Colômbia, Paramilitarismo: perseguição e crimes contra o movimento popular

imagemPor Diana Nocua*, Resumen Latinoamericano, Semanario Voz /15 de abril de 2016 – A depuração das instituições, os organismos de controle, o aparato militar, os órgãos de tomada de decisão do país, as leis que sustentam dito fenômeno, entre outras, são ações necessárias para que a sociedade colombiana possa alcançar uma mudança democrática.

Desde finais dos anos 50 e começos dos anos 60, no contexto mundial da guerra fria e no auge da recente revolução cubana, o Estado colombiano, cumprindo as diretrizes dos Estados Unidos, implementou uma estratégia contrainsurgente que se caracterizou pela vinculação da população civil à guerra a nível político, social econômico e militar. Em consequência, se aumentou o recrutamento de civis para apoiar o Exército e se considerou como alvo militar as nascentes organizações sociais e populares, os sindicatos agrários e de indústria.

É precisamente a partir da implementação da doutrina contrainsurgente, quando começam a desencadear os eventos de violência sociopolítica mais cruéis de nosso país. O Manual de 1963 afirmava que “O habitante, dentro deste campo de batalha, se encontra no centro do conflito (…) é o elemento mais estável. Querendo ou não, os dois campos estão obrigados a fazê-lo partícipe no combate; em certa forma se converteu em um combatente” (p. 34), afirmando mais adiante que “É entre os habitantes que se desenvolverão as operações de guerra; as atividades da população se verão limitadas em todos os campos de ação” (p. 51).

Em meados dos anos 90, especificamente no ano de 1994, o presidente César Gaviria aprovou o funcionamento das Associações de Vigilância Rural (Convivir), legalizando de novo o funcionamento de exércitos formados por civis armados nos campos e consolidando o modelo paramilitar que vinha crescendo desde meados dos anos 80; modelo que permeou os modos de vida dos habitantes de amplias regiões do território nacional.

Ainda que durante a administração de Gaviria tenham se estabelecido as bases legais para a criação das Convivir, foi o governo de Ernesto Samper que implementou seu funcionamento. Com a colocação em marcha das Convivir e o posicionamento do paramilitarismo em todo o país, aumentaram os massacres, os assassinatos seletivos e os desaparecimentos forçados. Entretanto, o poder político, econômico e social das estruturas paramilitares iria posicionando-se em regiões inteiras da geografia nacional.

Em 1998, já tinham ocorrido três “reuniões” do movimento de autodefesas e se proclamaram como Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). De 1988 ao ano de 2003, as Autodefesas Unidas da Colômbia cometeram: 12.398 assassinatos, 2.121 desaparecimentos forçados, obrigaram mais de 6 milhões de camponeses a sair de suas terras e se apropriaram de mais de 8 milhões de hectares de terra. Como sugere o Padre Javier Giraldo no Informe da Comissão Histórica, “o entrelaçamento da guerra contra as drogas e a guerra contra a insurgência ambas orientadas e monitoradas pelos Estados Unidos, dá lugar a análises contraditórias” 1 (p. 424).

O narcoparamilitarismo é mostra disso, seja mediante a criação de estruturas privadas com financiamento das forças estatais, promovendo o despojo mais descomunal de terras que se produziu na história colombiana, seja mediante alianças políticas, controle territorial de amplias regiões do país, através da execução de massacres e deslocamentos massivos de população que hoje calculam mais de 6 milhões de deslocados e o despojo de mais de 8 milhões de hectares de terras2.

Apesar de se afirmar que as estruturas paramilitares já não existem no país e que os grupos formados por alguns de seus integrantes respondem à delinquência comum, estas estruturas mantêm, seu poder econômico, político e social hoje em dia, em vários departamentos do país.

Na investigação realizada pela Fundação Paz e Reconciliação, se apresentam claros indícios de como, quase 10 anos depois de se visibilizar a grave problemática da parapolítica no país, se mantêm as mesmas relações entre as elites locais e as estruturas paramilitares, as quais não perderam o controle territorial, político e econômico; em várias regiões se expressam a partir dos vínculos ainda vigentes com políticos empresários, pecuaristas e latifundiários em pelo menos 10 departamentos do país; onde, pelo menos, 131 candidatos, 83 à câmara e 48 ao senado, foram duramente questionados por suas relações com o paramilitarismo, embora para o governo estas estruturas já não existam e o que se expressa na atualidade é manifestação do poder das bacrim3.

Como parte da radiografia do poder econômico, político e social alcançado por estas estruturas paramilitares, pode assinalar-se o monopólio da pecuária ilegal, da saúde e da segurança privada em várias regiões do país, ao qual se somam os negócios frente à pecuária, à produção de monocultivos e exportação de alimentação como se expressa com a indústria bananeira, entre outros.

Os últimos dois governos de turno argumentam que só persistem grupos organizados de delinquência comum, chamados “Bandos Criminosos Emergentes” ou “Bacrim”, unicamente ligadas ao tráfico de entorpecentes4.

Posicionamento político do paramilitarismo em sua nova fase: eleições 2015

Apesar da suposta desmobilização paramilitar, entre os anos de 2012 e 2015, surgiram novas estruturas paramilitares como o Exército Antirrestituição de Terras, estrutura que começou a executar um plano de extermínio contra os líderes agrários e sociais, em várias regiões do país, principalmente na Costa Caribe e no Pacífico colombiano. Assim, se aumentou a perseguição contra defensores de habitantes da rua e população LGBTI entre outros.

Paralelo a isso, o poder e controle político do paramilitarismo seguiram, estendendo-se em numerosas regiões do país.

No informe publicado pela Fundação Paz e Reconciliação em 2014, se expressa como: 131 candidatos, 83 à Câmara e 48 ao Senado, seriam questionados por suas relações diretas ou indiretas com ilegais5. Em dita investigação, se faz referência a 97 candidatos herdeiros diretos das relações da parapolítica, amigos, irmãos familiares próximos e aliados daqueles que foram condenados anos atrás por suas conexões com as estruturas paramilitares. Outro segundo grupo de 34 candidatos às eleições teria relação direta com membros das bacrim, narcotraficantes e pessoas ligadas à corrupção, entre outros (Paz e Reconciliação, 2015).

Na região Caribe se apresentaram casos como o de Rosa Cotes, esposa do parapolítico Chico Zúñiga, condenado por parapolítica. Apesar disso, Rosa se apresentou como candidata ao governo do departamento de Magdalena, sem maior concorrência. Rosa herdou os laços e relações políticas de seu esposo, que fazia parte do Clã Los Cornejos, contando para isso com o apoio de parapolíticos como Poncho Campos, Jorge Caballero e Trino Luna (Paz e Reconciliação, julho de 2015).

Como Rosa Cotes, Oneida Pinto, herdeira de Kiko Gómez e candidata ao governo de La Guajira, integraram as listas do partido Cambio Radical. Paralelamente, se faz menção ao candidato à Prefeitura de Cartago que é conhecido como intermediário dos narcotraficantes da zona com altos políticos e próximo daqueles que, no momento, integraram o Cartel de Cali, além de suas proximidades como o cartel de Los Comba e Los Rastrojos (Paz e Reconciliação, 2015).

Em consequência, com as passadas eleições se reconfigura o mapa político do país; partidos políticos com uma nula ou pouca presença se obtiveram o poder local em diversos municípios e regiões, abarcando zonas que antes não eram próprias de sua ação. Os partidos políticos se caracterizaram por sua inoperância e omissão frente à atuação delinquente daqueles políticos investigados, que fizeram desta prática corrupta e criminosa o dia a dia da política nacional.

Os clãs, alianças e acordos para governar o país desde os níveis locais e municipais, até o departamental e nacional colocam em evidência a grave problemática social e política que levou a uma burocratização e corrupção permanente das instituições de nosso país. Isto se expressa em problemáticas sociais como a de La Guajira: “O Governo de La Guajira custa 6 milhões de dólares, não existe quem compita com isso. Os senhores Char vieram investir dois ou três bilhões ao Governo do Atlântico, quem compete com isso?”.

Nova onda de perseguição e guerra suja. Violência sociopolítica contra o movimento social e popular: 2015 e 2016

No marco dos atuais diálogos de Paz entre o governo colombiano e as FARC-EP e as aproximações para gerar um processo de igual magnitude com o ELN, nenhuma das estratégias de repressão do aparato estatal se modificaram: o Estado continua utilizando e aumentando seu material bélico, para forçar que as opções políticas de seus cidadãos sejam em benefício dos interesses da elite dominante e continua combinando todas as formas de luta contra “o inimigo interno”, incluindo o terror militar e jurídico contra os mais vulneráveis para aniquilar as opções alternativas da sociedade6.

Embora o ministro do Interior e o governo neguem a permanência dos grupos paramilitares, argumentando que estes se desmobilizaram há mais de 10 anos, a ação de estruturas como o Clã Úsuga, as Autodefesas Gaitanistas (urabeños), as Águilas Negras, e Rastrojos entre outros grupos, mantêm o mesmo modo de operar das antigas estruturas paramilitares. Assim,

1) controlam o pode local em amplas regiões do país a partir da infiltração nas instituições e cargos públicos com a coadjuvância das elites e classe política dirigente (casos como Córdoba, Chocó, Casanare e Urabá dão conta disso),

2) evidenciam relações com as forças militares e policiais em várias zonas do país, principalmente nos limites das fronteiras nacionais,

3) continuam com a perseguição às organizações sociais e populares, o estigma aos defensores de direitos humanos e líderes sociais, e o controle social por parte de ditas forças a partir do terror e da intimidação, mediante alianças com criminosos e delinquentes.

No contexto dos diálogos de paz, a perseguição sistemática contra aqueles que se opõem ao status quo na Colômbia segue aumentando, como evidencia o caso da Marcha Patriótica, Movimento Político e Social assinalado reiteradamente pelo governo como o braço político das FARC-EP, cenário que em 4 anos de constituição teve que enfrentar o assassinato de, pelo menos, 116 de seus integrantes. Os 116 casos de assassinato contra membros da Marcha dão conta de, pelo menos, 54 assassinatos pretensamente cometidos por grupos paramilitares em regiões como Antioquia, Cauca, Norte de Santander, Chocó, Nariño e Valle del Cauca. Vários dos casos foram perpetrados pelas Autodefesas Gaitanistas.

O informe apresentado em 13 de abril passado pelo Cinep, por sua vez, mostra como em 2015 os grupos paramilitares foram os principais responsáveis por violações aos direitos humanos: foram cometidos por paramilitares 1.064 eventos no total, entre eles 873 ameaças, 2 atentados, 99 execuções extrajudiciais, 71 ferimentos, 18 torturas e 1 violação sexual. A maioria dos casos ocorreu em Bogotá, Cauca, Santander e Valle del Cauca. Em relação às infrações aos DIH, entre elas ameaças, ferimentos a pessoas protegidas e homicídios intencionais em pessoa protegida, os paramilitares aparecem como os maiores infratores, com 838 eventos fatais, acontecidos em Bogotá, Cauca, Valle del Cauca, Santander e Antioquia, principalmente7.

A greve armada e as dinâmicas atuais da ação paramilitar contra o movimento social e popular

Durante a última semana de março de 2016, em coincidência com a mobilização contra o processo de paz liderada por Álvaro Uribe Vélez, o Clã Úsuga declarou a colocação em marcha de uma greve armada, principalmente no noroeste do país, pondo em evidência como a natureza do paramilitarismo, sendo expressão de setores ligados ao narcotráfico, às rendas da mineração ilegal e à extorsão e à renda da terra sobre a base da grande propriedade agrária e da oposição à Lei de Restituição de Terras, se manifesta nos processos de controle social8.

A grave problemática em matéria de direitos humanos que se apresentou em departamentos como Antioquia, Chocó, Sucre, Córdoba e Bolívar, mediante a imposição do terror e dos ataques indiscriminados contra a população civil, colocam em manifesto a estrutura militar, política e econômica que têm atualmente os grupos paramilitares.

A nula ação do Estado ante esta greve foi denunciada pelas comunidades do norte do país: “em Antioquia foi assassinado um militar ocorreu um bloqueio de vias e o próprio Governo reconheceu que se reduziu o comércio e o transporte de 18 municípios. Em Córdoba, confirmamos com fontes no terreno que uns 12 povoados (quase metade do departamento) da margem esquerda do rio Sinú, a zona costeira e o sul pareciam povoados fantasma. Os colegios nao tiveram aulas. Um secretário, muito assustado, nos contou por telefone que todo o mundo se fechou em suas casas porque tinham motocicletas patrulhando na zona rural e a Polícia não enviou reforços”9.

Nas últimas duas semanas aumentaram as ameaças e violações aos direitos humanos contra o movimento social e popular, como evidenciam os seguintes casos: Organizações do MAPA Bogotá e plataformas sociais e populares foram ameaçadas no transcurso da presente semana na Cidade Bolívar por parte do grupo paramilitar “Las Águilas Negras – bloco Capital”; em 13 de abril de 2016, no departamento de Nariño, município de Tumaco, paramilitares das Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC) transitaram por zonas povoadas, intimidaram e realizaram tentativa de homicídio contra o campesino afrodescendente integrante da Asocret, Franklin Quiñones Tenorio, do Processo de Unidade Popular do Sudoeste Colombiano (Pupsoc), do Movimento Político e Social Marcha Patriótica no departamento de Nariño e da Conafro.

No departamento de Antioquia, município de Bagre, foram feridos três civis, no marco de enfrentamentos entre o ELN e paramilitares do Clã Úsuga; entretanto no departamento do Valle del Cauca e na cidade de Bogotá, nas últimas semanas, circularam vários panfletos ameaçadores de grupos militares que declaram como alvo militar líderes sociais, defensores de direitos humanos e organizações de mulheres, entre outros espaços organizativos. No departamento de Tolima, foi ameaçado pelas AUG o dirigente Juan Gabriel Bermúdez Sánchez, porta-voz da Marcha Patriótica – Tolima. Adicionalmente, a porta-voz do Movimento Popular de Artistas da Costa Caribe Cristina Bustillo, foi acusada recorrentemente por redes eletrônicas, o que coloca em grave risco sua vida e integridade física.

Ante este panorama, não é demais perguntar até onde será possível para as comunidades enfrentar o extermínio e a perseguição frente à necessidade de construir uma paz estável e duradoura que se materialize na tão ansiada justiça social.

Conclusões e apostas para o desmonte efetivo do fenômeno paramilitar

É preciso reafirmar que para a construção de uma paz estável e duradoura é fundamental o desmantelamento das estruturas paramilitares, sendo estas o principal obstáculo para a construção de um país democrático de ampla participação popular.

Hoje, o povo colombiano enfrenta uma realidade que deve ser transformada, visando a construção de um país em paz com justiça social. Apesar do Estado colombiano ter promovido e financiado a criação dos paramilitares, nunca reconheceu publicamente sua responsabilidade nesta grave problemática que sangrou nosso país por mais de 60 anos. É por isso que se defende especial relevância da Jurisdição Especial para a Paz, como instrumento para recuperar a memória frente às graves violações aos direitos humanos e infrações ao DIH, que ocorreram no marco do conflito e da violência sociopolítica na Colômbia.

O fenômeno social, político e econômico que supõe a persistência do paramilitarismo é claramente um risco eminente para que a paz possa ser materializada. Nesta via, a depuração das instituições, os organismos de controle, o aparato militar, os órgãos de tomada de decisão do país, as leis que sustentam dito fenômeno, entre outras, são ações necessárias para que a sociedade colombiana possa alcançar uma mudança democrática.

Por outro lado, a depuração das instituições, a necessária luta contra a corrupção, a recuperação dos bens do Estado, monopolizados pelos paramilitares, como a saúde e a mineração, a pecuária, os cultivos de palma azeiteira entre outros, são passos necessários para que a Colômbia conquiste a solução política e se constituam novas bases para a democracia.

Não basta apenas reformar ou mudar a Constituição e as leis prejudiciais ao povo colombiano ou aquelas que deram suporte historicamente ao paramilitarismo; se requer a participação e compromisso político da sociedade colombiana, dos grêmios econômicos, partidos políticos, setores acadêmicos, movimentos sociais e populares, Forças Militares e expressões sociais e políticas, para que não se repitam nunca mais as graves violações aos direitos humanos que historicamente marcaram de sangue nosso país.

  1. Informe da Comissão Histórica do conflito e suas vítimas. Giraldo Javier, p.424.
  2. Ibidem.
  3. Com a desmobilização paramilitar no marco do processo de Justiça e Paz, o Estado começou a argumentar que as estruturas paramilitares já não existem e que aqueles grupos que possuem a mesma ação, estrutura e controle territorial são bandos criminosos, mais conhecidos como bacrim, cuja existência enfoca a delinquência comum e o controle do tráfico de entorpecentes.
  4. O governo de Álvaro Uribe Vélez definiu as Bacrim como “organizações de caráter multicriminal, independentes umas das outras, carentes de qualquer tipo de ideologia, deslocando-se para zonas onde convergem as fases da cadeia de narcotráfico, chegando inclusive a consolidar alianças com grupos terroristas (FARC e ELN) e com organizações delinquentes com propósitos criminosos”. Decreto 2374 de 2010, Ministério do Interior e da Justiça, 1 de julho de 2010.
  5. http://www.lacuartavia.com/index.php/analisis/informes/1023-fundacion-paz-y-reconciliacion-estos-son-los-candidatos-mas-polemicos-para-las-elecciones-de-octubre
  6. Giraldo Javier, S.J.M., parágrafo do texto. P. 445
  7. Es fantasioso pensar que el paramilitarismo no existe: En Contagio Radio, ver:http://www.contagioradio.com/es-fantasioso-asegurar-que-el-paramilitarismo-no-sigue-vigente-articulo-22591/
  8. Hernández, Valencia Fernando. Corporación Nuevo Arcoiris. El Tal Neoparamilitarismo Si existe. En: http://www.arcoiris.com.co/2016/04/el-tal-neoparamilitarismo-si-existe/
  9. Ver: http://lasillavacia.com/historia/los-neoparamilitares-s%C3%AD-existen%E2%80%A6-hasta-en-cartagena-55304

*Diana Nocua

Equipe Técnica Comissão de Direitos Humanos

Marcha Patriótica

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2016/04/17/colombia-paramilitarismo-persecucion-y-crimenes-contra-el-movimiento-popular/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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