A moral da história: Sergio Moro, a direita e o poder judiciário no Brasil

imagemGabriel Landi Fazzio*

Sergio Moro anunciou recentemente que aceitará o convite de Jair Bolsonaro para participar do Ministério da Justiça em seu governo. A notícia foi recebida com uma tímida celebração por parte de alguns setores da direita. Essa timidez na celebração revela o verdeiro mal-estar que se espalha frente a esta situação. A direita sabe que essa nomeação apenas deixará ainda mais evidente a parcialidade política de Sérgio Moro, reforçando as denúncias sobre sua atuação ilegal ao longo de toda a operação Lava-Jato.

Bolsonaro esperava atrair para seu governo a imagem positiva de Moro, sua suposta honra e ética. O efeito será o contrário: toda a repulsa que já pesa sobre Bolsonaro cairá sobre Moro, cada dia mais.

E como seria diferente? Moro, que antes dizia que “Caixa 2 é pior que corrupção” [1], agora participa em um governo que já indicou uma série de políticos corruptos para seus ministérios – inclusive Onyx Lorenzoni, Ministro da Casa Civil, que já confessou ter praticado o Caixa 2!

A capacidade que Bolsonaro tem de reunir sob sua asa os mais falsos entre os moralistas é, realmente, impressionante! Hipocrisia acima de tudo e a classe dominante acima de todos: eis o verdeiro mote desse governo de charlatões.

O alinhamento de Sergio Moro à direita política e ao imperialismo nunca foi segredo. O Wikileaks (site especializado por vazar documentos internos do governo estadunidense) revelou, já há tempos, a ligação entre Sergio Moro e o Departamento de Estado dos EUA, que apadrinhou sua carreira jurídica desde 2009. [3]

Esse vazamento apenas confirmou as suspeitas já existentes, devido às conexões entre sua esposa e o PSDB do Paraná [4]; além, é claro, da própria prática judicial de Moro, atacando os políticos da esquerda liberal de forma desproporcional, e deixando passar toda uma série de crimes dos políticos da direita.

Por isso mesmo Moro é, há tempos, o queridinho da “direita apolítica”, essa que gosta de atuar sem admitir abertamente suas posições políticas. Moro veste a toga da imparcialidade judicial e argumenta que está apenas fazendo cumprir a lei – mesmo que, na verdade, Moro sempre vá além da lei quando pune a esquerda liberal, e fique aquém da lei quando precisa lidar com a direita.

Primeiro, Moro realizou ilegalmente o vazamento de intercepções telefônicas de diversos políticos, em especial os do PT. Depois, inviabilizou a candidatura de Lula, a mais forte candidatura da ala esquerda do regime burguês brasileiro, abrindo um caminho verdejante para Jair Bolsonaro percorrer durante as eleições. Agora, com a vitória do candidato da extrema-direita, Moro está sendo devidamente recompensado por seus serviços sujos. Os fatos confirmam essa narrativa de modo cada vez mais evidente, e é justamente por isso que as celebrações em torno da nomeação de Moro são tão tímidas.

Mas Sergio Moro não é, na verdade, uma exceção no judiciário brasileiro: posturas autoritárias, antipopulares e pró-empresários são regra na “Justiça”. Por que isso acontece?

Com um pouco de observação, não é difícil perceber que o poder judiciários é um dos poderes menos democráticos e mais elitistas do Estado. Toda teoria liberal que consagra o judiciário como um poder “contra-majoritário” é apenas uma forma sofisticada de dizer: o judiciário é a última linha de defesa das elites contra as maiorias do povo.

Qualquer trabalhador e qualquer trabalhadora que acompanhe os noticiários com atenção perceberá que o poder judiciário interfere na vida política sempre em favor de um lado muito bem definido: a favor dos interesses dos grandes empresários.

O Supremo Tribunal Federal, no fim de agosto, bateu o martelo no tema da terceirização, e autorizou sua aplicação a todas as atividades da economia – o que vai resultar em menores salários e piores condições de emprego.

Outro exemplo é o caso do Tribunal de Justiça de São Paulo que, em 2013, a pedido da Federação dos Industriais, proibiu a reforma do IPTU na capital – uma reforma que reduziria os impostos nas periferias e aumentaria a cobrança nas regiões mais valorizadas!

Mesmo nos casos em que os juízes aparecem como heróis do combate à corrupção, fica evidente sua seletividade e sua parcialidade. Enquanto alguns políticos são julgados a jato, outros ganham os privilégios da lentidão. Essa lentidão, muitas vezes, leva até mesmo à prescrição dos seus crimes – como é o caso do Mensalão do PSDB, em Minas Gerais.

No Estado de São Paulo, por exemplo, o mesmo PSDB parece ser intocável. Apesar dos diversos escândalos de corrupção envolvendo Geraldo Alckmin, o tucano atuou livremente na corrida presidencial, enquanto Lula foi julgado em tempo recorde. Será que isso tem alguma coisa a ver com Alckmin sem sobrinho de um antigo juiz do STF, nomeado na época da ditadura; ou com o fato de Alckmin ser tão bem relacionado com o antigo presidente do Tribunal de Justiça a ponto de chamá-lo para ser Secretário em seu governo?

A verdade é que o judiciário, tanto quanto todos os outros poderes do Estado, está completamente nas mãos dos grandes grupos econômicos e é marcado pela corrupção. Obras superfaturadas e propinas não são exclusividades do Executivo e do Legislativo. Ao mesmo tempo, são os grandes empresários que financiam as passagens aéreas e hospedagens de juízes em dezenas de “Conferências”, todos os anos.

São, em sua maioria, os filhos dos ricos que têm condições de estudar para os concursos da magistratura. E, não bastasse tudo isso, os juízes decidem eles próprios sobre seus salários exorbitantes, e muitas vezes utilizam esse dinheiro para se transforarem também, eles próprios, em empresários, fazendeiros e investidores da Bolsa. Por esses e muitos outros motivos os juízes atuam, em geral, em benefício dos demais ricos. Ao mesmo tempo, atingem os pobres com mão de ferro, autorizando a repressão aos movimentos de luta por melhores condições de vida e definindo duras penas para os mais pobres – enquanto os ricos se safam com os melhores advogados que o dinheiro pode comprar.

Existem, é claro, juízes com espírito democrático e favoráveis às causas populares. O exemplo é a Associação dos Juízes pela Democracia. Mas essa exceção apenas confirma a regra. Ainda mais se observarmos como esses juízes e juízas são tratados pelo poder judiciário como um todo. Não são raros os casos que, por conta de seus posicionamentos progressistas, estas juízas e juízes são perseguidos e processados por seus “pares” judiciais! [5]

Com o episódio da nomeação de Moro para o Ministério de Bolsonaro, devemos não apenas condenar a parcialidade deste juiz, mas perder nossa própria ilusão na imparcialidade do poder judiciário. Essa imparcialidade é, quando muito, uma inércia que favorece os mais fortes. Não é justamente isso que ficou comprovado com a débil atuação do Tribunal Superior Eleitoral contra as fraudes de Bolsonaro, ou quanto às agressões realizadas por seus partidários? Na maioria dos casos, porém, a situação é ainda pior, e o poder judiciário se lança ativamente no esforço de legitimar todo tipo de abuso e arbitrariedade cometida pelos governantes.

Hoje, os grandes empresários, em especial os do jornalismo, são os únicos capazes de exercer influência sobre as decisões dos juízes. A “opinião publicada” monopoliza para si própria a voz da opinião pública, e conforme sua própria conveniência bajula ou ameaça os juízes, para que decidam conforme seus interesses.

A única forma para minar o poder das elites sobre o judiciário é ampliar o poder das maiorias, exigindo o controle social do sistema da justiça. Na sociedade socialista que defendemos, todo o poder de julgar e de decidir deve estar subordinado ao Poder Popular, ao poder organizado da ampla maioria da população trabalhadora, explorada e oprimida.

No capitalismo, para que uns poucos tenham tanto, é preciso que a maioria esteja submetida à exploração, à opressão e à miséria. A injustiça é a verdadeira lei da produção capitalista. Neste sentido, abertamente parcial como é, Moro é o juiz perfeito, e sua nomeação deve ser vista como um arroubo de sinceridade do regime – deste tipo que se chama, popularmente, “sincericídio”.

O republicanismo ingênuo de esquerda, que cobra do judiciário uma imparcialidade prometida mas que, de fato, ele não pode cumprir, apenas poderá confundir o povo explorado sobre seus objetivos históricos, e dificultar a disseminação dessa compreensão sobre o caráter elitista do poder judiciário.

A classe trabalhadora e a maioria oprimida da população só poderá conseguir justiça de verdade através da sua própria luta, enfrentando toda esta casta de juízes, promotores, generais e políticos que servem às classes dominantes; e tomando nas suas próprias mãos o poder!

1. https://oglobo.globo.com/brasil/nos-eua-moro-diz-que-caixa-2-pior-do-que-corrupcao-21183122

2. https://exame.abril.com.br/brasil/saiba-quem-e-onyx-lorenzoni-futuro-ministro-da-casa-civil-de-bolsonaro/

3. https://www.brasildefato.com.br/2018/04/30/wikileaks-eua-criou-curso-para-treinar-moro-e-juristas/

4. https://jornalggn.com.br/noticia/a-mulher-de-sergio-moro-as-empresarias-do-parana-e-o-psdb-mulher

5. http://www.sasp.org.br/jornal-sasp/555-juristas-se-mobilizam-em-favor-de-desembargadora-processada-por-posicionamento-garantista.html

*Militante do PCB de São Paulo