Reflexões sobre as conversações de paz em Havana

imagemPor Delegação de Paz das FARC-EP/ Resumen Latinoamericano/novembro de 2015 – Havana, Cuba, sede dos Diálogos de Paz

Há três anos, neste mesmo cenário, incentivados pela esperança, iniciamos uma nova tentativa de deixar para trás, mediante um diálogo civilizado, mais de meio século de luta armada originada na violência do poder e na exclusão.

Contávamos nesse momento, como hoje, com o inextinguível anseio de paz do povo da Colômbia, a incomensurável ajuda solidária de Cuba, da Venezuela bolivariana de Hugo Chávez e dos governos da Noruega e Chile que, com seu humanismo, nos animam a regressar ao país com o acordo da reconciliação. Esta tem sido nossa vontade e em função da mesma temos trabalhado sem descanso, porém não tem sido fácil. Ainda que tenhamos obtido importantes conquistas parciais, que nos aproximam da possibilidade do fim do conflito, agora se impõem grandes dificuldades apenas superáveis com a concordância plena do povo.

Os avanços na Mesa se sintetizam na assinatura de nove acordos fundamentais, três deles se referem de maneira direta a pontos específicos da Agenda: Reforma Rural Integral, Participação Política e Nova Política Antidrogas, cada um com ressalvas que somam 28 no total. Estes se complementam com outros entendimentos sobre Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, Comissão para o Esclarecimento da Verdade, a Convivência e a Não Repetição, Agilizar as conversações em Havana e diminuição o conflito na Colômbia, Descontaminação do território de artefatos explosivos, Busca de pessoas dadas como desaparecidas no contexto e desenvolvimento do conflito, Unidade de busca para similares propósitos, e um acordo de Jurisdição Especial para a Paz, que infelizmente vinha sendo permeado de incertezas após seu anúncio público.

No presente, e há um ano e meio, tentamos fechar um novo acordo que contemple as vítimas do conflito, oferecendo suficiente Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição em condições de dignidade e de respeito ao conjunto de seus direitos humanos, incluindo os escamoteados Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, que gerem o bem viver que clamam as maiorias.

Este panorama, ao qual se somam os passos dados pela subcomissão técnica no projeto da formulação do Cessar bilateral do fogo e Renúncia às armas, ou seja, sua não utilização na política pela guerrilha e pelo Estado, sem dúvida, mostra que as perspectivas de alcançar um Acordo Final brilham como nunca antes no horizonte da Colômbia. Não obstante, conspiram contra isso obstruções e desavenças que não deveriam estar instaladas como nuvens que obscurecem a confiança construída com tanto esforço a partir do inestimável apoio que a população humilde e outros setores ofereceram ao processo com desprendimento.

O unilateralismo, a teimosia intransigente, o egoísmo político excludente, a ausência de sentido comum, a mesquinhez de classe, o descumprimento da palavra empenhada por parte do bloco do poder dominante, continuam atravessando como mulas mortas na metade do caminho. Porém, quisemos que o país de uns poucos que descrevemos no discurso de Oslo, fosse substituído, com a concordância dos colombianos, por um país para todos, no qual já não existisse a miséria, a desigualdade, a exclusão política, as segregações de todo tipo e a carência de democracia.

Não se pode continuar persistindo na aplicação de políticas neoliberais que sacrificam e vitimizam o conjunto da sociedade, e em especial os mais pobres, jogando fora a soberania nacional e condenam o país a continuar no confronto. Não se pode permanecer dilapidando o erário público em um gasto militar e de guerra e, menos ainda, lançando-o ao fosso da corrupção e da voracidade mesquinha dos privilegiados.

Por outro lado, como disse o Libertador, “a Verdade pura e limpa é a melhor maneira de persuadir” e que é necessário não adiantar um pacto de impunidades. Devemos fazer certo o propósito de que essa verdade seja assumida pelo conjunto dos atores do conflito, sem que fique excluída, como se pretende, a casta dirigente e o Estado que a representa, supremos responsáveis pelas causas e as consequências de uma guerra que se converteu na mais duradoura do hemisfério.

Por que temem agora este julgamento necessário: os que executam o poder, os que enriqueceram com a miséria do povo, os que nos impedem de dar um abraço de irmãos, devem como os demais, oferecer verdade exaustiva, sem entrincheirar-se em imunidades para não assumir suas próprias responsabilidades? Porque se algum nicho de impunidade ocorreu ao longo da história é o que construíram os de cima para manter-se no poder.

Basta de desculpas quando se sabe, de maneira aberta, que seu paramilitarismo, vindo da Doutrina da Segurança Nacional e da concepção do inimigo interno, aniquilou organizações como a União Patriótica, A Luchar e outra imensidão de dirigentes e lutadores sociais que, com seus peitos abertos, reclamavam seus direitos mais elementares e a possibilidade de uma Colômbia diferente. Basta de mais assassinatos de defensores de direitos humanos, reclamantes de terra e militantes de movimentos políticos alternativos, que é o que ainda hoje está ocorrendo sem considerar, por indolência, que estamos em meio a um processo de paz. Sem mais delongas, é preciso esclarecer e desarticular o fenômeno do paramilitarismo.

Também queremos expressar que não é admissível que todo gesto unilateral da insurgência seja interpretado como expressão de fraqueza e que, então, se aperte com novas exigências de submissão, pretendendo a ilusão da rendição do povo em armas. Temos nossos corações cheios de um desejo irrefreável de paz. Viemos a Havana para levantar as bandeiras sociais e políticas pelas quais o povo lutou a vida toda.

Insistimos em que queremos avançar, sem perder a memória, tendo presente que esta nossa terra continua sendo como o Macondo, de Cem Anos de Solidão, onde ocorre o inaudito. Aqueles que debaixo sempre lutaram pela paz não esquecem, por exemplo, que na tentativa de paz do ano de 1957, foi assassinado o dirigente agrário marquetaliano Jacobo Prías Alape; não esquecem que com apenas 38 dias de assinado o acordo de paz com o M19, seu comandante Carlos Pizarro foi assassinado por homens armados enquanto viajava em um avião; e não esquecem, entre muitos outros crimes de Estado, que enquanto adiantavam os primeiros contatos para abrir uma nova esperança de paz à Colômbia, o comandante das FARC, Alfonso Cano, foi crivado de balas em estado de indefesa por ordem de seu interlocutor.

Insistimos em que estamos prontos para assinar um acordo de paz que abra as fechaduras do poder constituinte do soberano, porém como ficarão os afãs daqueles que, após assinar o compromisso de Agilizar em Havana e diminuir na Colômbia, colocaram freio às dinâmicas da Mesa, enquanto se hostiliza o movimento popular e se expande a militarização do território, assediando uma força insurgente que cessou suas ações ofensivas contra a Força Pública e a infraestrutura econômica?

Se a paz é assunto de toda sociedade em seu conjunto, não é a partir de um ato legislativo ou de um plebiscito não consensual que se vai alcançar o referendo e a implantação dos acordos, menos ainda quando nem sequer abordamos na Mesa o debate de dita temática. Para dar um encerramento pleno aos assuntos que tocam o ponto FIM DO CONFLITO e em especial seu número 5, referente às mudanças institucionais, para que este e o conjunto dos aspectos mais complexos de dissenso sejam resolvidos, não existe outro caminho que o de uma Assembleia Nacional Constituinte, a fim de que seja o povo, empenhando todas suas potencialidades, que outorgue segurança jurídica ao tratado de paz duradouro e não ocorra que governos futuros se aventurem a apagar o que se se construa com sacrifício e abnegação.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/11/20/colombia-reflexiones-sobre-las-conversaciones-de-paz-en-la-habana/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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