDO+ONU.html>. Acessado em 01/06/2015;

5. Disponível em <https://dariodasilva.wordpress.com/2014/02/12/violencia-urbana-suas-determinacoes-e-como-resolve-la/&gt;. Acessado em 01/06/2015.

6. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf&gt;. Acessado em 01/06/2015;

7. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482004000100003&gt;. Acessado em 01/06/2015;

8. Disponível em <http://pt.globalvoicesonline.org/2012/10/15/brasil-violencia-policial-e-privatizacao-do-espaco-publico-em-porto-alegre/&gt;. Acessado em 01/06/201

Fonte: https://dariodasilva.wordpress.com/2015/06/02/violencia-como-espetaculo/