FARC: Informe Central ao Congresso Fundacional do Novo Partido Político

imagemEscrito por Estado Maior Central das FARC-EP

Sábado, 26 de agosto de 2017

Minha maior satisfação é vê-los de todo coração
comprometidos sem descanso
em uma constante luta pelas mudanças, pelos muitos
combatentes que ofereceram suas vidas,
motivados pela grande causa da paz com
justiça social e soberania.
Estou certo que com a contribuição de cada um de vocês,
apoiados sempre nas massas,
o triunfo será nosso mais cedo ou mais tarde.
Manuel Marulanda Vélez

Companheiras e companheiros

Preparamo-nos no marco deste congresso constitutivo do partido FARC para colocar fim a meio século de luta armada e rebeldia contra o regime, direito universal ao qual recorremos em defesa da dignidade humana, e em demanda de justiça, paz e democracia para a Colômbia. Ninguém deve esquecer que a organização que hoje se converte em partido político legal, nasceu em 1964 como resposta à agressão militar contra a região de Marquetalia, ordenada pelo presidente da Frente Nacional, Guillermo León Valencia. E todos devemos ter presente que, desde então, esta resistência e sua gestação histórica, foi conduzida pelo gênio de Manuel Marulanda Vélez até coloca-la no caminho da solução política do conflito e do acordo de paz que hoje celebra a nação. A ele e a Jacobo Arenas, com devoção, oferecemos o louro desta vitória que será o primeiro passo da construção coletiva de futuro e pátria nova.

Foram décadas de luta sangrenta, na qual participaram várias gerações – o melhor de nosso povo –, inspiradas em uma causa nobre e justa. Morremos por milhares sim, atrás de um ideal, atrás de um sonho, que esperamos concretizar muito rapidamente com a ajuda de todos. Milhares de nós passaram pelos cárceres e ainda continuam na prisão; muitos sofreram o desaparecimento, a tortura e todo tipo de humilhações. O heroísmo de todos eles e elas nos encheu de alento e de moral para continuar a briga, em meio às dificuldades próprias de uma guerra assimétrica, reforçada com financiamento e a tecnologia militar de ponta fornecida pelo governo de Washington. Durante essas décadas, obtivemos conquistas importantes, também sofremos golpes significativos. Porém, pudemos, em meio a isso, preservar e expandir a rebelião, criar expressões localizadas de novo poder e chegar ao coração de importantes setores da população, especialmente rural e camponesa.

Impuseram-nos a guerra, no entanto nunca consideramos a resistência armada uma finalidade em si mesma. Sempre buscamos uma solução política dialogada, tal como se encontra evidenciado nos numerosos esforços de diálogos e negociação, que se configuraram pela primeira vez nos Acordos de Uribe e nas posteriores tentativas falidas de Caracas, Tlaxcala e San Vicente del Caguán, sem deixar de lado as permanentes aproximações com os diferentes governos. Todas essas experiências constituíram acúmulos que, finalmente, renderam seus frutos, primeiro com os diálogos e negociações de Havana, e depois com a assinatura do “Acordo Final pelo término do conflito e a paz estável e duradoura”, de 24 de novembro de 2016. Produziu-se, dessa maneira, o triunfo da solução política que sempre buscamos e, com isso, a nova situação na qual hoje nos encontramos: o término do ciclo de levante armado e o início de uma nova fase histórica, cheia também de grandes vicissitudes, como se demonstra já precocemente, porém, sobretudo, repleta da esperança que encarna a potência transformadora do conjunto do acordado.

A paz que alcançamos não é uma paz perfeita, tanto quanto é uma paz negociada. É a paz da continuação do conflito social e da continuidade de nossas aspirações e propósitos aos quais nunca renunciamos nem renunciaremos pela via exclusivamente política. É a paz baseada em acordos, em nossa opinião mínimos e básicos, para avançar na superação das causas de origem e persistência do levante armado e, sobretudo, para oferecer e deixar à sociedade colombiana um legado que abre a possibilidade de iniciar um processo de democratização política, econômica, social e cultural que, ao materializar-se, transformará para sempre a vida da sociedade em seu conjunto e abrirá os caminhos do bem-estar e bom viver das grandes maiorias.

A consequência imediata do acordo de paz tem duas expressões essenciais e, ao mesmo tempo, dois grandes caminhos profundamente inter-relacionados: o início da implantação do acordado, por um lado, e a reincorporação da guerrilha à vida civil e o começo da ação política legal, por outro. Em ambos casos, trata-se de processos de longa duração que devem ser concebidos e compreendidos como campos em disputa, aos quais se transfere o conflito social e de classe, que é inerente à ordem social capitalista.

A experiência internacional e a nossa própria ensinam que a qualidade dos processos de implantação e reincorporação não podem ser dependentes da vontade do Estado e de sua institucionalidade – que não têm unidade monolítica nesta matéria –, mas, sobretudo, na capacidade de construir a necessária legitimidade social e de produzir a devida apropriação social do acordado, para a qual a ação política em geral, e particularmente a nossa, jogam um papel central.

A implantação e a reincorporação, para serem compreendidas devidamente, devem ser analisadas em perspectiva histórica e não exclusivamente ao fragor do momento. Ao tempo que advertimos os descumprimentos do Estado, as contínuas pretensões de renegociação do acordo e as evidentes dificuldades da reincorporação, devemos considerar a nova perspectiva política que está sendo inaugurada. Nela se define a visão que se tem da paz, seja como uma paz negativa, que signifique só o silenciamento dos fuzis e o desarmamento das FARC-EP, ou como uma paz positiva, que marque o início de um ciclo de mudanças com possibilidade de gerar efeitos desencadeadores para transformações maiores.

Acerca dos alcances da implantação

Uma avaliação preliminar do processo de implantação indica que é aspecto fundamental a grande transformação cultural e política que traz consigo o Acordo Final. A transcendência é seu indiscutível valor histórico que consiste no fim do estado de excepcionalidade permanente, que representou a guerra e a abertura de uma nova qualidade no trâmite do conflito social através da via política, sobre as bases dos acordos aprovados. O outro aspecto essencial se refere às próprias medidas da implantação precoce, que compreendem as definições sobre o marco normativo, constitucional e legal da implantação, assim como a devida incorporação da institucionalidade do Estado.

Sobre a implantação precoce, devemos reconhecer que se apresentaram avanços em meio a dificuldades de diversas índoles. O procedimento aberto, conhecido como de fast track [via rápida], não terá os resultados incialmente esperados, na medida em que não só não será expedida a totalidade das reformas previstas, mas como as promulgadas e as que ainda estão pendentes ou em processo de trâmite foram e estão sendo submetidas a uma renegociação de fato no Congresso da República, e frente a elas, não são descartáveis, além de modificações por conta da Corte Constitucional; ao qual se agregam as pressões dos poderes fáticos, quando estes percebem uma afetação de seus interesses imediatos ou das condições estruturais da dominação de classe. Dessa forma, se vem expressando o que os historiadores chamam de “medo do povo”, de “medo da reforma”. Devemos aceitar que a derrota do plebiscito não só afetou os conteúdos do primeiro acordo, enfraquecendo-os, mas que modificou as condições da implantação para cenários adversos. E, também, assinalar que a manifesta debilidade do Governo o levou a ceder ante as pressões e a um terreno de evidentes descumprimentos. Pacta Sunt Servanda, os acordos são para serem cumpridos.

Não obstante o anterior, o produto que sai será um marco normativo que, apesar de suas limitações e deixando tarefas pendentes, supera o existente e proveem melhores condições para as lutas por uma reforma rural integral, o fortalecimento de territórios excluídos, a qualificação democrática do regime político e o sistema político e a materialização dos direitos das vítimas do conflito. Do processo de implantação precoce deveria ficar também uma ferramenta fundamental, o Plano Marco de implantação e a obrigação legal de incorporar nos planos de desenvolvimento dos próximos dois governos um capítulo específico de implantação dos acordos. Com a definição do Plano Marco se ativa com maior força outro aspecto da disputa: a questão do financiamento. Até o momento, devemos falar do financiamento pírrico, do compromisso fiscal insuficiente do Governo ao prever uma disposição de recursos de escassos 129,5 bilhões de pesos para 15 anos, o que se explica parcialmente pela situação das finanças públicas, a estruturação atual do gasto público e a submissão ao regime da sustentabilidade fiscal. Para o futuro da implantação teremos, em todo o caso, onde nos segurarmos.

Também será preciso o surgimento de uma nova institucionalidade do Estado conforme com as necessidades da implantação. Advertimos que ao caráter burocrático, ineficaz, ineficiente e corrupto da organização estatal, se agregam as características de uma mentalidade contra-insurgente em certos setores e funcionários públicos que continuam atuando como na época de guerra, o que tornou mais problemática a colocação em marcha de medidas e ações governamentais.

Temos claro que as somente as normas não conduzem por si próprias a implantação dos acordos; proveem sim, marcos jurídicos institucionais mais favoráveis. Porém, a verdadeira qualidade da implantação se encontrará na capacidade de mobilização, luta e respaldo popular, assim como em nossa própria ação política.

De nossa parte, estamos cumprindo com a palavra empenhada; queremos confiar na boa fé e na estatura histórica que se espera dos órgãos do poder público no momento de valorizar os alcances de um acordo de paz; assumimos que o acordo assinado com o Governo, o foi em nome do Estado, como está assinalado na própria Constituição, e que ele forma – visto em sua totalidade – o corpus normativo próprio de um acordo especial para o término de um conflito, como os previstos nos Convênios de Genebra, com todos os alcances que isso leva à luz do direito internacional. A esta percepção acrescentaríamos que existe uma Declaração unilateral do Estado do Governo ante o Secretário Geral da ONU, no sentido de que se cumprirá o pactuado, o que gera obrigações internacionais. Foram essas razões de peso para aceitarmos a ordem constitucional renovada e emergida do acordo final.

Sobre o significado e os conteúdos da reincorporação

O processo de reincorporação foi igualmente complexo e culminou em sua primeira fase com o término das Zonas Veredais Transitórias de Normalização. Apesar de todas as adversidades e dos descumprimentos governamentais, cumprimos de boa fé com todos os nossos compromissos: primeiro, nos transferimos às zonas desmontando nossa implantação militar estratégica; depois, iniciamos e terminamos o abandono das armas e facilitamos sua extração; e, finalmente, entregamos à ONU o inventário de nossos bens e ativos a serem destinados às vítimas do conflito e ao financiamento de programas sociais da reincorporação. Atualmente, se conta com todo o marco normativo da reincorporação. Expediu-se a Lei de Anistia; se aprovou a reforma constitucional que criou a Jurisdição Especial para a Paz, estando pendente a lei estatutária que a desenvolva e que o presidente do Congresso mantem retida; se aprovou o ato legislativo que estabelece condições especiais para nossa participação política; se aprovou o decreto-lei que reformou a Agência Colombiana de Reintegração e criou a Agência de Normalização e Reincorporação, com uma unidade especializada para a normalização das FARC-EP; se promulgou o decreto-lei de reincorporação econômica e social; e se expediram normas para fornecer garantias de segurança por conta da Unidade Nacional de Proteção, que também foi reformada.

Tem sido árdua e cheia de tropeços a tarefa da libertação de todos nossos prisioneiros e prisioneiras de guerra e das pessoas acusadas de sê-los. Até a presente data, ainda que cerca de 3.000 deles e delas já tenham saído, ainda se encontram várias centenas nos cárceres. Não descansaremos até que todos e todas se encontrem em liberdade, tal e como se estabelece no acordo final.

As tarefas maiúsculas da reincorporação apenas começam. Este Congresso é um passo fundamental delas, pois estamos assistindo a nossa transformação em partido político legal, à fundação de um novo partido político na Colômbia. Porém, junto com o que será nossa reincorporação política, temos os desafios da reincorporação econômica e social. Além de sujeitos políticos para a transformação revolucionária de nosso país, somos homens e mulheres que requeremos derivar uma base econômica que permita garantir nosso sustento diário e responder às aspirações que temos de bem-estar e bom viver ao lado de nossas famílias.

A reincorporação será um caminho difícil, novo para nós, no qual temos que inventar e implantar todas nossas iniciativas. Nossa força se encontra no acúmulo histórico de organização e luta, de relações de solidariedade, fraternidade e cooperação, que tornaram possível nos convertermos em uma verdadeira comunidade com identidade própria e aspirações comuns, as mais nobres que tem o ser humano: a luta pela justiça social, a democracia real; o bem-estar e o bom viver de toda a população.

Temos que cuidar, preservar e potencializar essa fortaleza nas novas condições. A perspectiva que têm em mente setores do governo é a de nossa dissolução ou desintegração, segundo suas experiências de desmobilização, desarmamento e reinserção individualizada. A nossa sempre foi concebida por nós em termos de um processo de reincorporação como comunidade política, como família integrada econômica e socialmente. Por isso, nossa visão da reincorporação, descansa sobre nossa constituição como partido político legal, mas também baseada em um esforço coletivo para a produção de uma nova economia política, que denominamos Economias Sociais do Comum e que já tem sua manifestação formal com a criação do ECOMUM. Se é difícil a tarefa que espera por nosso partido político, maior será aquela que é própria do propósito da construção de uma nova economia.

Nesta última, devemos reconhecer que apesar de múltiplas iniciativas fragmentadas e dispersas ainda não conseguimos desenvolver uma proposta geral que nos dê certezas, mesmo que relativas, acerca de nossa base econômica futura. Aí, teremos que dedicar boa parte de nossos esforços imediatos, porque temos uma obrigação com todos os que integraram nossa organização. Como parte de nossa especificidade, devemos afirmar que o futuro de nosso projeto político dependerá também do futuro na vida cotidiana de cada um daqueles que integram dita comunidade.

A reincorporação integral foi por nós concebida como um processo em duplo movimento. Por um lado, com um profundo arraigo territorial; por outro, com uma crescente e expansiva projeção nos centros urbanos. A concebemos integrada a múltiplos processos de construção social de território como continuidade – sob as novas condições – de atividades e ações políticas, econômicas e sociais, que contribuímos para organizar, promover e, inclusive, proteger a fim de fortalecer as aspirações e propósitos dos compatriotas que habitam nossa Colômbia profunda. Queremos fazer parte desses processos; queremos fortalecer todos os esforços por uma organização democrática em todos os aspectos da vida social dos territórios e das formas de organização política do Estado nesse nível. Nosso projeto político, econômico, social e cultural aponta a fortalecer a democracia real e a autonomia dos territórios. Seremos partido territorial, seremos economia alternativa social territorial, seremos novo poder territorial. O Acordo Final oferece muitas importantes possibilidades para avançar nessa perspectiva e direção.

Ao mesmo tempo, a reincorporação integral demandará esforços na consolidação de processos existentes e de novas experiências nos principais centros urbanos e em geral nas cidades de nosso país. Queremos fazer parte das lutas e processos que travam a população urbana, compartilhar nossas visões de democracia real e profunda e de economias alternativas do comum, queremos realizar nossas aspirações que se sintetizam no propósito de direito à cidade e de uma organização político-administrativa. Com essa visão, seremos partido urbano, seremos economias alternativas urbanas, seremos novo poder urbano.

A reincorporação é para nós essencialmente um processo de normalização, pois nunca formos alheios à ordem social vigente, só a que enfrentamos dentro e fora da institucionalidade existente. Na nova etapa histórica que iniciamos, damos continuidade a nossas lutas no marco da constitucionalidade emergente dos Acordos de Paz.

Sobre o caráter de Partido

Aspiramos chegar ao coração da população, propósito complexo que compreende a superação do estigma social e cultural e o falseamento ao qual formos submetidos por décadas para desvirtuar os conteúdos nobres de nosso levante armado. Nosso desaparecimento como força guerrilheira colocará outros acentos na contenda política. Os verdadeiros problemas do país estão ficando às claras e já não será possível continuar com a prática da cortina de fumaça em que fomos convertidos para ocultá-los.

Já demos passos importantes ao assumir as responsabilidades que nos competem em eventos que tenham causado dor e sofrimento em setores da população afetada por nossa ação, e ao manifestar nossa disposição plena de acudir à Comissão de Esclarecimento da Verdade e à Jurisdição Especial para a Paz a fim de oferecer verdade, assumir responsabilidades como esperamos ocorra por parte do Estado e de todos os envolvidos no conflito. Pedimos perdão às vítimas do conflito, realizando atos antecipados de reparação os continuaremos fazendo. Cremos firmemente que a reconciliação é possível, ainda em um contexto político de polarização acirrada por aqueles que a repudiam. Persistimos na necessidade de estabelecer diálogos e outras linguagens que permitam compreender que a construção da paz é um propósito coletivo. A paz tem relação com todos e com todas: com os partidos políticos, com os governantes, com os ramos do poder público, com os ex-combatentes, com os empresários e os povos indígenas, os grandes meios e as comunidades afro, com os habitantes das cidades e os campesinos, os jovens e as mulheres, enfim com a gente comum, com o povo raso.

Chegar ao coração da população também significa compreender, como em efeito já o fazemos, que a solução dos problemas prementes da população não se encontra exclusivamente na implementação dos acordos e que estes, ainda que representem um indiscutível avanço democrático, têm que dialogar com o conjunto de iniciativas e propostas surgidas das muito variadas expressões organizativas políticas e sociais do campo popular.

Nesse sentido, se apresenta um grande desafio para nossos projetos programáticos. Mais que iniciar uma operação de marketing político e de posicionamento de uma determinada imagem – que também será preciso realizar –, temos a obrigação de formular uma proposta de alternativa política com capacidade de interpretar e fazer suas as aspirações e propósitos do presente imediato e, ao mesmo tempo, oferecer um horizonte de ação política, compreendida como propósito coletivo em permanente movimento e construção, para a superação da injusta ordem social. Por isso, este Congresso deverá avançar em uma elaboração programática sustentada em um conjunto de definições que dão conta de momentos e conteúdos distintos de um mesmo processo simultâneo, porém diferenciado em seus alcances e propósitos.

Sobre esse pressuposto e sobre nossa trajetória histórica é que queremos conceber o caráter de nosso partido; como um partido revolucionário, que ao mesmo tempo em que deve representar uma opção política para os problemas cotidianos da população e disputar dessa maneira o espaço político do presente, deve conter o desejo e os propósitos de adiantar as tarefas necessárias para a transformação estrutural e superação da ordem social que nos colocou como o terceiro país mais desigual do planeta. Nesse sentido, é também um partido para outro mundo possível, nele devem ter espaço e com particular ênfase as aspirações das mulheres por superar de maneira definitiva o regime patriarcal existente.

Acerca de nossa estratégia política

Nossa estratégia política tem como sustentáculo e referência nossa aspiração de contribuir para formar um novo poder político e social, de transformação e superação da ordem social existente. Em desenvolvimento desse propósito, concebemos nossa ação política como a engrenagem da disputa pelo poder do Estado, incluído o acesso a posições de representação e de governo nos diferentes níveis por um lado. Com a produção de novo poder social “a partir dos de baixo” pelo conjunto dos diversos setores sociais, por outro.

Por tal razão, participaremos de maneira resoluta da disputa eleitoral em todos os níveis da organização político-administrativa do Estado, sob o entendido que tal participação não é uma finalidade, mas um meio para incidir na transformação de dentro da própria organização estatal sobre pressupostos de expansão democrática e de incorporação e habilitação de melhores condições para o desenvolvimento de novos conteúdos e formas da democracia, particularmente daqueles promovem a democracia real, profunda e avançada, direta, autogerida, comunitária. Nesse sentido, nosso projeto político é um projeto pela transformação do Estado em uma nova institucionalidade a ser construída socialmente.

Ao mesmo tempo, nos reconhecemos como parte do movimento real, do movimento social e político, que através de suas múltiplas e diversas lutas, constitui desde a cotidianidade novas expressões do poder social, desconhecendo e superando de fato as formas de organização do poder estatal e assumindo próprias, entendidas como um processo de criação coletiva, não predeterminada, mas derivada das características que vai adquirindo a conflitividade social. Por essa razão, falamos de um processo constituinte, que tampouco pode ser reduzido à finalidade de novos projetos institucionais, por exemplo através de uma Assembleia Nacional Constituinte, mas entendido melhor como movimento contínuo e de criação social incessante de novo poder. Nesse aspecto, nos compreendemos como um Partido-movimento.

Não se trata de uma estratégia política com componentes paralelos, mas de um mesmo processo, no qual os espaços das lutas se entrecruzam e se contrapõem em função de um mesmo e único propósito: a construção de uma sociedade alternativa à ordem capitalista vigente.

Não estamos pensando em uma estratégia política linear e ascendente, concebida por etapas a serem superadas gradualmente. Nossa elaboração programática está pensada sobre a ideia de que toda luta cotidiana é estratégica e que toda estratégia não representa simplesmente um propósito por vir, mas que se concretiza justamente na luta cotidiana. Nesse sentido, não concebemos uma separação taxativa entre tática e estratégia; assumimos melhor sua relação dialética. Assim é que nosso projeto político não é o da melhor sociedade por vir, mas o da nova sociedade que teremos que construir de maneira criadora desde a cotidianidade de nossas vidas.

Não temos a pretensão de seguir de forma predeterminada modelo político ou econômico algum, já experimentado historicamente e com expressão no presente. Nos comprometemos, isso sim, a desejar e fazer parte de um processo histórico-social que permita construir uma sociedade alternativa na qual impere a justiça social, a democracia real e avançada, a superação de toda exclusão, discriminação ou segregação por razões econômicas, sociais, étnicas, religiosas ou de gênero, se garanta a vida e a existência digna, o bem-estar e o bom viver do indivíduo e da comunidade, se construa uma nova economia política que garanta a realização material dos direitos humanos, permita a relação harmoniosa com a natureza e sente as bases para uma ética e novo tipo de relações sociais de cooperação, irmandade e solidariedade.

Nessa direção, trabalharemos por um governo de transição de grande coalizão democrática e, ao mesmo tempo, por um movimento de movimentos de grande convergência nacional. A partir dessa perspectiva, seremos um partido amplo, disposto a promover todo o diálogo político e todo processo de unidade, sustentado na identificação de causas e propósitos comuns, pelas quais transitemos por momentos específicos ou inclusive na longa duração. Pomos a disposição nosso acúmulo e nossa experiência, assim como nossas visões de presente e futuro; as queremos compartilhar com todas as existentes e que são o resultado de outras experiências e trajetórias de luta, cujo valor e autonomia reconhecemos. Não aspiramos liderar, queremos fazer parte de uma construção social coletiva, que por sua própria condição deve ser verdadeiramente democrática e expressiva dos princípios e valores da nova sociedade que queremos contribuir a edificar a partir das lutas cotidianas. Nossas propostas programáticas são uma manifestação desse desejo. Queremos discuti-las junto com outras. Nos anima um grande diálogo nacional, de construção de acordos sobre o essencial, a partir dos problemas da cotidianidade até as elaborações que possam parecer mais complexas e abstratas.

Acerca da complexidade do momento político e a necessidade de um Governo de transição

A constituição de nosso Partido ocorre em um contexto político no qual se disputa a perspectiva de uma paz negativa, de simples silenciamento dos fuzis, ou de uma paz direcionada para transformações políticas, econômicas, sociais e culturais mais profundas, derivadas de um possível desencadeamento da potência transformadora dos acordos e das múltiplas lutas e mobilizações de resistência e reivindicação em franca confrontação com as políticas neoliberais. E na qual, por outro lado, persiste a guerra suja que continua assassinando dirigentes sociais e populares, e por conta do ódio e da mentira, pretende enfraquecer e atravessar a perspectiva de construção da paz que vem abrindo caminho.

Assim, advertimos um processo de crise no amadurecimento do regime político e do sistema político, e da organização da justiça estatal, por conta de diversos fatores, particularmente dos derivados de práticas criminosas e corruptas que destroem políticos e magistrados, que colocam de voga um estado de decomposição em todos os níveis. Registramos também tendências ao estancamento econômico e manifestações de crise fiscal, com impactos severos sobre o trabalho e o ingresso e as condições de vida da população.

Como se aprecia, trata-se de um contexto político de suma complexidade, com relativa dificuldades para advertir quais serão os caminhos nos quais a ação das forças políticas e sociais desempenhará um papel decisivo, sem poder identificar ainda como se produzirão agrupamentos ou reagrupamentos entre elas. Não se observam ainda elementos suficientes para coesões ou articulações estáveis. No entanto, alguns setores, os de direita e de extrema-direita, privilegiam o desmonte dos Acordos de Havana; outros, os de centro-direita, focam suas preocupações no combate à corrupção e no crescimento econômico; e uns terceiros, de amplo espectro democrático e popular, enfatizam, em alguns casos, na implantação dos acordos e na perspectiva de uma paz completa que inclua um acordo de paz com o ELN, e em outros os consideram simplesmente como um assunto mais da agenda política. Sem desatender os setores não organizados, tradicionalmente céticos frente ao exercício da política. Tudo isso, no marco do início da campanha eleitoral para a presidência da república e da integração de senado e câmara.

O ingresso na vida política nos recebe com a obrigação da participação nas eleições de 2018. Não só porque se trata de um compromisso derivado do acordo, mas porque não podemos ser indiferentes nem frente à eleição presidencial, nem à formação do novo Congresso. Nas circunstancias observadas, nossa proposta de governo de transição adquire particular relevância. Em nossa opinião, e dado o significado histórico já assinalado dos acordos, é primordial garantir que sua implantação conte com condições favoráveis. Não nos cansaremos de afirmar que os acordos não são para as FARC-EP ou o Partido político que surgirá delas neste Congresso fundacional, mas que foram concebidos para beneficiar o conjunto da sociedade colombiana e, particularmente, os pobres e despossuídos do campo.

Nesse sentido, advogaremos por um acordo político e por um programa de governo que privilegie a implantação, sob o entendimento de que essa construção não se limita a esse propósito, mas que deve contemplar propostas de solução para problemas prementes da população e da sociedade colombiana em geral. Por isso, consideramos que deve ser possível chegar a uma convergência nacional para uma grande coalizão democrática, baseada na identificação de conteúdos programáticos básicos. De nossa parte, buscamos contribuir para a construção de uma saída, que num momento inicial, tenha a capacidade de derrubar as pretensões da direita e da extrema-direita de causar quebras na reconciliação, definir a eleição presidencial a favor das forças da paz e de propostas programáticas de reformas básicas frente à difícil situação econômica e social que afronta o país e de necessários processos de reforma institucional do Estado, sempre com o propósito de qualificar e aprofundar a organização democrática.

Em um cenário dinâmico e complexo como o de Nossa América, a paz da Colômbia deve desempenhar um papel fundamental para preservar a paz e a irmandade do continente. O tipo de paz que se venha a construir na Colômbia incidirá, sem dúvida, sobre a tendência gera do processo político na Região. Fazemos parte das forças que na Nossa América disputam hoje um melhor destino para nossos povos, em meio da mais feroz contra-ofensiva da direita transnacional por reverter os avanços introduzidos por governos progressistas e democrático-populares nas últimas décadas.

53 anos de rebeldia armada se transformam hoje, a partir deste congresso fundacional, na nova forma de luta das maiorias pela mudança, por um novo país, o país da esperança, o que sempre palpitou em nossos corações, o da inclusão, o da justiça social e da soberania, o do respeito à dignidade e à natureza humana.

Neste aspecto, e a propósito da planejada visita do Papa Francisco a Colômbia, queremos fazer eco a suas reflexões em Laudato Si: o solo, a água, as montanhas, tudo é presente de Deus. Ocorre manifestação divina quando brilha o sol e quando cai a noite. A exploração irracional da natureza provoca o gemido da irmã terra, que se une ao gemido dos abandonados do mundo, com um clamor que nos reclama outro rumo. Em [São Francisco] se adverte até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça com os pobres, o compromisso com a sociedade e a paz interior. Faço um convite urgente, disse o Papa, a um novo diálogo sobre o modo como estamos construindo o futuro do planeta. Necessitamos uma conversa que uma a todos nós, porque o desafio ambiental que vivemos, e suas raízes humanas, nos interessam e impactam a todos.

Aos governos e povos de Cuba, Noruega, Venezuela e Chile, o mesmo que a Nações Unidas e seu Conselho de Segurança, a União Europeia, o CICV e a todos aqueles que de diversas partes do globo ajudaram na construção desta possibilidade de paz para a Colômbia, nossa eterna gratidão.

Nossa mensagem final, é uma evocação ao Libertador Simón Bolívar, e vai dirigida ao coração dos colombianos. Compenetremo-nos com o fogo de suas palavras: UNIDOS SEREMOS FORTES E MERECEMOS RESPEITO; DIVIDIDMOS E ISOLADOS PERECEREMOS. A unidade empunhando a bandeira da mudança é a potência transformadora, o sonoro fluxo humano reivindicando a vida, a inclusão, a justiça social, o respeito às visões alternativas de país e de Governo. E a UNIDADE é a força que necessitamos para ter uma pátria nova, tal como conceberam nossos pais fundadores Manuel Marulanda Vélez e Jacobo Arenas, e todos aqueles que ofereceram suas vidas por estes sonhos.

Concluímos a batalha das armas e começa agora, ou melhor continuamos, a batalha das ideais. As partes concordaram em sacar as armas da política para que a melhor proposta de país torne possível a felicidade de todos os colombianos em um ambiente de paz. Esta foi a maior bênção que nos deu a providência. Deve buscar-se por todos os meios um acordo de paz com os companheiros do ELN. A paz é de todos e para todos. Nosso maior anseio é que ela abarque todo o continente.

Aos povos e governos do mundo, manifestamos que concluímos o mais longo conflito armado do hemisfério, como consequência do acordo de paz de Havana assinado entre o Governo do Presidente Santos e as FARC. Que a paz abrace os povos da terra.

Muito obrigado.

Fonte: https://www.farc-ep.co/comunicado/informe-central-al-congreso-fundacional-del-nuevo-partido-politico.html

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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