Colômbia: “Aqui o que temos garantido é um par de tiros na cabeça”

imagem(Jesús Santrich, ex-guerrilheiro das FARC encarcerado)

SEMANA: Desde quando e por que está em greve de fome?

Jesús Santrich: Desde o dia 26 de junho existe um protesto nacional, que começou com 1.200 e, neste momento, existem 1.486 guerrilheiros das FARC em greve e em torno de 1.700 em desobediência. Eu aderi na segunda-feira passada, e o que se busca é o cumprimento do Acordo de Havana no que se refere à libertação de nossa gente.

SEMANA: Porém, esse trâmite já vem caminhando?

J. S.: Saíram das prisões, até agora, 843 pessoas. Devido a esses baixos números, começou o protesto do qual participam 47 mulheres, uma delas lactante. A isso se somam 35 companheiros que tomaram a decisão de costurar a boca. Nesta quinta-feira ocorreu um plantão nas principais cidades do país: Medellín, Pereira, Popayán, Valledupar, Cúcuta e Bogotá.

SEMANA: Quem é a mãe lactante?

J. S.: Mayerli Becerra Muñoz e temu m bebê de quatro meses de idade. Ela está na prisão de Cúcuta e seu caso está nas mãos do quinto juiz da execução de penas.

SEMANA: O que dificulta a aplicação da Lei de Anistia?

J. S.: Aqui não existem falhas normativas porque o acordo possui o maior detalhe que possa ter uma Lei de Anistia no mundo. Isso pode ser perguntado a especialistas e juristas. Além de ter um acordo depositado no Conselho Federal Suíço, em Berna, existe uma declaração unilateral do Estado ante as Nações Unidas, um ato legislativo que o coloca no marco da interpretação e um decreto presidencial que a regula. Inclusive, existe uma resolução de fortalecimento do Habeas Corpus, que não deve sair, porém aí está. O que existe é um problema de vontade política e demora, por exemplo, na entrega das certificações.

SEMANA: A que se refere? Nem todos os guerrilheiros possuem o passe que garante sua passagem à vida civil?

J. S.: Neste momento estão pendentes com a entrega em torno de 930. Além disso, fazem falta atas de compromisso que o secretário da Jurisdição Especial de Paz – não sei se por falta de pessoal, falta de tempo ou vontade – não gerou. Atrever-me-ia a pensar que é mais pelo primeiro que pelo último. Existe uma atitude negligente, mesquinha e antijurídica dos juízes de execução de pensas porque estão fazendo negociação de justiça, estão prevaricando e não existe instância do Estado que ponha freio a isso.

SEMANA: Até quando vai com a greve de fome?

J. S.: No dia 26 de junho, eu disse que no meu caso, porque não quero submeter os companheiros que estão nas prisões, é de uma greve de fome indefinida até que saia o último homem do cárcere.

SEMANA: Como foram esses cinco dias?

J. S.: Estive bebendo água e hidratando-me com soro. A ideia é que se aguente o máximo possível para que todos consigam sair. Talvez exista uma atitude de sensatez, já que em Havana nós dialogamos com o Governo, representando o Estado colombiano. Não pode ser que a implantação se converta em uma renegociação com cada uma das instâncias e ramos do poder público. Isto, incluindo a Promotoria, que se converteu em um outro obstáculo da paz.

SEMANA: Ou seja, a passagem da guerrilha à vida civil não se completou?

J. S.: As FARC cumpriram integralmente com seus compromissos. Quando se apresentaram atrasos não depende de nós, mas do Governo com sua parte. Este é um acordo que tem um princípio de igualdade, boa-fé, de Pacta sunt servanda para cada uma das partes. Ou seja, que o que se acordou precisa ser cumprido. Falou-se desde o princípio de simultaneidade e integridade. Na medida em que as FARC cumpriam, o Governo também. No entanto, nós entramos nas zonas veredais sem que a construção dos acampamentos tivesse terminado. A ideia era que a guerrilha vivesse nesses lugares de maneira digna. O problema é que o tempo passou e, todavia, não se terminaram de construir.

SEMANA: E… a reincorporação dos ex-combatentes como vai?

J. S.: Existem algumas ações assistencialistas que – de sua própria inspiração – têm sido empreendidas por entidades do Estado, como o SENA. No entanto, ações derivadas do acordo de paz como tal, no capítulo de Reincorporação, não existe nenhuma. Existe um decreto que cria as instâncias que manejarão a reincorporação, porém não derivaram em ações práticas. Aqui, o que existem são puras promessas em matéria social, saúde e geração de projetos produtivos. Eu sempre disse que seguimos com o projeto Escalona. Ou seja, com a casa no ar.

SEMANA: Explique-se…

J. S.: Não há certeza para os ex-combatentes de onde irão 240° dia, porque os sítios que ocupam agora são terrenos aniquilados. Se disse, depois de tanta pressão nossa, que esses espaços vão se converter em cenários de formação e reincorporação, porém do dito ao feito existe um espaço enorme. Não queremos que por conta deste descumprimento das libertações e na implantação, o pacto de Havana se torne um falso positivo contra as esperanças de reconciliação dos colombianos.

SEMANA: Então, você vê incipiente a arquitetura da reincorporação dos ex-combatentes?

J. S.: Sim, totalmente. Existem umas propostas normativas que – é importante dizê-lo – estão nas mãos de uma Corte Constitucional que se mostrou inclinada à direita, que disse fará migalhas do acordo. Uma posição que também mostrou o Procurador. Em vez de velar pela administração pública, ele agora está vendo como retirar a possibilidade dos estrangeiros que estão nas FARC terem vias de reincorporação. Por isso, digo que aqui deve existir um compromisso de Estado. Não podemos continuar com essa farsa de que como não existe divisão do poder em ramos e de que assim é a democracia, é preciso aguardar o que acontece a cada funcionário.

SEMANA: Em Havana se acordou a criação de umas comissões que ajudaria a levar adiante a implantação. Estão funcionando?

J. S.: Sim, estão em ação. A Comissão de Prosseguimento, Incentivo e Verificação da Implantação (CSIVI, sigla em espanhol), que tem um componente do Governo e outro das FARC, está funcionando. Precisamente, a essa pertenço eu, ao lado de Iván Márquez, Victoria Sandino e três ministros. Ali podemos adiantar os debates da implantação normativa, apesar de muitas vezes o Governo passar projetos sem ter a aprovação da comissão, que é o procedimento correto.

No entanto, ainda estamos lá tentando fazer com que esses desenvolvimentos normativos se deem. Logo vem outros debates como os do Congresso da República, onde dá a impressão de que é preciso negociar com cada congressista para que não apresentem 20.000 proposições ao acordo, que vai contra aos interesses deles. Depois a Corte colocou restrições, quase uma punhalada ao fast track. O que se pode prever é que a corte, mais adiante – se quiser –, pode atuar contra a Jurisdição Especial de Paz (JEP) ou a própria Lei de Anistia.

SEMANA: Em resumo, o que está falhando?

J. S.: Insegurança jurídica, insegurança pessoal pela expansão do paramillitarismo e insegurança socioeconômica porque não existe clareza sobre quais projetos produtivos vão desenvolver os ex-combatentes. Os outros dois pontos são a renegociação na qual se converteu isto e a desinflação. O Governo apenas promete comprometer 0.6 pontos do PIB. Isso não é nada em comparação à dívida social imensa que tem o Estado com seu povo.

SEMANA: O que fará a Comissão de Garantias?

J. S.: Só existem denúncias e promessas. Existem mais de 15.000 denúncias atestadas que estão nesse cenário de luta contra o paramilitarismo e a Procuradoria nunca atuou. Do acordo se concordou em criar uma Unidade Especial de Investigação para a desarticulação desse fenômeno, porém o único que encontrou são obstruções por parte do procurador. Aqui existe uma espécie de proteção aos financiadores do paramilitarismo e assinalou de maneira direta o procurador nesse papel. Até quando vai obstruir o processo de paz?

SEMANA: Você se sente em risco?

J. S.: Aqui o que garantimos é um par de tiros na cabeça. Não existem garantias para a ação política não só para as FARC, mas para o movimento popular e social. Eu me aventuraria a dizer que o que se está configurando é uma reedição da União Patriótica, do extermínio da UP.

SEMANA: O que vai acontecer quando desaparecer a figura das zonas veredais?

J. S.: O nosso plano é o acordo. A insistência por parte da CSIVI e do CNR é que se cumpra tudo o que está ali. Isso implicaria atuar contra o paramilitarismo, gerar medidas de segurança para as comunidades e para a organização que passa à legalidade. Não falo com pesar, mas com realismo. Existe um estado de incerteza porque não se vem garantias para que depois do 240° dia exista terra para os guerrilheiros, duvido muito disso.

SEMANA: A propósito do artigo de Iván Gallo, alguns sentem um distanciamento seu das posições do Secretariado…

J. S.: Sim, vi o artigo com a suposta solidariedade comigo e atacando a direção das FARC. Eu estou em absoluta coincidência com a direção das FARC. Nunca fiz ações nem imposições de dissidência. Porém, também estou sentando posições realistas frente ao que se vê, porque houve uma atitude sistemática de descumprimentos por parte do Estado.

SEMANA: Você acredita que esse estado de incerteza mais o efeito da campanha eleitoral aumentará a dissidência?

J. S.: Não penso mais em desertores porque as FARC são uma organização política que já deixou as armas. No entanto, sim, pode existir desalento e insatisfação. Por isso o Estado tem o compromisso de gerar alternativas para a construção do bom viver. Não só para as FARC, mas para as comunidades. Aqui não se trata só do assunto das armas. A paz não é só silenciamento dos fuzis. A paz é dar habitação, saúde e resolver as necessidades básicas que têm os colombianos.

No país existem mais de 12 milhões de pobres. Não se trata de que os que pertenceram às FARC se levantem ou não em armas. Aqui vai continuar o levante armado de parte da gente oprimida, segregada e excluída caso não sejam solucionados esses problemas que pretendem sanar – de alguma forma – o acordo de Havana.

SEMANA: Como vai a engrenagem das ECOMUN, o modelo associativo com o qual aterrissarão na economia legal?

J. S.: Queremos entrar em todos os setores da economia e da ação social que existem na Colômbia. A reincorporação tem dois capítulos: um é o político, que abre as portas para ter a pessoa jurídica que permite estabelecer o partido. Isso se dará depois da primeira semana de agosto. O outro é o econômico. Não se trata de criar guetos, mas de vinculá-los com todas as comunidades que estiveram afastadas, isoladas do conjunto de desenvolvimento nacional. Isso é o que desejamos. Estar em todos os setores da produção, das políticas e artes. O fim da guerra implica isso: uma transformação econômica, política, mas também social e cultural.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2017/07/04/colombia-aqui-lo-que-tenemos-garantizado-es-un-par-de-tiros-en-la-cabeza-jesus-santrich-exguerrillero-de-las-farc-encarcelado/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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