Colômbia: Medo da paz

imagemPor Javier Calderón Castillo / CELAG / Resumen Latinoamericano, outubro de 2016 –

A Colômbia acaba de passar uma semana de infarto. O resultado adverso do plebiscito pela paz colocou a nu os pormenores das tensões e contradições da maltratada/restringida democracia e do espinhoso caminho que espera a construção da paz. Existe muito ruído e diversas arestas para a análise, no entanto, a tarefa urgente é compreender os interesses em disputa dos setores de poder que estão por trás da interpelação dos Acordos de Paz – tudo o que não se disse abertamente na campanha. Trata-se, nada mais nada menos, que abordar os temas das terras, da impunidade e do poder.

As terras

Em letras miúdas, a mais importante das proclamações da extrema-direita liderada por Álvaro Uribe para opor-se ao Acordo de Paz, está o tema dos sete – ou mais – milhões de hectares de terras arrebatadas pelos paramilitares ao campesinato [1]. Querem que o acordo permita um ponto final sobre o despojo violento ocorrido durante os últimos 25 anos. É o problema das terras que está na base da própria guerra, gerada na acumulação por espoliação e na transformação de atividade com vocação alimentar em produção em monocultivo de coca, de palma africana e de cana de açúcar.

No acordo assinado em Cartagena, se estabelece que os sete milhões de hectares serão devolvidos a seus donos ou seus legítimos possuidores, hoje deslocados forçadamente nas cidades. E que a restituição será seguida de uma serie de compromissos de acompanhamento técnico, educativo, de crédito e de melhoria para o campesinato em sua participação sobre a cadeia produtiva alimentar [2]. Por isso, nas proclamações apresentadas pelo uribismo após o plebiscito, pretendem repetir a fracassada história das duas tentativas mais serias de reformas agrárias no país – 1936 e 1968 –, que terminaram sendo aproveitadas pelos latifundiários através do despojo violento dos títulos outorgados aos camponeses sem terra.

No mesmo sentido, a extrema-direita parece estar muito preocupada com a virada na política antidrogas exposta nos acordos de paz, onde se propõe uma mudança substancial sobre a ação punitiva e repressiva utilizada contra o campesinato para erradicar os cultivos de uso ilícito. Daí adiante, a ação privilegiada será a substituição manual e acordada desses cultivos no marco do programa da Reforma Rural Integral, impulsionando a economia campesina e coletiva nas zonas de desenvolvimento agro-alimentar e nas zonas de reserva campesina. Projetos alternativos que tirarão a mão de obra da economia do tráfico de drogas, seu elo mais frágil, pior pago e mais penalizado. Os camponeses terão opções e aos patrões isso assusta.

Um assunto que conhecem muito bem as organizações campesinas, indígenas e afrodescendentes, pois contra eles chove glifosato e perseguição. Caso se consiga superar o baque gerado pelo Plebiscito, a implantação da Reforma Rural Integral e a mudança da política antidrogas serão dois duros desafios que requererão a mobilização da sociedade colombiana e o respaldo real e no terreno da comunidade internacional, posto que os inimigos da restituição de terras não só estão armados de votos.

Impunidade

O Acordo de Paz assinado e em vigência tem em conta as vítimas, todas as vítimas. A pretensão da extrema-direita, pelo contrário, é gerar uma lei de ponto final similar à espanhola pós-franquista, que deixe sepultada a verdade a que tem direito centenas de milhares de famílias vítimas dos assassinatos seletivos de sindicalistas, de jovens, de ativistas de esquerda, de lutadores sociais, de massacres, dos “falsos positivos”. Inclusive, pretende deixar enterrados os desaparecidos contados aos milhares e que estão regados em fossas comuns em todo o país.

A extrema-direita pede nas proclamações apresentadas ao presidente Santos que haja uma revisão dos casos dos políticos presos pela parapolítica e pelo processo 8000[3], deixando para trás o Tribunal da Verdade acordado como mecanismo de gerar justiça. Meses atrás, por meio do assessor da mesa de diálogos, Alvaro Leyva, Uribe pediu que se excluísse do tribunal da verdade a exigibilidade de que os militares, paramilitares e financiadores da guerra dessem os nomes de seus chefes ou dos autores intelectuais dos massacres, falsos positivos e outros delitos [4]. Isto demonstra o temor da extrema-direita de que a verdade gere uma segunda onda de parapolítica que chegará ainda mais perto do círculo íntimo do uribismo. As mostras desesperadas para impedir a verdade do ex-presidente Uribe assim o indicam.

A impunidade que busca Uribe e outros setores menos visíveis com muito poder, cada vez se faz mais difícil, sobretudo pela entrada em vigência do Tratado de Roma na jurisdição colombiana desde 2009, que impede qualquer lei de ponto final para as violações de direitos humanos e as infrações ao Direito Internacional Humanitário, não só de militares ou guerrilheiros, mas de todas as pessoas da cadeia de comando civis ou militares que tenham responsabilidades. Toda uma dor de cabeça para aqueles que pretendem depois do plebiscito chantagear o governo e a sociedade em troca de impunidade. No Tribunal da Verdade, se poderão ouvir as confissões dos perpetradores de delitos graves sobre a responsabilidade da cadeia de comando, os instigadores e financiadores da estratégia de despojo e paramilitarismo. Verdade que deverá ser conhecida pela Corte Penal Internacional, que somente terá jurisdição sobre aqueles que não se assentem na justiça transicional restaurativa do tribunal. Será esta a razão das ações angustiantes e raivosas de Uribe?

Poder

Este último ponto soa um lugar comum, porém não o é para o processo político que está vivendo a Colômbia.

Como todo o mundo se inteirou, o diagnóstico da democracia colombiana é crítico. Pepe Mujica a diagnosticaria de esquizofrenia e a maioria dos analistas internacionais deram conta do déficit e da restrição em que vive a sociedade colombiana. O que argumenta com mais força a necessidade de um acordo que abra a democracia, que gere novas regras e inclua as maiorias que estão por fora do contrato social.

Contrário a este raciocínio, a extrema-direita deseja que a democracia continue enferma, esperando que tudo se mantenha igual. Com o exíguo 18% que vota por suas atrasadas, porém eficazes consignas, pensam que lhes é suficiente para governar à anêmica sociedade presa entre o cansaço da guerra e o asfixiante neoliberalismo. A ultra-direita não quer desenvolvimento territorial, nem participação política de competidores que ponham o debate em torno da justiça social, porque nos municípios tem a aliança perfeita entre latifúndio, ignorância política e violência. Por isso, temo que não importa se ficam satisfeitos ou não com os possíveis adendos ao Acordo de Paz assinado em Cartagena. Seu objetivo é o poder, e o único discurso que têm para articular suas forças é contrário à paz que gere democracia.

Nesse sentido, o discurso do governo e do campo popular deverá ser mais audaz, passar à iniciativa abrindo os cenários de participação incluídos nos Acordos, realizar um salto adiante na procura em ganhar hegemonia em torno da paz muito da mão das organizações sociais e grupos de cidadãos que estão mobilizados para consegui-las. São estes setores os que, com as marchas, as assembleias, os discursos renovados e com a voz juvenil, estão dando as lufadas de ar fresco que necessita a mudança política no país.

A disputa dos alentadores do velho país, é por sobreviver com seus anacrônicos métodos violentos, são como uma locomotiva velha que não quer parar, destruindo tudo em seu caminho. Vêm desde sempre pedindo silencio, conseguindo impunidade com leis de ponto final e impondo cárcere para seus contraditores. A equação de Violência+Terras+Impunidade = Poder os manteve. Por isso, a paz, a verdade e as vozes alternativas lhes aterrorizam. Sem dúvida, têm medo da paz.

ADENDO: Saúdo a boa nova do início dos diálogos do Governo com o ELN, certo de que será tema para continuar pensando o imbróglio colombiano.

[1] http://www.semana.com/nacion/articulo/propuestas-de-alvaro-uribe-para-renegociar-el-acuerdo-final-con-las-farc/498453

[2] https://www.mesadeconversaciones.com.co/sites/default/files/acuerdo-final-1473286288.pdf Ver páginas de la 10 a la 12.

[3] Assim se chamou o processo de destituição contra o ex-presidente Ernesto Samper entre 1994 e 1998, que deixou vários políticos presos pelo ingresso de dinheiro ilícito na campanha eleitoral.

[4] http://www.semana.com/confidenciales/articulo/intento-frustrado-de-alvaro-leyva/485006

Fonte original: http://www.celag.org/miedo-a-la-paz/

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2016/10/16/colombia-miedo-a-la-paz/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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