Pacote de privatizações: velho discurso em favor de antigos interesses
Cristovam Thiago e Eduardo Grandi*
Esta semana o site G1 publicou reportagem listando todos os projetos de privatização hoje existentes no Brasil. Até o momento, União, Estados e Municípios possuem mais de 230 projetos para venda do patrimônio público nos mais diferentes setores, passando por infra-estrutura (transporte, energia, saneamento) até instituições financeiras e inclusive entidades como a Lotex e até mesmo a Casa da Moeda.
Retórica sem razão
De forma tendenciosa, a reportagem utiliza eufemismos como “venda ou concessão de ativos” para justificar as privatizações, reproduzindo o discurso governista de que a crise fiscal estaria obrigando o Estado brasileiro a se desfazer do seu patrimônio para recompor os cofres públicos… Mas este discurso não se justifica nem dentro da lógica da gestão do Estado capitalista. Com as contas públicas no vermelho, não há sentido em desfazer-se de ativos lucrativos, que trazem receita aos cofres públicos, senão pela lógica de um imediatismo que em nada resolve a crise fiscal.
Além disso, a reportagem faz questão de ignorar as recentes experiências negativas da privatização no Brasil. Caso emblemático é o das privatizações ocorridas no governo FHC. Nos dez anos seguintes à venda das companhias estaduais de energia, a conta de luz cresceu 400%, o dobro da inflação do período – e o país ainda sofreu com a falta de investimentos no setor, levando ao Apagão de 2001. Nas telecomunicações, o crescimento da cobertura das redes de telefonia não foi acompanhado pelo crescimento da qualidade do serviço, fazendo do setor de telecomunicação o recordista em reclamações no Procon… E há também o caso emblemático da mineradora Vale, que desde a privatização tem acumulado violações sistemáticas aos direitos trabalhistas e total descaso com a questão ambiental, culminando no desastre do rompimento da barragem de Mariana, em 2015.
Fato é que o discurso privatista é um dos maiores mitos modernos, uma falácia montada para se buscar justificar perante a maioria a satisfação dos interesses de uma ínfima minoria, a saber, os donos do grande capital privado. Os grandes leilões do patrimônio público seguem o mesmo receituário: começam com a determinação dos preços de venda dos ativos que, via de regra, são fixados por consultorias “independentes” em patamares muito abaixo dos seus valores reais. A seguir, a “venda” do patrimônio público é financiada com empréstimos do BNDES em até 80% (ou mesmo 100%, como nos governos Lula e Dilma) do valor da “compra”, empréstimos que, até recentemente, eram altamente subsidiados pelo governo. Tudo isso faz da privatização, em primeiro lugar, a cereja do bolo da corrupção em uma forma de sociedade intrinsecamente corrupta.
Privatização: remédio e causa das crises
Porém, a lógica privatista está muito além da pura e simples ganância de um punhado de bilionários. Dada a tendência histórica de queda das taxas de lucro, restam poucas saídas para o capital privado seguir crescendo – e a falta de crescimento é doença mortal para o capitalismo. Uma das saídas é buscar novos espaços para despejar capitais excedentes e torná-los fonte de mais lucro. Outra é promover o assalto indiscriminado aos cofres e ao patrimônio públicos, tomando a preço de banana empresas e ativos lucrativos e consolidados. É assim que, juntando a fome à vontade de comer, o mote da privatização se torna tendência constante da nossa época, imperativo para que o capitalismo possa sobreviver.
Porém, os capitalistas esquecem que tentar resolver seus problemas pela redução do Estado só abre espaço para mais problemas, para novas e mais violentas crises. Pois um Estado forte é funcional para garantir os lucros do capital privado em tempos de “prosperidade” (vide as transferências de trilhões de reais ao capital privado em empréstimos, subsídios, renúncias fiscais, pagamento de juros da “dívida” pública, etc., ocorridas principalmente nos governo Lula e Dilma, e que foram determinantes na atual crise fiscal), e vital para assumir o prejuízo em tempos de crise. Papel este que o governo do golpista Temer tem levado a cabo até as últimas consequências, com retirada de direitos, congelamento dos investimentos públicos, destruição da previdência – e claro, mais privatizações. Só que um Estado cada vez menor torna-se também cada vez menos capaz de “apagar o incêndio” das crises cíclicas, como a de 2008, da qual o mundo ainda não se recuperou e que hoje afeta pesadamente o Brasil.
Portanto, diferente do que a falácia liberal coloca, o “Estado mínimo” é algo que está longe dos interesses do capital. Precisa ser máximo para garantir o lucro privado, mas precisa também ser encolhido para garantir tais lucros – e aí está a grande contradição que leva o capitalismo a uma espiral descendente, na qual a classe trabalhadora é a grande prejudicada, de forma que aí está o grande risco que a prática da privatização proporciona ao conjunto da sociedade.
Quem é quem na privatização
O mapa das privatizações para 2018 impressiona não só pela quantidade dos setores envolvidos, mas também pelas forças políticas que os comandam. Os números apresentados na matéria são de 238 processos, sendo 75 federais, 104 estaduais, e 59 em capitais. No âmbito federal, a joia da coroa é a Eletrobrás, além de companhias energéticas de pelo menos cinco Estados. Se os processos se concretizarem podemos esperar um novo grande aumento nas tarifas de energia, como no passado recente – além de desmontar de vez a capacidade do Estado brasileiro intervir em um setor estratégico para o desenvolvimento e produtor de uma necessidade básica para o povo trabalhador que é o fornecimento de energia.
No âmbito regional, onde estão os maiores números (104 processos em 15 Estados), fica evidente o grau de comprometimento dos principais partidos brasileiros com a política da privatização.
No Distrito Federal, comandado pelo PSB, há 13 processos em curso, com destaque para o bilionário Estádio Mané Garrincha, que por conta da corrupção na sua construção já levou dois ex-governadores à cadeia.
O PSD tem dois Estados e oito processos, com projetos mais “modestos” como centros e eventos, ações da companhia de gás do Rio Grande do norte, dentre outros.
O MDB, (ex PMDB) tem quatro estados com 14 processos. Sua sanha privatista não poupa os setores mais estratégicos para a vida da população: no rio Grande do Sul, atacam a companhia de água e saneamento, além das empresas de energia, mineração e gás. No Rio de Janeiro, continuam na briga pra efetivar a privatização da Cedae (companhia de água e saneamento), cujas votações do projeto terminaram com verdadeiras batalhas campais no centro da cidade.
O PSDB, responsável pela onda de privatizações dos anos 90, está em quatro Estados e em 18 processos. Em Goiás, só de rodovias são sete na mira dos tucanos; em São Paulo, metrô, rodovias e saúde estão na bola da vez.
Porém, dentre as legendas, o campeão das privatizações nos Estados é o PT, com 51 processos em curso, quase metade dos processos totais – tudo isso vindo de um partido com discurso historicamente anti-privatista, mas que nos treze anos de governo Lula e Dilma foi responsável pela venda descarada de grande parte da nossa infra-estrutura, incluindo ferrovias, rodovias, portos e aeroportos!
De fato, os três Estados com maior número de processos têm gestão petista. O Estado do Piauí é o campeão nacional com 22 projetos, incluindo um Porto, uma Usina de energia solar, um hospital e até o Corpo de Bombeiros. O segundo colocado, o Ceará, conta com 14 processos, incluindo portos, o Aquário de Fortaleza, um aeroporto, a Arena Castelão e o sistema de Metrô, dentre outros. O terceiro colocado é Minas Gerais com 13 projetos, onde planeja-se implantar, manter e operar 128 escolas através de uma PPP (Parceria Público-Privada), que renderão as cofres públicos prejuízo na ordem de 1,2 bilhão de reais. A Bahia tem a menor quantidade de privatizações dentre os estados comandados pelo PT, com duas, incluindo o VLT (Veículo leve sobre Trilhos) da capital e uma rodovia.
Fica claro que o amoldamento petista aos ditames do grande capital vai de vento em popa, e não se pode mais atribuí-lo a um pequeno grupo deste ou daquele Estado, neste ou naquele caso específico. Mesmo após a cassação de Dilma e a condenação de Lula, o PT não arreda pé da velha política de conciliação de classes (que, no discurso, pretende governar ao mesmo tempo pro povo e pro grande capital), trabalhando no desmonte do patrimônio público, operando na lógica dos interesses do capital no seu caráter mais perverso, via privatização de escolas, saúde e segurança pública.
*São membros do Comitê Regional do PCB em Santa Catariana.