Colômbia, Juan Manuel Santos: outra lei de impunidade para paramilitares e seus financiadores

Artigo 4o, lei 1424, aprovada em tempo recorde: “(…) a informação que surja no marco dos acordos de que trata este artigo não poderá, em nenhum caso, ser utilizada como prova em processo judicial contra o sujeito que subscreve o Acordo de Contribuição à Verdade Histórica e à Reparação ou contra terceiros”.

Em escassos doze dias úteis, o Governo de Santos e o Congresso da Colômbia aprovaram o projeto de lei com o qual se pretende solucionar a situação jurídica dos ex-paramilitares desmobilizados não abrigados pela lei de Justiça e Paz.

Apresentado o projeto em 29 de novembro de 2010, o Congresso o aprovou em 15 de dezembro de 2010 e em 29 de dezembro se converteu na lei 1424 de 2010 “Pela qual se ditam disposições de justiça transicional que garantem verdade, justiça e reparação às vítimas de desmobilizações de grupos organizados à margem da lei, se concedem benefícios jurídicos e se ditam outras disposições”.

A aprovação ocorrida em tempo recorde mostra que também neste Governo, como no anterior, existem temas de primeira e temas de segunda prioridade; setores sociais privilegiados e setores sociais marginalizados. Temas de primeira prioridade como o destino dos que engrossaram as fileiras do paramilitarismo, que deveriam ser enviado a qualquer custo para a cadeia. Temas de segunda prioridade como o abandono social, material e psicológico das vítimas dos paramilitares e os camponeses desalojados de suas terras. Há quantos anos o Congresso vem fazendo de conta que discute a lei de terras? Há quantos anos o Congresso faz de conta que discute a lei das vítimas?

Recordemos que a Corte Constitucional deixou sem suporte a lei 1312 enquanto autorizava o Ministério Público e o Poder Judiciário a renunciar a sua obrigação de investigar e julgar, contrariando exigências de caráter constitucional e internacional de investigar e julgar crimes sobre os quais a impunidade resulta inadmissível. Tal circunstância motivou o veloz trâmite que desembocou na lei 1424 de 2010.

No apressado trâmite da lei, o Congresso agregou ao projeto apresentado pelo Governo, que a lei “tem por objetivo construir a paz duradoura”, como se a paz fosse simplesmente assunto a se resolver juridicamente para 17 a 30 mil ex-paramilitares. A paz duradoura se consegue como resultado de uma sociedade includente; uma distribuição equitativa da terra e da riqueza e a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Se na lei 1312 o Ministério Público e os juízes renunciaram a sua função constitucional de investigar e julgar, na 1424 a situação não é muito diferente. O que salta aos olhos, literalmente falando, é um enorme coelho que o Governo de Santos põe à sentença da Corte Constitucional. Vejamos por que:

A justiça se converte num súdito do Governo Nacional, enquanto, como dispõe o artigo 6oa autoridade competente, decretará a petição do Governo Nacional, através do Alto Conselho para a Reintegração ou quem o substituir, dentro de dez dias seguintes à apresentação da solicitação, a suspensão das ordens de captura…”. Em outras palavras, quem toma a decisão judicial não é o juiz e sim o Governo Nacional, o juiz perde assim sua autonomia e independência. Em outras palavras, o juiz não julga, o juiz obedece o “Governo Nacional, através do Alto Conselho para a Reintegração ou quem o substituir”.

Tal disposição contraria o artigo 228 da Constituição Política que contempla a independência das decisões dos juízes: “A Administração da Justiça é função pública. Suas decisões são independentes (…). Seu funcionamento será descentralizado e autônomo”.

Mesmo assim, o maior reparo encontra no Artigo 4o da mencionada lei 1424, mediante o qual se cria um “Mecanismo não judicial de contribuição à verdade e a memória histórica” nos seguintes termos: “Cria-se um mecanismo não judicial de contribuição à verdade e à memória histórica, com o fim de coletar, sistematizar e preservar a informação que surja dos Acordos de contribuição à verdade histórica e à reparação, e produção dos informes necessários.

A informação que surgir nos marcos dos acordos de que trata este artigo não poderá, em nenhum caso, ser utilizada como prova em processo judicial contra o sujeito que subscreve o Acordo de Contribuição à Verdade Histórica e à Reparação ou contra terceiros”. (grifo nosso)

Se as confissões dos desmobilizados não poderão servir como prova “contra terceiros”, para que serão ouvidos? O que aqui se pretende é dar via livre à impunidade, que foi uma das motivações que teve a Corte Constitucional para declarar inexeqüível a lei 1312.

Com esse preceito, as vítimas dos paramilitares voltam a serem vitimadas, desta vez pelo mesmo Estado colombiano que cerceia o direito das vítimas a obter verdade, justiça e reparação, violando o artigo 229 da Constituição Política que garante “o direito de toda pessoa ao acesso à administração judiciária”.

O Centro Internacional para a Justiça considera que “A justiça é uma resposta às violações sistemáticas ou generalizadas aos direitos humanos. Seu objetivo é reconhecer as vítimas e promover iniciativas de paz, reconciliação e democracia”[1]

A essência desta lei nos coloca diante da essência do Governo de Santos, fiel herdeiro de seu patrocinador, Uribe Vélez. Por mais que queiramos nos convencer de que o regime é distinto, o único que se vê mudar é o estilo. De “capataz de fazenda” passamos a “administrador de clube de recreação”.

O interesse e a vontade política de que a verdade sobre o paramilitarismo permaneça oculta seguem vigentes. E o enterro da verdade permite o florescimento da impunidade.

*Advogado. Corporação para a Dignidade Humana.

Notas:

[1] ICTJ – www.ictj.org/es/tj

Fonte: Agência Pensamiento Crítico

Traduzido por Dario da Silva