Pinheirinho, novo patamar do “higienismo” fascista em São Paulo
28 de janeiro 2012
Um discurso fascista e higienista, utilizado em ações como a da Cracolândia e que pode estar por detrás de vários incêndios ocorridos nos últimos tempos nas favelas de São Paulo, novamente veio a tona na ação da PM de São Paulo no Pinheirinho, em São José dos Campos: a desocupação do terreno, além de legal, serviria para melhorar as condições de segurança na cidade.
Assim o membro do Comitê Central e Secretário de Organização do PCB em São Paulo, Wagner Farias, identifica o que nas palavras dele é “um novo modelo de tratamento” da direita aos problemas sociais do país. Ao lado dos moradores desalojados desde domingo, Wagner ajudou na organização de uma caravana de médicos ao local para prestar atendimento aos desalojados, que contou com a participação do militante comunista Klaus Nunes Ficher.
Nesta entrevista ao Portal do PCB, os dois avaliam a situação.
PCB – Como o partido se organizou para estar presente?
WAGNER – No domingo, tivemos a notícia da invasão da PM por volta das 11 h da manhã. No sábado, tudo indicava que não haveria a reintegração de posse. Quando soube, os relatos eram de que havia muitos mortos e feridos, então precisávamos deslocar o maior número possível de pessoas para lá para evitar uma carnificina. Tomei a decisão de me deslocar e, no caminho para São José dos Campos, começar a montar nossa atuação. De lá, dentro do Pinheirinho, não tive contato com todos os camaradas, devido ao cerco da Polícia Militar. Sei que estiveram lá o Rockeiro, a Lais Branco, o Klaus, o Ernesto Pichler, além do Milton Pinheiro e da Sofia Manzano.
PCB – É verdade que os desalojados estão usando fitas de identificação? Por que?
WAGNER – Sim, os moradores foram separados em quatro alojamentos e para conseguirem se locomover e voltar ao acampamento precisam ser identificadas por fitas em seus pulsos, que foram impostas pela Prefeitura de São José dos Campos. Mas as pessoas estão começando a arrancar essas fitas dos pulsos, pois alguns moradores já foram agredidos nas ruas, inclusive pela Polícia Militar, porque viraram alvos, devido às fitas.
PCB – E isso cria dificuldade para quem está aí, como o PCB, para prestar solidariedade?
WAGNER – Todas. Eu e todos que prestamos solidariedade estamos no Centro Poliesportivo do Morumbi, e nós dos movimentos de solidariedade não conseguimos entrar nos três outros alojamentos. Muitos moradores estão no Colégio Caíque, e sabemos que em péssimas condições, ainda piores que as daqui.
PCB – Quais são os alojamentos?
WAGNER – São o alojamento da Escola do Latão, o Colégio Caique, no bairro Dom Pedro; o Centro Esportivo do Vale do Sol e o Centro Poliesportivo do Morumbi, onde estamos. Mas a Prefeitura de São José dos Campos já quer separar as famílias que estão no Morumbi, levando algumas para o Colégio Limoeiro.
PCB – A tática deles então é dividir as pessoas…
WAGNER – Sem dúvidas. Aqui a prefeitura é do PSDB e deve estar recebendo orientação do alto tucanato. Eles querem dividir para desarticular o povo do Pinheirinho. E isso sob uma presença ostensiva da Guarda Civil Municipal no entorno dos acampamentos, com sinal de celular que desaparece, sites e blogs que desaparecem…
PCB – A direita se preparou mesmo para essa invasão?
WAGNER – Eles parecem querer criar um modelo de tratamento para todas as outras ocupações Brasil afora, assim como a UPP do Rio de Janeiro virou bandeira eleitoral por todo o país. Não conseguimos nem nos comunicar, o Yahoo está bloqueando meus e-mails, não consigo enviar mensagens daqui. O Twitter censurou, tudo isso muito rápido.
PCB – Quais os próximos passos?
WAGNER – Nossa principal tarefa aqui é publicizar o massacre e tentar sensibilizar a opinião pública. Nesta semana, a militância do PCB e de outras organizações fizeram panfletagens em São Paulo, nas estações do Metrô. Estivemos presentes no Ato da Praça da Sé, o convescote que reuniu Dilma, Alckmin e Kassab. Aqui em São José dos Campos, estamos articulados em apoio e com aceitação do movimento dos moradores. Estamos ao lado da CST e do C-Sol, Sindicato dos Metalúrgicos daqui, Unidos para Lutar, PSTU. Há intensa solidariedade entre as correntes políticas, independente das diferenças de formulação. Queremos tornar as condições para os desalojados mais dignas.
PCB – E o PT, deu as caras?
WAGNER – O PT não apareceu aqui enquanto partido. Há boatos de que há um acordo à beira de ser formalizado entre a Prefeitura do PSDB e o Governo Federal, através do Minha Casa Minha Vida, para a compra do terreno do Pinheirinho. Mas o Governo Federal diz que só fará isso com concordância do Governo estadual. Estão jogando o problema para o PSDB para depois dizerem: nada pudemos fazer porque o governo paulista não aceitou o acordo. É politicagem das mais absurdas.
PCB – E s desalojados, vão para onde?
WAGNER – A Prefeitura diz que vai oferecer uma bolsa aluguel, que seria de cerca de R$ 500 por família. Mas é algo parecido com o que ocorreu antes da PM invadir o local; jogam esses boatos para desmobilizar e dividir os moradores. Mas eles estão radicalizados, as pessoas adoecidas não querem nem ser transportadas nas ambulâncias da Prefeitura porque não confiam. O serviço de Assistência Social da Prefeitura apareceu aqui sabe para que? Para oferecer aos moradores passagens de ônibus para suas áreas de origem. Tem gente de outros estados que está aqui há mais de 10 anos…
PCB – E o que eles pretendem fazer?
WAGNER – Nesse sábado, às 18 horas, haverá uma assembléia dos moradores, com pessoas dos 4 acampamentos, no “Campão”. Estaremos presentes. Queremos denunciar a “limpeza” social que pretendem fazer em São José dos Campos, as pessoas estão sem casa e muitos foram demitidos de seus trabalhos sob a justificativa de que faltaram ao trabalho. As pessoas estão sendo empurradas para a criminalidade.
PCB – Soubemos que foi montada uma brigada de profissionais da área de saúde…
WAGNER – Essa brigada de saúde chegou com seis médicos. No final de semana, virão mais. As pessoas não tiveram tempo de retirar seus pertences. Então temos pessoas que não conseguiram pegar seus remédios e receitas. Diabéticos e hipertensos, gente ferida sem antibióticos. De início, os serviços de saúde da Prefeitura estavam negando atendimento para a população; só começaram a fazê-lo sob a imposição da Defensoria Pública Estadual, que veio aqui. Temos gestantes sem acompanhamento, crianças com desidratação. muita gente com febre e infecções. Nas primeiras horas, quem garantiu atendimento médico foram dois médicos voluntários.
KLAUS – Essa brigada foi composta por mim, 2 médicos e 1 estudante de medicina do PSTU e mais 4 médicos e um psicólogo sem filiação partidária. Estamos articulando com enfermeiros e psicólogos, alguns do PSOL.
PCB – E como vocês chegaram ao local?
KLAUS – A delegação saiu de São Paulo depois de participar do ato público no centro da cidade, contra a ação da PM no Pinheirinho e na Cracolândia. Só tivemos contato com a população que está no Ginásio do Jardim Morumbi. A assistência social da cidade impede o acesso a diversas informações.
PCB – Qual o quadro ali?
KLAUS – Os problemas de saúde são muitos e vão desde o saneamento básico até a atenção profissional em saúde propriamente dita. No momento em que chegamos ao alojamento, na tarde de quarta-feira, a população estava com pouca água para beber (em uma quadra poliesportiva que se transformou em uma grande estufa) e não havia água para os banheiros, que só chegou mais tarde em um caminhão pipa.
Há gente com escoriações no alojamento e precisam de um tratamento adequado para dor. Além dos doentes crônicos, como o Wagner já comentou, que saíram de suas casas sem a medicação de uso contínuo e não conseguiram resgatar nem a receita. Muitas crianças estão com infecções respiratórias e diarréia.
PCB – Esse coletivo de saúde planejou alguma ação de curto prazo?
KLAUS – No curto prazo, a proposta é realizar uma grande triagem ambulatorial dos desalojados nos próximos dias, tentando esmiuçar os problemas de saúde e resolver os problemas imediatos, como renovar uma receita médica de anti-hipertensivos, por exemplo, para que a população volte a ter a possibilidade de retirá-los na rede pública. Essa ação deve se concentrar, sobretudo, no próximo final de semana, quando poderemos contar com um maior efetivo de profissionais de saúde que se solidarizaram com a situação dos moradores do Pinheirinho e se prontificaram em ajudar.