Jesús Santrich: “Jamais permitirei que me extraditem!”
Resumen Latinoamericano. Semanario Voz
Em sua primeira entrevista para meios de comunicação logo depois de sua detenção, o líder da extinta guerrilha se defende das acusações que o promotor Néstor Humberto Martínez e a DEA (Agência Antidrogas dos EUA) fazem contra ele, adverte sobre a crise na implementação dos acordos de paz refletida na desnaturalização da JEP (Jurisdição Especial de Paz) por parte do uribismo, e lança uma mensagem ao país para não desistir da busca pele paz com justiça social
Redação política
O país já conhece os elementos judiciais que os Estados Unidos moveram contra você. Falam de dois áudios em que você aceita um encontro para falar sobre projetos produtivos. Pode contar-nos o contexto desses áudios?
– O contexto dos áudios é do meu trabalho como integrante da Comissão de Acompanhamento e Impulso para Verificação e Implementação, na qual, dentre outros assuntos, me correspondia promover a implementação dos acordos, o que incluía atender propostas que apareceram no campo da reincorporação. Houve centenas de reuniões e conversações sobre esses temas com diversos empresários e entidades.
Nessas circunstâncias aparece Marlon Marín, buscando acercar gente interessada em apoiar a reincorporação. Ele chega com a ideia de projetos de granjas “econativas” para os ETCR, projeto em que se formularam estudos patrocinados por agências da ONU e o pessoal da oficina do Ministério do Pós-conflito. Marín então leva uns supostos empresários mexicanos que queriam ajudar supostamente neste tipo de investimento.
Foi realizada uma reunião para isso, para manifestar a intenção de se apresentar um projeto e, eles ficaram de continuar fazendo as gestões com o Governo. Depois dessa primeira reunião, é que Marín insistiu numa segunda em que os empresários apresentariam detalhes do projeto. Buscando esse segundo encontro é que me fez uma chamada insistindo que os atendesse. Nessa chamada que já é pública fida claro que insistem comigo para que os atenda a fim de falar de projetos produtivos e não de nenhum negócio ilícito. Com esta gente não falo coisa nada diferente dos projetos produtivos em reuniões de muito poucos minutos.
O Promotor se viu obrigado a revelar os áudios que dizia ter contra mim, que simplesmente dão conta da montagem da DEA, do Estado colombiano e de pessoas que usam para fabricar falsidades, aludindo a mim sem meu concurso; por isso o desespero que se nota em pedir que eu os atendesse: está claro que necessitavam envolver-me de qualquer maneira.
Ao final não são mais que conversações onde agentes da DEA e seus colaboradores falam entre si e outras em que tentam organizar uma reunião comigo para falar de projetos produtivos. Nenhuma prova contundente nem concluinte de nada, como se atreveu a dizer o então presidente Santos.
Como segue sua defesa quando já se conhecem as provas da Promotoria?
– Minha defesa desde o primeiro momento desta obscura trama se centrou em demonstrar as falsidades, em exigir que minha conduta seja avaliada pela JEP mediante um debate probatório, que é o que indica o Acordo de Paz e a norma constitucional neste tipo de casos (Artigo 19 do Ato Legislativo 01 de 2017). Com certeza absoluta ninguém poderá apresentar provas porque se trata de uma acusação sobre fatos que não ocorreram.
É por essa razão que existe todo um concerto institucional para evitar que em meu caso a JEP possa realizar uma única prova e tome as decisões em direito. Não se trata somente de meu caso particular, sinão da subsistência mesma da JEP o que está em jogo.
Seu juiz natural é a JEP. Já passaram os primeiros casos e têm sido chamados ex-comandantes para iniciar o processo judicial nessa instância. Você confia em seu juiz natural, a JEP?
– A criação da JEP se deu a partir de nosso questionamento ao “ius puniendi” e à crise da jurisdição ordinária. Procurou-se criar, dentro do Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição, uma jurisdição fiável e imparcial, com o infortúnio de que o Congresso e o conjunto da institucionalidade desfigurou enormemente suas características de origem, consagradas no Acordo. Porém, no momento é o que menos contaminado está, diferentemente das outras jurisdições, instrumentos fundamentais de guerra. Não posso questionar sua atuação porque apenas está iniciando sua gestão, enfrentando todo tipo de pressões.
O processo de paz
Falemos do processo de paz Que interesses estão por detrás da sistemática agressão ao processo de paz?
– O processo de paz está em crise pelos descumprimentos do Estado. Houve algumas realizações normativas, o acesso a oito assentos parlamentares, uns poucos recursos de sobrevivência para os ex-combatentes no plano deste terreno em disputa que é a implementação. Mas, no fundamental, a perfídia está configurada e atiçada por setores belicistas como o uribismo, fazendo de protagonistas da revanche. Os verdadeiros títeres estão no bloco de poder dominante, nas transnacionais e no setor financeiro, na embaixada gringa, que são os verdadeiros fatores de poder que querem acabar com as FARC, não apenas com o que eram como força guerrilheira, mas como projeto de mudança revolucionária que encarnam, mesmo que não tenhamos armas.
O Acordo está plantado como a soma de uma série de fórmulas para a superação das causas do conflito. O cumprimento do acordo portanto não se pode medir por frações, senão na vocação ou decisão política de estabelecer a superação das causas do conflito. E vemos como estamos. Não há reforma rural integral nem abertura democrática, continua a erradicação forçada a sangue e fogo, enquanto em transações parlamentares se pretende roubar a verdade sobre as vítimas de crimes de Estado. Sem alterar as causas do conflito, se está traindo a solução política.
O Promotor Geral da Nação respondeu a uma nota que você lhe enviou: “eu não respondo aos que estão no cárcere”. Que interesses defenderia o Promotor Martínez para estar empenhado em mantê-lo atrás das grades?
Não esperava um abraço do Promotor, nem o desejo. Queria apenas que o país conhecesse as famosas “provas” com que se pretendia enganar incautos. Porém, aqui o assunto não podemos deixá-lo cair na ojeriza do personagem contra mim. Pode haver um ressentimento, porque desde que assumiu eu critiquei publicamente sua política de obstruções ao processo de paz e disse que ele devia explicar ao país seus enredos com a Odebrech. Mas eu sou apenas o início caprichoso de uma estrategia de destruição decidida contra as lideranças, para barrar toda alternativa de resistência e de construção de um novo país. O que nos ocorre, acentuando a guerra judicial e sem abandonar a guerra suja, é o mesmo que sucedeu, dentro da expressão de terror estatal no marco da luta de classes, à União Patriótica e ao conjunto do movimento popular.
Talvez a mim não me responderá por estar no cárcere, mas ao detido Luis Fernando Andrade, ex-presidente da ANI, terá que responder porque já foi citado no processo pelos subornos na construção da Estrada Ocaña-Gamarra.
Há militares indo à JEP para responder pelos fatos do conflito. Como avalia isso?
– A JEP se concebeu para que, no pós-acordo, se avaliasse a conduta durante a confrontação, não somente da insurgência, mas de todos os atores da longa guerra, incluindo militares e terceiros, sendo estes ou não agentes do Estado. Não foi pensado como um tribunal de submissão dos ex-combatentes esse comparecimento dos militares e demais indicados. Porém, precisamente como parte da desfiguração, tratam de convertê-lo em tribunal de julgamento da insurgência, aplicando além da legislação penal do inimigo.
Além disso, não se pode perder de vista que a força pública conta com um conjunto de definições jurídicas, as quais têm acudido a 1915 militares. O paradoxo é que, enquanto os militares se amparam na JEP, seus supostos defensores os querem tirar dela. Por trás disso está o grande temor da verdade que possuem todos aqueles que se beneficiaram dos crimes de Estado perpetrados pelos membros da Força Pública.
Desnaturalizar a JEP
– Você crê que exista um plano para judicializá-los fora da JEP. Como evitar? Que repercussões pode ter no processo de paz?
Desde antes de ter sido firmado o Acordo, se observava um afã em lograr a submissão da insurgência, mais do que garantir um pacto de reconciliação, e a via de materialização é a judicialização, a restrição do exercício político e da elegibilidade dos comandantes. Finalmente se supunha haver superado estes desencontros com a redação do acordo do Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e não Repetição, em que se incluiu a JEP e a Comissão de Esclarecimento da Verdade.
Neste caso, eles pretendem que se use a verdade como fator de revanche, tomando-nos como agressores por si, e para a JEP se redigiu uma Lei Estatutária com variações que buscam converter suas plataformas em um tribunal da inquisição contra os ex-combatentes. Inclusive na lei de procedimento se tentou incluir artigos para colocar sobre a insurgência a Espada de Dâmocles da extradição, como se não se houvera previsto que depois de firmado o acordo abundariam as falsas acusações para lançar-nos às garras da justiça ordinária e dos tribunais ianques.
Para evitar isto, a única garantia é o movimento popular. Se não há uma apropriação do propósito de paz e do acordo por parte do movimento social e popular, não há nada a fazer, pois a regressão nos conduziria a ciclos de violência mais terríveis na medida em que estarão alimentados por uma perda total de confiança nas saídas dialogadas. A perfídia é uma punhalada mortal contra qualquer tentativa de reconciliação.
– O Centro Democrático quer desnaturalizar a JEP para militares e criar una sala especial onde sejam julgados por juízes escolhidos pelo presidente Duque. Qual sua opinião?
O Centro Democrático, com suas políticas militaristas e de vingança desenfreada, não somente quer descaracterizar ainda mais a JEP e esmagar a FARC. Que ninguém se engane, seu propósito é o aniquilamento de qualquer alternativa revolucionária, mesmo que esteja desarmada. Este assunto da sala especial para militares escolhidos pelo presidente, ou de introduzir magistrados de sua aceitação em todas as salas da JEP, além de ser um despropósito dentro mesmo do estado de direito burguês, é um logro para os próprios militares.
As salas e tribunais da JEP são mais que suficientes, creio eu, não havendo a interferência nociva e as pressões das demais áreas do poder público. Dividir a JEP desequilibrando o sistema é criar situações para que intervenha a Corte Penal Internacional por conta de ficar realçada a evidência quanto aos propósitos de impunidade, submetendo o processo a maior insegurança jurídica e política.
– Você é um dos representantes na Câmara pela FARC. Quando sair da prisão assumirá sua cadeira? Qual será seu trabalho ali?
A equipe jurídica que me apoia tem insistido em lograr a possibilidade de eu não perder a cadeira no Congresso, entendendo as possibilidades jurídicas e institucionais de que o Estado retome o rumo da implementação do Acordo de Paz. No entanto, o Estado caminha no sentido contrário.
Da Presidência da Câmara de Representantes estão buscando aprovar a perda de minha investidura parlamentar. Esta é una peleja que se dá no Conselho de Estado e que expressa como se tem violado não apenas meus direitos políticos como pessoa no processo de reincorporação, assim como o compromisso do Estado de permitir esta cadeira ao partido FARC. Se foram pactuados 10 cadeiras, mas hoje somente se podem ocupar 8, há vilania do Estado e descumprimento do que foi acordado. Há setores do status quo que querem declarar a cadeira vazia e que o partido a perca.
De maneira calculada se esquece que eu não tenho impedimento algum na Colômbia. Estou privado de minha liberdade sem ter nenhum processo no país, e ainda assim, como prisioneiro me foi negado o direito de tomar posse. Espero que esta batalha seja ganha pelo meu partido e quem assuma a cadeira siga as linhas programáticas que traçamos no congresso fundacional e as definidas pela equipe parlamentar de oposição, a bancada alternativa na Câmara e no Senado, em beneficio das populações pobres do nosso país. Faz parte dela lutar pelo cumprimento da implementação do Acordo de Paz e abrir caminho para o processo constituinte, que no médio prazo será a única forma de ganhar uma paz estável e duradoura.
– Envie uma mensagem ao país
Minha mensagem ao país, em primeiro lugar, é de gratidão pela solidariedade que tenho recebido de muitos setores sociais, envolta na esperança de que apesar de tudo temos a possibilidade de alcançar a paz. Penso que há que persistir na busca de propósitos de justiça social e na construção de uma alternativa de mudança em convergência sem sectarismos, sem dogmatismos, confiando nas capacidades transformadoras dos pobres, das massas ativas do movimento social e das organizações e partidos que representam os interesses dos despossuídos.
Aqui a unidade dos comunistas e revolucionários joga um papel fundamental, sem cair na armadilha orientada a caçar inimigos na esquerda. De minha parte tenham certeza que darei tudo de mim, sem dobrar-me e com o juramento reiterado de triunfar ou morrer nesta batalha. Comigo não se consumará a rendição nem a chantagem pretendidas. Jamais permitirei que me extraditem! Mantenho bem alta a consigna fariana de que “Juramos vencer e venceremos!”.
“Tenho o absoluto convencimento que a busca da paz passa por não cessar a resistência nem por deixar-nos enredar nos fios dos ‘George Soros’ e suas marionetes. Em nome das populações pobres excluídas de nossa pátria, não podemos ficar sem VOZ”: Jesús Santrich.
Colombia. Jesús Santrich: “¡Jamás permitiré que me extraditen!”