A ATUAL CONJUNTURA COLOMBIANA

Não. Sempre haverá a oportunidade para o intercâmbio humanitário enquanto existirem pessoas, que são seres humanos, no injusto cativeiro por razões de conflito. O assassinato do Governador de Caquetá, que merece nossa rejeição e repúdio, atribuído pelo Governo Nacional às FARC, não pode afetar de nenhuma maneira os atos de humanidade no marco do conflito e tampouco a opção, sempre válida, de solução política negociada do mesmo. Menos ainda num conflito degradado como o nosso, com mais de meio século de existência.

Como entender que quando as FARC anunciaram a liberação do cabo Pablo Emílio Moncayo e do soldado profissional José Daniel Calvo, reafirmam o crime que comove o país?

Nada justifica um crime desta natureza, seletivo e bestial. Porém, recordo que neste país existe um conflito degradado e fatos horríveis desta natureza acontecem com freqüência. São cometidos por guerrilheiros, por paramilitares e pela Força Pública, porque depois de tanto tempo de confronto, aqueles que permanecem armados crêem que tudo é válido para derrotar o inimigo. Veja você a quantidade de crimes do paramilitarismo, criatura do Estado dominante e que recebe o apoio da Força Pública na luta contra-insurgente, registrados com certa benevolência pelos grandes meios de comunicação. Contudo, não justifico o crime do Governador, nem sequer pelo fato de que estava sendo investigado pelo Ministério Público por suposta ligação com grupos paramilitares. Precisamente pela existência do conflito prolongado pela política bélica da “segurança democrática” é que são indispensáveis os atos humanitários para diminuir a intensidade do conflito. O direito internacional humanitário existe para a guerra, não para a paz. Possui o objetivo de fazê-la menos dramática e de reduzir o impacto nos civis e combatentes. Exemplos de atos humanitários e inclusive de trocas humanas em meio à guerra existem em diversas localidades e em meio às forças combatentes. Num conflito como o colombiano, nenhum fato, por mais bárbaro que seja, deve fechar a porta para os atos de humanidade e menos ainda fazer desfalecerem as forças políticas e sociais que lutam pela paz e as saídas pacíficas e políticas do conflito.

Então, o que fazer para que Moncayo e Calvo recobrem a liberdade?

As FARC expediram um comunicado em que exigem um “protocolo de garantias” para efetivar a liberação de Moncayo, Calvo e a entrega dos restos do major Guevara a sua mãe, dona Emperatriz, que os espera há anos. Este é um ato de humanidade em meio ao horror da guerra.

O que se pode entender por “protocolo de garantias”?

No comunicado as FARC não o precisou, mas supomos que sejam as medidas de segurança e garantias para que a missão humanitária possa ser cumprida. Não é nada mais nada menos do que medidas que foram implementadas nas liberações unilaterais anteriores, como suspensão de operações militares na área ou áreas onde se fará a entrega; não seguir, por via aérea e terrestre, a missão humanitária; e estabelecer um tempo prudente para que a missão possa ser cumprida sem sobressaltos. Além disso, inclui-se a logística, porque as pessoas que participam da missão devem ser de confiança para ambas as partes. Na ocasião passada, foi o Brasil que se responsabilizou pela logística. Nessa oportunidade, pode ser o Brasil ou qualquer outro país aceito por ambas as partes.

uem integra a missão humanitária?

Creio que isso já esteja estabelecido. Por exigência do Governo: o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e a Igreja Católica, o que foi aceito pela guerrilha; e por exigência das FARC, a senadora Piedad Córdoba na representação dos “Colombianos e Colombianas pela Paz” e o professor Gustavo Moncayo, pai do agora sargento Pablo Emílio Moncayo, um dos militares que serão liberados. O problema é que sobre a última exigência, o Governo Nacional não mostra acordo.

Mas o presidente Uribe aceitou a senadora.

Sim, da boca para fora, porque na prática vem excluindo-a de toda a organização da missão humanitária e as FARC disseram, com muita clareza, que é a ela que entregarão as coordenadas, uma vez que está determinado o “protocolo de garantias”.

As tentativas do monsenhor Castrillón

O Monsenhor Castrillón anunciou que está organizando uma reunião com um representante da FARC na Europa. Você crê que isso seja possível?

Bom, é muito importante que o monsenhor Castrillón esteja trabalhando em algo assim. Sem dúvida, é difícil, porque uma reunião com um chefe das FARC, na Europa ou em qualquer outra parte, seria de risco para este, a menos que o monsenhor Castrillón obtivesse o aval do Governo colombiano.

Mas podem ser bem sucedidas as tentativas do prelado?

Se monsenhor Castrillón diz é necessário acreditar, pois é uma pessoa séria. Ele vem falando sobre o assunto há vários meses e declarando sua disposição de contribuir a favor da paz e das ações humanitárias, ainda que necessite fazê-lo em seu próprio nome e não em representação da Igreja Católica da Colômbia ou do Vaticano. Eu sei, porque ele mesmo me disse que, no passado, reuniu-se no país com dirigentes do Comando Central do ELN e não sei se teve essas reuniões com as FARC. Porém, o cardeal é alto representante do Vaticano e fez vários pronunciamentos pelo diálogo, pela paz e pelo intercâmbio humanitário. Temos que reconhecer que na Colômbia existem diferentes esforços pela causa comum da paz e do intercâmbio humanitário.

Estão suspensas as liberações anunciadas pelas FARC?

Foram suspensas depois que o Governo Nacional anunciou as operações militares de resgate aos seqüestrados e o assassinato do Governador de Caquetá. São fatos repudiáveis, mas que não podem ser convertidos em pretextos para impedir as liberações de Moncayo e do soldado Calvo e, menos ainda, impedir as soluções humanitárias e pacíficas. Devemos partir do fato de que na Colômbia existe um conflito interno, uma guerra de muitos anos com evidentes sinais de degradação. Enquanto esta situação persistir, nós não estaremos isentos dos atos de horror e barbárie. É por isso que devemos buscar saídas pacíficas e políticas do conflito. Não aceitamos estes atos degradantes do conflito, o rejeitamos com veemência, porém não sucumbimos no empenho da busca pela paz e pelas ações humanitárias. Nesse sentido, são úteis e positivas as propostas do monsenhor Castrillón.

A “segurança democrática”

O ministro da Defesa, Gabriel Silva, e os altos comandos militares celebram os avanços da segurança democrática. Você acredita nesses avanços?

Os senhores generais celebram, há sete anos, o fim do fim e anunciam a aproximação da derrota das guerrilhas colombianas. Continuam esperando, sem nenhum sucesso, a batalha final. Há sete anos, a então ministra da Defesa, Martha Lucia Ramirez, anunciou que em noventa dias seriam derrotadas as guerrilhas, uma vez que se pôs em execução o “Plano Patriótico”. Passaram-se muitos noventa dias desde o anúncio triunfalista e nada mais se fala sobre o Plano Patriótico, ainda que o general Padilla de León siga anunciando o fim do fim e Uribe Vélez, a plenos pulmões, diz que a serpente está ferida. São falácias. É a arrogância do poder que não reconhece suas carências e limitações. A Corporação Arco Íris, através de dados concretos e análises muito sérias, demonstrou o fracasso da “segurança democrática”.

Não é possível ignorar os golpes que os militares empreenderam contra as FARC nos últimos anos.

É impossível negar. Você pode dizer que foram golpes muito fortes, mas não que foi a derrota final. Como demonstrou a Corporação Arco Íris, tanto as FARC como o ELN vem apresentando grande capacidade de recomporem-se ante os golpes oficiais. Os militares falam das baixas das guerrilhas e montam uma versão publicitária para anunciar como boatos e fofocas, mas não mencionam as próprias baixas. No último ano, segundo dizem os especialistas em segurança e estudiosos do conflito, as mortes de soldados e policiais nesse combate pode chegar a mais de 300, cifra muito próxima dos soldados mortos no Afeganistão ou Iraque. Isso eu assinalo não por cultuar a morte e a violência, como fazem os publicistas do regime e da “segurança democrática”, mas sim para demonstrar o fracasso da linha de guerra, da saída militar para o conflito. Gregos e troianos devem entender que a única opção é a via política, pacífica e dialogada.

O que significou a “Operação Jaque”? Você já leu o livro de mesmo nome do ex-ministro Juan Manuel Santos?

Não li o livro de Juan Manuel Santos. O que conheço até agora não me atrai nem um pouco a ponto de lê-lo. Li o capítulo que foi publicado no El Tiempo e mais alguma coisa na Semana ou Cambio, não lembro em qual dessas revistas. Acho que falta rigor, porque tem imprecisões. No mais, um fato real não pode ser contado como ficção. Nem sequer poderia ser uma novela de ficção, pois, pelo que li, não está bem escrito. A “Operação Jaque”, certamente, foi impecável, porque obteve a libertação, sem dar um só tiro, de Ingrid Betancourt e dos três norte-americanos da CIA, as “jóias da coroa”, e mais 12 militares. Nesse ponto de vista, foi um sucesso, ainda que não vá se repetir, ao contrário do que acredita Santos e Uribe, imersos no triunfalismo absurdo de que tudo tenha se saído bem. Por quê? Porque a vitória foi obtida a partir do suborno, ou tentativa de suborno, de alguns chefes médios das FARC que estavam à frente da vigilância desse grupo de pessoas em poder das FARC, para facilitar a operação dirigida pelos norte-americanos. Afirmar que a operação foi made in Colômbia não é verídico. O Governo e os militares colombianos querem ganhar as glórias com os louros dos outros. Os norte- americanos dirigiram a operação e foram eles que chegaram até a área de domínio das FARC que, como “crianças ingênuas”, aproximaram-se dos aviões com os reféns. Por favor! Pergunte aos advogados destes dois senhores, um deles está atualmente nos Estados Unidos onde é tratado com muita consideração, que renunciaram à defesa porque tiveram seus computadores levados diretamente a Washington, para serem inspecionados pela CIA e o FBI. Nunca foram entregues às autoridades judiciais colombianas. Isso não é contado por Juan Manuel Santos em seu livro. Que vamos fazer? Um feito tão significativo e importante na história do conflito colombiano só pode ser contado com verdade. “A verdade os fará livres”. É isso que não me parece entender o senhor Santos.

Os países amigos

Os “países amigos” possuem algum papel importante?

Os “países amigos” são indispensáveis nas negociações de paz. O que acontece é que Uribe Vélez acabou com a cordialidade nas relações exteriores, porque não queria “países amigos” para a paz. Apenas os países que facilitaram a obtenção de finanças e atuaram de comum acordo com seus propósitos de guerra. Por essa razão, removeu a ONU e eliminou toda a gerência de assuntos internacionais. No entanto, sempre existe uma possibilidade para eles. O G-24 acabou de pronunciar-se por meio da ajuda humanitária e outros países vem demonstrando interesse em colaborar na construção de saídas pacíficas. O que ocorre é que a “segurança democrática” exclui a ajuda para a paz. Toda ajuda é para a guerra, bem ao estilo do Plano Colômbia e das bases militares agressivas dos ianques na Colômbia. Assim é simples o assunto.

Ingrid acaba de pronunciar-se a favor dos resgates militares.

Nessa questão, Ingrid está equivocada. Quando questiono o livro de Santos não lamento o resultado da “Operação Jaque”. Ao contrário, celebro porque mediante esse plano prematuro, estão em liberdade, sãos e salvos, Ingrid e os demais. Porém, essa não é a receita. Que Uribe e Santos aproveitem muito o exímio resultado. “Operação Jaque” foi única. Crer na sua reedição é apoiar os operativos de resgate que podem terminar com a vida dos membros da Força Pública em poder das FARC.

Que possibilidade a Venezuela tem para ajudar?

Como facilitadora, nenhuma, pois Uribe não aceita. Há muito influencia na Unasur e a nível internacional para defender a necessidade do intercâmbio humanitário e da paz na Colômbia. Uribe Vélez é um mal-agradecido, já que Chaves o estendeu a mão em momentos difíceis, inclusive depois da invasão ao Equador para matar Reyes com a ajuda dos norte-americanos. Agora fomenta o ódio e o enfrentamento contra Chávez. Além disso, facilita a entrada de norte-americanos no território colombiano para ameaçar a Venezuela e ao continente, utilizando as bases militares colombianas. O governo da Colômbia acusa Chávez de apoiar a guerrilha e ser cúmplice dos atos das FARC, o que não é correto. O presidente Chávez e seu governo vêm se apresentando diferentes e distantes dos atos impróprios resultantes do conflito, tais como o atentado pessoal, os seqüestros e outras degradações. Isso nós escutamos de Chávez em momentos de boas relações inter-governamentais e de distanciamento. É uma conduta inerente aos postulados da esquerda e a todo revolucionário. Aqui, nós, militantes da causa bolivariana, democrática e de transformação política e social fazemos o mesmo. Esta falta de postura está agregada às provocações estúpidas do ministro de Defesa, Gabriel Silva que, apesar do pouco tempo na pasta da guerra, permanece com ataques à Venezuela e, sobretudo, atiça as diferenças entre os dois países, cujas relações estão por um fio. Os insultos e os ataques a Chávez e ao país irmão são o pão de cada dia de um Governo e de uma classe dominante que, como a colombiana, vive da guerra interna e da violência para perpetuar-se no poder. Agora querem inventar um inimigo invisível para distrair os colombianos e as colombianas do descalabro uribista, da corrupção nas alturas do poder e do fracasso da “segurança democrática” como instrumento militarista e solução militar para a crise colombiana. Brincam com fogo. As cifras da economia revelam o dano causado pela quase total paralisação das relações comerciais entre os dois países, fruto da instalação de bases militares ianques no território colombiano. Continuar instigando as diferenças e as contradições, pode causar um dano irreparável ao futuro das relações colombo-venezuelanas, chamadas no ideário bolivariano de irmãs. Uribe Vélez, Silva e companhia fazem jus à herança de Santander: a traição, a mentira e a conspiração. É algo próprio da pequenez da oligarquia colombiana, descomposta e indecente, que hoje tem o controle do poder em Bogotá.

O socialismo

Você acredita no socialismo do Século XXI?

Creio no socialismo, cuja vigência histórica está confirmada no fracasso do capitalismo. Veja você a crise global capitalista nas condições da unilateralidade e da hegemonia total imperialista. Enquanto os poderosos continuam dando as mãos, como demonstraram há poucos dias na Cúpula sobre o Aquecimento Global, em Copenhague, porque sua voracidade não tem limites, os pobres continuam suportando, sob qualquer clima, a exploração do capital. Aqui na Colômbia, enquanto impõem um salário mínimo mesquinho, o setor financeiro lucra com oito bilhões, obtidos com o sangre, o suor e as lágrimas dos mais pobres. Isso é o capitalismo. Não existem soluções humanistas nem democráticas. Por isso, acredito no socialismo e no comunismo, que é uma etapa superior. Dadas as condições atuais do mundo, não existem mais dogmas nem receitas pré-concebidas. Não existe um modelo de socialismo. Isso está claro. As vias para chegar ao socialismo também são múltiplas, enquanto a única via para a imposição do capitalismo é a violência, brutal e bestial, seja pela via política ou econômica..

Você também decidiu, como tantos outros defensores da paz, apresentar seu nome ao Congresso?

Sim. Estou em campanha eleitoral para uma cadeira na Câmara de Representantes por Bogotá, fazendo parceria com Gloria Inês Ramirez ao Senado, pelo Pólo Democrático Alternativo. Gloria Inês é, atualmente, senadora e teve um desempenho muito bom. É uma revolucionária, feminista e atuante nos movimentos sociais. Sinto-me honrado de estar com ela. O meu objetivo, assim como de outros defensores da paz, alguns dos quais ex-seqüestrados que, por experiência própria e pelo sofrimento vivido por tantos anos, compreenderam assim como eu que a única saída para o conflito colombiano é a política, negociada e com trocas democráticas. É importante que cheguem ao Congresso, pelos mais diferentes partidos, os vários lutadores pela paz, ainda que os mais destacados e comprometidos estejam nas fileiras do Pólo Democrático Alternativo, o que não resta a menor dúvida.

Está superada a crise no Pólo por conta da indicação de Gustavo Petro?

É que nunca houve uma crise. Gustavo Petro ganhou a consulta e isso todos nós do Pólo aceitamos. Agora estamos colocando a mão na massa para que o Programa, a direção e as bandeiras defendidas na campanha presidencial reflitam a posição de todos aqueles que constituem o Pólo Democrático Alternativo. Pode estar certo que uma onda amarela será sentida nas eleições de 2010.

Você acredita numa segunda reeleição de Uribe Vélez?

É uma possibilidade, porém não tão certa como acreditam os uribistas e algumas pessoas democráticas com visão fatalista e negativa. Acredito que o referendo não será aprovado pela Corte Constitucional e se isso acontecer, podemos derrotá-lo com a abstenção ao referendo. Não esqueça que até alguns uribistas, não poucos, estão contra a segunda reeleição. Ao mesmo tempo que não me apavora essa situação, tenho consciência de que o país corre um sério risco de transformar-se numa ditadura apoiada pelos ianques. Assim será caso Uribe permaneça sendo lacaio do império. Porém, aqui também há muitos setores democráticos que não vão aceitar passivamente o prolongamento da terrível noite do uribismo, da guerra, dos falsos positivos, da corrupção, do país dominado pelas máfias do narcotráfico e do paramilitarismo.

Bogotá