Pensando na Colômbia…. PAZ, ARMAS, SONHOS, DÚVIDAS… DEFINIÇÕES IMPERIOSAS

imagemNarciso Isa Conde

As guerras, inclusive as mais justas e dignas do universo são, definitivamente, horríveis, terríveis, cruéis, dolorosas…

Situado sempre do lado da insurgência popular, com orgulho de ter defendido o sentido de justiça de sua insubordinação armada, me alegram infinitamente os avanços para o desejo de paz expresso no singular e delicado acordo sobre “justiça restaurativa” acordado na MESA DE DIÁLOGOS DE HAVANA.

O maior desafio está pendente.

Ao se encerrae esse ponto da agenda, o comandante das FARC-EP, Timoleón Jiménez, em nome da “guerrilha histórica” que representa, declarou com grande propriedade:

“Temos a satisfação de anunciar que esta jurisdição especial para a paz foi planejada para todos os envolvidos no conflito – combatentes e não combatentes –, e não apenas para uma das partes, a partir de uma perspectiva fundamentalmente restaurativa, abre a possibilidade de oferecer Verdade detalhada e plena, para sentar bases para a reparação e não repetição, que satisfaça os direitos das vítimas e as expectativas de reconciliação da sociedade”… “Cabe às partes agora multiplicar os esforços dirigidos à construção de consensos que nos aproximem do Cessar-fogo bilateral, de definições sobre a deposição das armas e a transformação das FARC-EP em movimento político legal, gerando condições específicas como a do desmonte do paramilitarismo”.

Se o consenso neste ponto sobre justiça é tão transcendente como o cuidado e a honestidade em sua estruturação e implementação pendentes como processo dentro de uma transição; o relacionado com “cessar-fogo bilateral, definições sobre deposição das armas, desmonte do paramilitarismo e transformação das FARC-EP em movimento político legal”, é o maior dos desafios encarados e por encarar, e uma vez que é a temática de maiores riscos, sobretudo para a insurgência e para o destino da alternativa democrática.

Muito resistiu o Presidente Santos, que exige pressa em cada passo nas negociações, em cessar-fogo por sua parte, em corresponder ao gesto persistente das FARC e em dar um passo definitivo nessa direção.
A tônica repressiva de seu regime contra a sociedade se mantém e enquanto se acorda a possibilidade da “anistia mais ampla possível”, os cárceres recebem mais presos políticos, inclusive 319 do movimento político-social MARCHA PATIÓTICA, liderado por Piedad Córdoba; e não cessam os assassinatos, perseguições e repressões contra os movimentos sociais e das esquerdas em luta.

O paramilitarismo continua desfrutando de proteção estatal e do poder, sem oferecer sinais consistentes em direção a seu desmantelamento.

Muitas das políticas sociais acordadas nos diálogos não se traduzem em variações apreciáveis das velhas linhas governamentais. Entre as palavras e os fatos mediam abismos significativos a nível oficial. É observável um contraste entre o avanço dos acordos pró-paz e pró-democracia na Mesa de Diálogo e a dinâmica do Estado e do governo colombiano no interior do país.

O governo não quer que sejam mencionadas as 7 bases militares estrangeiras e nem o sistema de intervenção orquestrado com o PENTÁGONO, a CIA, o MOSSAD, que tutelou a guerra e o terrorismo de Estado. Tudo isto em meio ao que o Papa Francisco, reforçando análises muitos consistentes, denominou de “Terceira Guerra Mundial aos Pedaços”; acompanhada também de pérfidos planos conjuntos colombo-norte-americanos destinados a reverter o processo venezuelano.

“Deposição de armas”: definições pendentes.
A militarização da sociedade colombiana, a beligerância política de seus corpos armados e de segurança, o ultradireitismo uribista e não uribista, o paramilitarismo como engendro estatal e narco-militar, o sistema de intervenção pentagonista e a degradação da soberania – acompanhada de um neoliberalismo duro e persistente – têm uma relação direta com o tema da “deposição de armas”, a democratização real e a saída pacífica estável e duradoura do conflito social armado.

Porque a “deposição das armas”, que não equivale à “entrega” tal e como a planeja o governo, não compete apenas às FARC-EP ou ao ELN. É um assunto mais global e muito mais complexo, todavia por definir-se na Mesa e na realidade, que não deve se separar de certos compromissos transcendentes em torno dessas outras questões cruciais da dinâmica militar e paramilitar no interior da sociedade colombiana e em sua relação com o sistema imperialista.

Isto necessita de definições como bem assinalou reiteradamente a Delegação de Paz das FARC-EP e o reitera agora o camarada Timochenko.

A isso – digo eu – não se deveria colocar a camisa de força dos prazos no tempo, mas as garantias e fatos para que a paz a conquistar não seja reduzida fundamentalmente a uma desmobilização unilateral das forças irregulares, mas a transformações e normativas que toquem todas as partes envolvidas e eliminem os riscos de repetição do terrorismo de Estado e predomínio do despotismo. Isto sem deixar de apostar conquistá-lo o mais rápido possível.

Em um país assim, com essas hegemonias, qualquer força insurgente comprometida com a mudança radical deve ter o cuidado de não se desarmar fora do tempo.

As experiências de desmobilização insurgente, que não contemplaram essa complexidade e não encerraram o passado da guerra suja e repressões brutais, tiveram resultados fatais.

Acordo recente em definitivo: uma trama desafiadora.

O acordo recente sobre justiça não coloca prazo preciso no acordo final e definitivo, pendente de entendimentos chaves, aos quais não se chegou; ainda que obviamente exista interesse de avançar o mais rápido possível. Os 6 meses é uma ideia-pressão do Presidente Santos.

“No caso das FARC-EP – acrescenta o acordo comentado – a participação no sistema integral estará sujeita à deposição de armas, que deverá começar no mais tardar 60 dias após a assinatura do Acordo Final”. Porém, nem está definido o que se entende por “deposição de armas”, nem tampouco o tempo que deve durar esse processo em relação à execução do resto dos acordos.

Neste aspecto, sou da firme convicção de que as armas que cada povo conquista em sua ação de combatividade e heroísmo jamais deveriam ser entregues a seus adversários e/ou inimigos; ainda mais se as forças sociais e políticas que os representam continuam exercendo o controle em um mundo tão conturbado como o atual e em uma situação internacional tão incerta como mutável.

Nos casos em que se proceda com a desistência de seu uso para avançar em outras direções, procederia deixar de empregá-las em termos ofensivos tendo em vista as conquistas importantes. Deveriam, consequentemente, ter um destino diferente, talvez inédito: primeiro como reserva e garantia de que o acordado seja cumprido, depois como componente defensivo das novas formas de poder e, mais tarde, como parte dos resíduos de um desarmamento geral.

Sonho com uma Colômbia sem paramilitares, sem falsos positivos, sem torturadores, sem presos políticos, sem confrontos militares, sem impunidade, criando democracia e justiça social sem bases estadunidenses, com soberania.

Sonho com FARC-EP e ELN atuando abertamente na política e nas lutas sociais, com a garantia de que não ocorrerá com eles o mesmo que sucedeu com o M-19 e a UNIÃO PATRIÓTICA…

Creio ser correto apostar agora em trilhar esse rumo, sem se prender irremissivelmente a ele.
Creio que na trama transcorrida para tentar empreendê-lo, procurando mudar significativamente o quadro político-institucional, determinadas políticas públicas e programas sociais, se avançou na criação de uma plataforma que poderia servir a esses fins, inclusive com a possibilidade de ser ampliada e aprofundada.

Falta, claro está, outra trama e falta a maneira de constitucionalizar os acordos em sua totalidade, para encerrar satisfatoriamente esse processo.

As FARC-EP e amplos setores da sociedade propõem uma ASSEMBLEIA CONSTITUINTE com esses fins, o que abriria as comportas para uma maior participação do povo soberano e tornaria mais difícil qualquer retrocesso.

Portanto, de agora em diante a intervenção do povo colombiano e a grande diversidade de seus atores políticos e sociais será de vital importância para o melhor desenlace desta luta. Penso que os líderes das insurgências e das esquerdas transformadoras possuem plena consciência dessa necessidade e contribuirão para que assim seja.

Creio na sinceridade e na boa disposição de seus dirigentes para cumprir os compromissos contraídos nessa e outras direções.

Creio em sua boa intenção, em sua honestidade e lealdade aos melhores valores.

Não nesse Estado, nesse poder dominante, na máquina da classe opressora e suas intenções malvadas. Não neste império decadente e criminoso, sempre à espreita de todo avanço, de toda mudança positiva.
Não creio na promessa nem na declaração de intenção dos que detenham o Estado colombiano. Sua ética é a da simulação e do pragmatismo.

Vale apostar em uma paz digna.

Vale de todas as maneiras a aposta audaz na paz com dignidade, sempre que não se peque de ingênuo, que não se feche a possibilidade de novas voltas e viradas necessárias; e que sempre se pense nos antídotos para todas as armadilhas possíveis e para todas as emboscadas próprias desses inimigos perversos. Existem fortes razões para pensar assim.

Na Colômbia, ninguém conseguiu ganhar a guerra e a mesma está se tornando extremamente pesada para a sociedade. Mais de 80% do povo quer a paz e esse sentimento deve ser respeitado e canalizado em função da abertura das comportas das mudanças que pressionam as armas nas mãos do povo junto às demais formas de rebeldia. Em função de abrir a via política civil, não diretamente armada, a um conjunto de reformas nodais.

Vale apostar na paz sem o menor espírito de acomodamento ou rendição.

Por isso, ainda que entenda a urgência em sanar as feridas nas bases da sociedade, de pactuar saídas imperiosas, de produzir grandes reencontros, de reconhecer excessos ou violações, não me agrada muito falar “reconciliação nacional”.

O pacto pela paz não anula o caráter de classe das forças enfrentadas, as contradições irreconciliáveis que a motivam, os confrontos presentes e futuros em outros termos.

Se “a guerra é a política por outros meios”, a política exercida sem armas é a guerra com outros métodos… até que a contradição antagônica seja superada e o regime de exploração, exclusão e discriminação deixe de existir… até que o socialismo enterre o capitalismo atual, tão voraz, violento e degradante como podre e decadente.
28-09-2015, Santo Domingo, RD.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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