Paraguai: intervenção imperial

Os fatos ocorridos no período recente mostram, sem margem de dúvidas, que o Paraguai continua na mira do intervencionismo imperialista. Intervencionismo que se constitui em um ingrediente essencial da trama de condicionamentos e ameaças que socavam a estabilidade do governo de Fernando Lugo.

Está sendo aplicado neste país – embora não somente aí – um esquema imperial de intervenção e ocupação que abrange todos os planos e as mais diversas formas, uma política que os documentos oficiais do Ministério da Defesa dos Estados Unidos mencionam como “dominação de espectro completo” e definem como a estratégia que permitirá a força militar dos Estados Unidos cumprir seus objetivos de domínio sobre o resto dos povos do mundo. O documento Joint Vision 2020 diz textualmente que “a qualificação de domínio de pleno espectro implica que as forças dos Estados Unidos são capazes de conduzir de maneira sistemática, sustentada e sincronizadamente as operações e combinações de forças na medida de situações específicas e com o acesso e a liberdade de operar em todos os âmbitos”, inclusive no da informação”.

A ingerência norte-americana não é nova no Paraguai. Oportunamente temos denunciado a existência no chaco paraguaio da base militar Mariscal Estigarribia (com sua grande pista de aterrissagem de 3.800 metros de comprimento) à disposição do Pentágono, a base da DEA em Pedro Juan Caballero, a nordeste, na fronteira com o Brasil, assim como a série de tarefas de entretenimento militar de efetivos militares e policiais, os seminários de doutrinação e os chamados operativos Medrete realizados por oficiais do comando Sul dos Estados Unidos, em 2005 e 2006, quando o governo de Nicanor Duarte Frutos permitiu e deu imunidade, durante 18 meses, a entrada de tropas ianques autorizadas a se deslocar por todo o território paraguaio e com amplo acesso à população civil com a qual puderam cumprir “tarefas humanitárias” e de inteligência militar. É conhecida também a presença de uma embaixada americana que ocupa um extenso prédio de Assunção, juntamente com delegações da CIA (Agência Central de Inteligência), o FBI (Escritório Federal de Investigações) e a USAID (Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos).

Como já foi dito, isto não é novo, mas agora, no marco da complexa situação que afronta o governo de Fernando Lugo acontece uma nova ofensiva intervencionista e desestabilizadora, onde se põe publicamente em evidência a ingerência descarada da atual embaixadora Liliana Ayalde, que antes de se instalar em Assunção havia sido Diretora da USAID em Bogotá.

É muito importante a denúncia formulada pelo advogado Juan A. Martens, membro da Coordenadora de Direitos Humanos do Paraguai (CODEHUPY), num artigo publicado no dia 7 de setembro passado, com o sugestivo título: O Paraguai já tem seu plano Colômbia. Chama-se “Iniciativa na Zona Norte (IZN)”.

Dita iniciativa tem como base um acordo de cooperação bilateral assinado em 26 de setembro de 1961 com os Estados Unidos, durante a ditadura de Alfredo Stroessner, no marco da Aliança para o Progresso, a qual supostamente contribuiria para satsifazer “as necessidades dos povos da América Latina” em matéria de habitação, trabalho, terra, educação e saúde. Com o argumento de que a IZN é apenas um prolongamento do Acordo Geral de 1961, não foi levada a debate nem submetida à aprovação do atual Congresso Nacional, tendo em conta que aquele Acordo já havia sido aprovado há 50 anos pelo Parlamento paraguaio. “Desta maneira – assinala Martens – absteve-se do debate público e da possibilidade de que suas cláusulas sejam discutidas e analisadas de maneira exaustiva”. Denuncia, além disso, que “a iniciativa na Zona Norte tem como objetivo receber assistência dos Estados Unidos para que no Paraguai reforcemos a aplicação da lei e da segurança, a fim de reduzir o crime organizado”. “A assistência será dada por experts envidos pelo Governo dos Estados Unidos que auxiliarão instituições e funcionários governamentais” para o qual se prevê destinar um montante total de 2.228.000 dólares, num período de dois anos. Receberão assistência técnica o Ministério Público, o Poder Judiciário, o Ministério do Interior e a Secretaria Nacional Antidrogas, em assuntos como estratégias de aplicação da lei, vigilâncias e técnicas de investigação, recopilação, processamento e difusão de dados e inteligência.

“Este acordo – continua Mertens – é a entrada oficial e pública do Governo dos Estados Unidos na perseguição a organizações sociais nas províncias de São Pedro, Concepción, Amambay e Canindeyú, cujas ações de protesto e reivindicações de direitos humanos tão básicos como viver em um ambiente livre de agrotóxicos ou contar com um pedaço de terra, há muito tempo são considerados delitos e seus membros processados por associação criminosa pelos agentes do Mistério Público”.

Tem que se levar em conta que no Paraguai já existe uma chamada “Lei antiterrorista” que se aplica para criminalizar os protestos sociais e reprimir, processar penalmente, encarcerar, condenar, os lutadores. Mas o novo Acordo com os Estados Unidos agrava as coisas ao somar-se “à série de disposições legais que reforçam a aplicação de um direito penal do inimigo no Paraguai, ou seja, uma lei especial, com menos garantias para aqueles que são considerados, a partir de determinados centros de poder, como inclinados ao mal”.

Igualmente valiosa para jogar luz sobre esta nova onda intervencionista no Paraguai é a palestra apresentada no IV Encontro Internacional da Sociedade de Economia Política do Paraguai. Nesse trabalho, aparece a embaixadora Ayalde nos assuntos internos do Paraguai (que se permite alentar abertamente a candidatura do vice-presidente Franco, para substituir Lugo no governo nacional), assim como o alinhamento com os objetivos do Plano Colômbia dos ministros do Interior, Rafael Filizzola, e de Relações Exteriores, Héctor Lacongnata. Em particular, o autor denuncia que “Filizzola viajou várias vezes para a Colômbia, onde assinou convênios de cooperação com o ex-presidente Álvaro Uribe, para fortalecer a política de segurança interna do Paraguai”.

Em uma postura diametralmente oposta, o então ministro de Defesa Nacional, Luis Bareiro Spaaini, recusa a intromissão imperialista e especificamente, em uma nota remetida no dia 10 de agosto passado ao chanceler Lacognata, opõe-se “ao projeto de Carta Acordo sobre a Iniciativa na Zona Norte (IZN) entre o governo da República do Paraguai e o governo dos Estados Unidos da América para a entrada, em território nacional, de militares norte-americanos que não estejam em serviço, para tarefas de inteligência e entretenimento”.

“Em síntese – continua Méndez Grimaldi – os Estados Unidos pretendem fazer entrar no Paraguai elementos de sua inteligência, que não sejam militares em serviço ativo, comumente denominados mercenários em outros teatros de operações. O mecanismo libera o exército dos Estados Unidos de toda responsabilidade diante de crimes de lesa humanidade cometidos ultimamente no Iraque, no Afeganistão e em outras nações agredidas pelo império norte-americano. Resumindo: garante a impunidade do pessoal de entretenimento e de inteligêcia”.

Finalmente a postura patriótica do ministro de Defesa é derrotada e Bareiro Spaini, o 25 de agosto, é forçado a renunciar. Por esses dias, chega a Assunção o subsecratário adjunto de Defesa para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Governo dos Estados Unidos da América, Dr. Frank Mora, em uma visita para promover a colaboração entre os Estados Unidos e a América em matéria de segurança. Os jornais locais informaram que os “Estados Unidos querem reimpulsionar a cooperação (com o Paraguai) na área militar”. Isso mesmo, disse Frank Mora a Fernando Lugo quando foi recebido em 24 de agosto no Palácio do governo.

Pouco depois, Frank Mora e a embaixadora Liliana Ayalde foram à província de Concepción e ali, entre outras coisas, informaram para a imprensa sobre seu interesse no projeto de cooperação IZN e a vontade dos Estados Unidos de continuarem colaborando em “programas para dar segurança e atenção médica, além de projetos de produção agrária e a criação de microempresas”. Como indica o trabalho de Méndez Gromaldi, antes citado “O Paraguai está na agenda da expansão norte-americana, para a qual foi ampliado o orçamento da USAID para o presente ano”.

Além dos programas mencionados para o campo, a visita de Frank Mora teve outro inquietante resultado: os ministros de Obras Públicas e da Fazenda do Paraguai assinaram um acordo com a USAID para a assistência técnica da concessão dos aeroportos do país ao setor privado. A Agência investirá nisso 391.000 dólares. Que empresas se beneficiarão com a privatização? Por que os Estados Unidos estão interessados nos aeroportos? Levando-se em conta a experiência argentina com a privatização, por exemplo, da Fábrica Militar de Aviões de Córdoba (agora novamente estatizada) que foi adjudicada à norte-americana Lockheed Martin, provedora do Pentágono, não é difícil deduzir que a beneficiária será alguma grande empresa imperialista. Mas há algo mais a ser temido e isso tem a ver com os atuais projetos geopolíticos do império, que para serem realizados, os Estados Unidos precisam do controle político e militar dos grandes aeroportos da região, como o Mariscal Estigarribia, Palanquero, Palmerola ou Malvinas, como muitas vezes denunciamos.

Certamente estas notas não esgotam o tema. Temos que acompanhar com atenção o desenvolvimento da situação e dos novos avanços intervencionistas. Mas algo pode ser afirmado e é que as consequências dos fatos descritos podem envolver não somente o Paraguai, mas toda a região.

Buenos Aires, 1º de outubro de 2010

*RINA BERTACCINI, presidente do Movimento pela Paz, pela Soberanía e pela Solidaridade entre os Povos (Mopassol), Argentina

Fonte: http://alainet.org/active/41334

Traduzido por: Valeria Lima

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