PARAGUAI, ENTRE LULA E A SOJA

Os grandes plantadores de soja brasileiros foram se instalando no Paraguai a partir da década de 1960, atraídos pelo baixo preço da terra e pelas facilidades outorgadas pela ditadura, e trouxeram também seus “peões” do Brasil. Calcula-se que existe hoje no Paraguai algo como meio milhão de brasiguaios, representando 10% da população do país. Em algumas zonas dos departamentos fronteiriços, San Pedro, Itapúa, Alto Paraná, Concepción, Amambay e Canindeyú, se fala português e se comercia em reais. Ainda que não haja dados oficiais, estima-se que até 80% dos cultivos de soja estejam nas mãos de brasiguaios.

As ocupações de terra dos camponeses – em particular aquelas lideradas pela Organização de Luta pela Terra (OLT), nas que participam também militantes de outros movimentos – focalizaram-se nas fazendas do brasiguaio Tranquilo Favero, proprietário de 55 mil hectares e 30 depósitos de soja nos departamentos de Alto Paraná e Amambay. No final de outubro quatro mil camponeses derrubaram arames e ameaçaram queimar os depósitos. O “rei da soja” e seus colegas se queixaram à Associação Rural e ao governo Lugo, contando com um poderoso aliado…

No início de outubro o governo de Luiz Inácio Lula da Silva emitiu o decreto 6952, que regulamenta o Sistema Nacional de Mobilização, com o qual o governo do PT pretende enfrentar uma eventual “agressão estrangeira”. O decreto a define como “ameaças ou atos lesivos à soberania nacional, à integridade territorial, ao povo brasileiro ou às instituições nacionais, ainda que não signifiquem invasão do território nacional”.

No dia 17 de outubro, 10 mil soldados brasileiros iniciaram exercícios militares na fronteira com o Paraguai. A gigantesca movimentação militar formou parte da Operação Fronteira Sul II, que durante uma semana incluiu a utilização de aviões, tanques, barcos, com uso de munição real. A imprensa de Assunção informou que a operação contempla exercícios como a ocupação de Itaipu e o resgate de cidadãos brasileiros.

O governo de Lugo levou o tema à Assembléia Permanente da OEA, onde insinuou que o operativo militar foi um “recado sobre Itaipu” e assegurou que o Brasil quer negociar a paz para os plantadores de soja com um pequeno aumento do preço da energia que compra do Paraguai. Os governos de Lugo e Lula começaram uma rodada de negociações centradas em torno de dois pontos-chave: o Paraguai quer recuperar a livre disponibilidade de sua energia e poder vender o seu excedente a qualquer país, e quer receber algo mais que o preço de custo que estabelece o Tratado de Itaipu, cinco vezes menor que o preço de mercado.

O general José Elito Carvalho Siqueira, chefe do Comando Militar do Sul, explicou à imprensa as razões da operação: “já terminou a fase em que tínhamos que esconder as coisas. Hoje nós temos que demonstrar que somos uma potência, e é importante que nossos vizinhos o saibam. Não podemos deixar de exercitar e mostrar que somos fortes, que estamos presentes e temos capacidade de enfrentar qualquer ameaça”. Uma das ameaças a que aludiu é uma possível ocupação de Itaipu por movimentos sociais, já que a represa fornece 20% da energia que o Brasil consome.

Mas foi o diretor da revista militar DefensaNet, Kaiser Konrad, quem, ao entrevistar o general Carvalho, explicou as razões de toda aquela mobilização militar: “a Operação Fronteira Sul II quer dar um recado ao governo Lugo, o de que os militares brasileiros estão atentos à situação enfrentada pelos brasiguaios, que estão sofrendo com as invasões de terra e as ameaças de perder suas propriedades legalmente adquiridas”.

Para afastar qualquer dúvida sobre a atitude do governo Lula, o ministro Celso Amorin pediu ao governo paraguaio, sem rodeios, que controlasse os “excessos” contra os brasiguaios. Em agosto um movimento camponês queimou uma bandeira brasileira num assentamento sem terra, refletindo um sentimento muito disseminado no Paraguai. Não são poucos no país guarani os que sentem que a potência regional se comporta como se os pequenos países que o rodeiam fossem o seu pátio traseiro.

Simultaneamente, o governo de Rafael Correa expulsou a multinacional brasileira Odebrecht do Equador por violar contratos, o que levou Lula a sair em defesa da empresa fundada por seu amigo Norberto Odebrecht, um dos principais contribuintes das campanhas eleitorais do PT.

O Paraguai atravessa uma encruzilhada. Pela primeira vez, ao longo de seis décadas de governos colorados, pode-se superar a tutela de Washington, realizar algumas reformas que limitem a corrupção, e melhorar as condições de vida da população. Mas não se quer cair numa nova dependência, diante de um poderoso vizinho que é a potência emergente da região.

Os movimentos estão também numa encruzilhada. Apoiaram Lugo porque ele os defendeu desde a diocese, quando era bispo, e prometeu a reforma agrária. Não estão dispostos a seguir esperando. Muito menos irão tolerar repressão, como vem sucedendo frente às ocupações nos dois últimos meses.

Originalmente publicado em La Jornada, México, em 07/10/2008. Tradução de Rodrigo Oliveira Fonseca.

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