A Aceleração da precarização da vida dos agricultores catarinenses após o golpe de 2016

imagemPor Giancarlo Capistrano*

PCB-SC

O texto traz alguns elementos para entender a precarização da vida dos agricultores catarinenses, acelerada após o golpe de 2016, buscando olhar para os setores mais pauperizados do campo catarinense, além de analisar as políticas federais e estaduais de assistência técnica e apontando alguns caminhos para a classe trabalhadora modificar esse cenário.

O modelo de produção agropecuária promovido pelos sucessivos governos federais e pelo congresso brasileiro volta-se para o agronegócio, ou seja, privilegia as grandes propriedades produtoras de commodities, principalmente grãos como soja e milho transgênicos, que são exportados para outros países onde viram ração. Esse modelo recebe generosas isenções de impostos, e, além de não alimentar o país, contribui para a concentração de terra e riqueza em poucas mãos, faz uso intensivo de agrotóxicos e adubos químicos, destrói biomas, desperdiça e contamina a água, degrada o solo, polui a atmosfera, gera poucos empregos e favorece a grupos políticos, como a bancada ruralista, que têm muita força no congresso, e gera leis que favorecem a esse modelo e prejudicam a agroecologia, a reforma-agrária, a demarcação de terras indígenas e quilombolas e a proteção ambiental.

Uma das primeiras ações do governo ilegítimo de Michel Temer foi a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que cuidava das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, a agroecologia e a reforma-agrária, passando essas questões para uma secretaria da Casa Civil, diminuindo drasticamente a verba para estas áreas.

Quanto às políticas de reforma-agrária, desde o primeiro governo de Dilma Rousseff (PT) o número de novos assentamentos vem apresentando péssimos resultados, fazendo com que sua gestão, no final de 2014, recebesse o título de governo que menos assentou nos últimos 20 anos. Contudo, o governo Temer conseguiu piorar extremamente esse cenário, não assentando nenhuma família no ano de 2017, alegando para isso as irregularidades na lista de pessoas aptas à reforma-agrária. Se ele tivesse algum interesse em resolver a questão, encontraria maneiras de possibilitar que os trabalhadores do INCRA corrigissem as irregularidades, sem a necessidade de atacar a verba para a reforma-agrária e nem acabar com a criação de assentamentos.

Os cortes de verbas na área aproximam-se dos 87% para o ano de 2018, precarizando ainda mais a situação do INCRA, que já apresentava uma diminuição drástica na assistência técnica aos assentados e foi forçado a transferir parte dessa responsabilidade aos municípios, firmando parcerias para que os técnicos das prefeituras assumam a elaboração de projetos de crédito e forneçam assistência técnica aos assentados, além de colaborarem com a atualização de dados cadastrais dos assentados. Cabe aqui chamar a atenção para a responsabilização dos municípios por essa assistência, já que a maioria deles não dão conta de prestar uma assistência técnica de qualidade aos agricultores não assentados e nem mesmo possuem algum planejamento para a melhoria da situação dos trabalhadores agrícolas e do ambiente rural.

Em Santa Catarina as empresas públicas relacionadas à agricultura, como a CIDASC e a EPAGRI encontram-se ameaçadas pela política de desmonte do serviço público e privatização dos sucessivos governos de direita, com piora do quadro nas gestões do Colombo. Raimundo Colombo privatizou quase toda a estrutura de saúde de SC, o que se mostrou um desastre ao se observar a crise na saúde vivida aqui no estado; o governador do PSD protagonizou também um escândalo por fortes indícios de corrupção nas negociatas para a privatização da CASAN; e, após a absurda tentativa de privatizar o lucrativo Porto de São Francisco do Sul para cobrir um rombo bilionário de outras áreas, levou a uma forte mobilização dos trabalhadores do porto; mesmo assim, o governo Colombo e seus pretensos sucessores não desistem dessa estratégia entreguista, corrupta e fracassada de desmontar e privatizar as empresas públicas catarinenses, como nos deixa claro Gelson Merísio, pré-candidato a governador de SC pelo PSD no seguinte vídeo: Gelson Merísio promete fechar regionais de empresas públicas de SC

Nos últimos anos o quadro de funcionários da EPAGRI e da CIDASC vem diminuindo continuamente através do Plano de Demissão “Voluntária” Incentivado (PDVI) sem que sejam realizadas novos concursos para reposição dos aposentados, bem como foi diminuída a parte do orçamento reservado para estas empresas. Atualmente os funcionários da EPAGRI não dão conta de atender a demanda sobre a assistência técnica nas unidades produtivas de agricultura familiar devido à sobrecarga de serviços burocráticos que precisam resolver nos escritórios, causada pelo aumento nos projetos de crédito agrícola nos governos petistas, que não foi acompanhada pelo aumento no quadro de funcionários.

Grande parte dos agricultores catarinenses conta apenas com a “assistência técnica” das empresas agropecuárias às quais estão integrados, como a assistência prestada pelas fumageiras ou pelas agroindústrias de carne e derivados animais, que repassam aos agricultores as exigências estruturais e de manejo, vendem para eles diversos insumos, não se responsabilizam por acidentes de trabalho e controlam os preços pagos aos agricultores, repassando a eles os possíveis prejuízos provenientes da oscilação dos preços. Essa assistência privada serve aos interesses das empresas e não aos agricultores. Outros agricultores familiares nem mesmo tem acesso à assistência privada, utilizando-se de técnicas rudimentares de trabalho e, às vezes, não conseguem nem produzir o suficiente para subsistência da família.

Vale lembrar que temos ainda milhões de trabalhadores rurais sem terra no Brasil, 4,8 milhões de famílias de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), para os quais não há esperança de conseguir mudar suas condições frente aos atuais governantes. Resta a eles a resistência e a luta organizada. Porém, o número de assassinato de militantes dos movimentos de luta pela terra no Brasil nos últimos tempos é alarmante, foram 70 mortes em conflitos no campo registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (CEDOC) da CPT.

Nos governos petistas algumas políticas públicas melhoraram um pouco as condições das famílias assentadas, como políticas de crédito voltadas para os assentamentos da reforma-agrária e o PRONERA, que levou acesso a educação a muitos assentados, desde a alfabetização, passando por todo o ensino fundamental e médio até a pós-graduação. Mas o PRONERA, como toda política pública, ficou refém da troca de governo, e foi quase exterminada pelo governo Temer, reduzindo para ZERO o orçamento para o programa em Santa Catarina em 2018.

A baixa ou nenhuma escolaridade ainda é a realidade entre os agricultores catarinenses, são mais de 50 mil analfabetos entre a população rural do estado (Censo Demográfico 2010, IBGE), e é ainda mais precária nos assentamentos que não receberam turmas do PRONERA. Os agricultores assentados analfabetos agora não têm mais perspectiva de conseguirem mudar essa realidade a partir do INCRA e precisarão contar com a boa vontade do governo estadual ou dos governos municipais, que provavelmente alegarão falta de verba para não atender essa demanda. Vale lembrar que a política que tem sido adotada pelos sucessivos governos estaduais foi a do fechamento das escolas rurais.

As poucas conquistas que a classe trabalhadora do campo teve, mesmo com governos ditos de esquerda, foi a partir de sua mobilização. Se não fosse a intensa luta de movimentos como as ligas camponesas, depois o MST, MPA, MAB, MMC, entre outros, não teríamos avançado em garantias de alguns direitos trabalhistas para os agricultores, não teríamos conquistado nenhuma terra para assentamentos de reforma-agrária, não teríamos reconhecidos os direitos trabalhistas das agricultoras, não teríamos políticas de crédito para agroecologia e para a agricultura familiar, não teríamos programas de educação do campo, entre outras conquistas. Porém, em momentos como o atual, onde a burguesia atropela qualquer vestígio de “democracia” para impor suas políticas, o governo golpista não mede esforços para frear ou atacar os direitos trabalhistas e as políticas públicas, a fim de garantir  lucro dos ricos, mantendo esse injusto e desigual sistema capitalista.

Os lutadores da cidade e os extensionistas rurais precisam unir forças com o campo e erguer suas bandeiras. É preciso que avancemos juntos. A conformação com a divisão entre cidade e campo é a aceitação do atraso do campo em relação à cidade. O rompimento com essa dicotomia nos permitirá unificar as lutas para avançar na construção de um projeto de sociedade para todos os trabalhadores.

“Só, só sai, só sai reforma-agrária,
com a aliança camponesa e operária”

Frente aos ataques dos reacionários à democracia e à vida dos lutadores sociais no campo e na cidade, a classe trabalhadora organizada no campo tem papel fundamental na construção de uma ampla unidade entre as forças progressistas para frear o projeto da burguesia, e abrir caminho para a construção de um projeto que avance para a libertação da classe.

Precisamos ampliar e fortalecer a organização popular e a participação política dos trabalhadores do campo nos espaços de poder popular, sejam territórios, sindicatos ou entidades estudantis, para a defesa de um programa que avance, sem conciliação com a burguesia, para um governo dos trabalhadores. Precisamos avançar para o socialismo, única possibilidade de libertação da classe trabalhadora para a garantia definitiva de uma vida digna e próspera para todos.

“Se o campo e a cidade ‘se unir’
a burguesia não vai resistir!”

-Lutar, criar, poder popular!

*Técnico Agrícola e militante do PCB Santa Catarina

https://pcbsc.wordpress.com/2018/04/19/precarizacao-da-vida-dos-agricultores-catarinenses-apos-golpe-2016/