A insólita dignidade de Fidel
Por Gerardo Fernández Casanova, Resumen Latinoamericano, 28 de dezembro de 2016
Qualquer coisa que digam em relação a Fidel Castro Ruz e em sua memória corre o risco de cair na categoria de simples lugar comum. São inúmeros artigos de opinião que fazem o elogio ao heroísmo personificado no desparecido dirigente. É claro que compartilho a dor de sua partida. Eu a sinto desde quando sua enfermidade o fez retirar-se da direção do governo e do partido, sendo aliviada, então, por suas frequentes reflexões sempre construindo e contribuindo com a defesa da humanidade. Estou certo de que em todo momento Fidel honrou seu nome e foi fiel a seus princípios e a seu povo, porém sempre universal.
Castro foi um vitorioso da política. Não daquela maneira que exercem os mercenários da corrupção e da demagogia, mas da que se assenta em princípios e valores morais e que adquire significados como virtude; de entre todos eles destaco, o que em maior grau me impactou, a dignidade. Tenho fixa à mente a figura do maestro que, com incendiária oratória e polegar alçado à altura da testa, nos entrega uma cátedra de dignidade. “La dignitat”, como pronunciava para destacar. Chamo-a insólita por ser um valor perdido ou em perigo de sê-lo, entre o mundo da política e na política do mundo. A dignidade daqueles que, na América do século XIX, decidiram romper com a dependência colonial do Império Espanhol, que morreram na tentativa e que, na maioria dos casos, foram substituídos por aqueles que simplesmente o trocaram pelo colonialismo econômico do Império Britânico e o, então florescente, norte-americano.
O povo cubano se nutriu de dignidade, não obstante ser o último bastião da Espanha na América, ilustrado por seus heróis e suas lutas durante quase todo esse século, destacadamente a do prócer da dignidade pátria: José Martí. Fidel a reforçou com seu discurso e com seu exemplo; da dignidade pessoal exercida desde seus primeiros anos até a exercida na condução da nação caribenha e projetada para a Nossa América e o mundo inteiro.
A maioria do povo cubano, que resistiu às penúrias do bloqueio econômico e fez fracassar as tentativas de dobrá-lo pela fome, se nutriu de dignidade e atenuou sua fome. A dignidade não se come, porém, a comida indigna é indigesta e prostitui. Sem a dignidade do povo cubano não seria possível entender a permanência do regime, chamado por alguns de ditatorial. É um povo majoritariamente imbuído no afã de ser independente, não por um capricho do dirigente político carismático, mas como resposta de uma história acumulada de agravos imperiais, tais como a Emenda Platt em substituição à Coroa espanhola, o reduto da máfia dos cassinos e da prostituição ianque que se fincou na ilha com absoluta liberdade, a escravidão nas plantações açucareiras, entre muitos outros agravos. Daí que a dignidade fosse um tema de fácil compreensão no imaginário popular.
Dignidade entregou Fidel aos povos da África em sua luta de emancipação, funcionando como o aríete que terminou com o apartheid e a libertação do outro grande da dignidade: Nelson Mandela. Dignidade recomendou Fidel aos povos e aos governos latino-americanos para fazer frente comum ante a iminente dívida externa; em 3 de agosto de 1985, em reunião internacional por ele convocada para tratar o tema, disse: “…a menos que os governos atuem conjuntamente e ataquem o problema em suas causas de fundo, a dívida externa que as nações latino-americanas tenham contraído com instituições financeiras norte-americanas se converteriam em uma hipoteca eterna, impagável e incobrável. …é impagável por razões matemáticas, não implica um juízo moral ou legal ou político… Porém, afirmamos que é um impossível político… Os governos não estão em condições de aplicar essas medidas de alto custo social do FMI, em nenhum, nem a sangue nem a fogo poderão fazê-lo”. Lamentavelmente os governos destinatários da recomendação careciam desse ingrediente de dignidade necessário para responder afirmativamente e, assim, o neoliberalismo imposto nas renegociações da dívida afundou seus punhais em nossos países, até a irrupção da onda de governos populares que marcou a primeira década do século XXI em várias nações do subcontinente, com a Venezuela de Hugo Chávez na vanguarda, hoje ameaçada pela mão imperial e sua guerra de propaganda.
Assim fica viva sua semente, Comandante. Hasta la Victoria siempre! Venceremos!
Fonte: http://www.