Popularidade e falsas premissas
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Mauro Luis Iasi – membro do Comitê Central do PCB
Blog da Boitempo
“Ao ouvir estas últimas palavras, Pinóquio saltou enfurecido, pegou no banco um martelo de madeira e o atirou contra o Grilo Falante”.
— Trecho do original de Pinocchio, de Carlo Colodi
Diante da pesquisa que indica a queda na aprovação do governo Lula (Datafolha 14/02/2025) — percentual que caiu de 35% para 24% em dois meses, enquanto a taxa de reprovação subiu de 34% para 41% —, tanto na oposição como no governo começam as elucubrações sobre os motivos e o que poderia ser feito.
Aquilo que ocupou o lugar do jornalismo, no caso, a rede Globo, listou oito razões para a queda: a alta dos preços dos alimentos; o crescimento da direita em âmbito mundial com vitória de Trump, nos EUA; a existência de uma oposição eficiente e na marcação cerrada contra o governo, com peso parlamentar; os erros frequentes no governo, amplificados pela oposição; certo “cansaço” com um governo que não apresenta novidades; o crescimento de valores conservadores na sociedade; uma política de comunicação falha; e, finalmente, uma “esquizofrenia” causada (segundo esse monopólio midiático) por um governo de centro “pressionado para implementar pautas de esquerda”.
Dois fatores nos chamam a atenção de pronto. Em primeiro lugar, a aceitação passiva de que indicadores de pesquisa de avaliação de governo (“ótimo”, “bom”, “regular” ou “péssimo”) sejam sinônimos de popularidade. Afinal, nem sempre o desempenho de um governo se equivale a seu caráter popular. Me explico: no auge da crise do governo Allende no Chile, sabotado abertamente pela contrarrevolução, a avaliação do governo despenca, mas não seu caráter popular, contradição expressa por um cartaz em uma manifestação que dizia: “é um governo de merda, mas é o nosso governo”. A dissociação do termo popular, inicialmente ligado ao caráter de classe e indicativo de um aspecto central na estratégia do PT, para vetores de pesquisa de opinião não deixa de ser um indicativo interessante.
Mas há também que atentar a um segundo aspecto, pois o diagnóstico das razões para a queda da avaliação positiva do governo nos alerta sobre um outro fator: a dificuldade tanto jornalística quanto da análise política de sair das aparências e determinar causas.
Na matéria assinada pela jornalista Julia Duailibi e por Felipe Turione, são listadas como razões aspectos muito superficiais da conjuntura, alguns reais, outros fictícios. Evidente que aspectos como a inflação no preço dos alimentos, o contexto internacional desfavorável, assim como uma oposição na marcação cerrada contribuem — um mais, outros menos — para a queda da aceitação do governo, no entanto, pouco ou nada se fala sobre as causas destas razões. A análise boia na superfície da conjuntura, restringindo-se aos atos de governo e suas consequências, linearmente levando à alteração da percepção de como anda o governo.
A ideologia opera revestindo o que não é visível de uma aparência de objetividade, reforçada pela chancela de institutos de pesquisa e monopólios midiáticos. Daí a pergunta inevitável: o que esta aparente objetividade esconde e mascara? A resposta mais evidente são os interesses envolvidos e, por trás destes, as classes. Há governo e oposição, um contexto internacional no qual aparecem esquerda e direita, valores conservadores e pautas de esquerda, em um teatro de sombras que resulta na percepção negativa ou positiva do governo. Quem comunica parece não ter interesse algum na comunicação da aparência transformada em fato.
A tática evidente dessa pretensa forma de jornalismo é desidratar o fato de suas determinações e apresentá-lo como realidades em si mesmas — “os erros do governo”, a “esquizofrenia” de um governo de centro pressionado para realizar pautas de esquerda —, sem que seja necessário substanciar tais afirmações. O motivo nos parece evidente, uma vez que quando buscamos a substância de atos e ações de governo e oposição revelam-se interesses de classe e de frações de classe na leitura dos fatos.
Peguemos um exemplo simples: quais são os erros do governo amplificados pela oposição? Seria o arcabouço fiscal? O brutal ajuste nas contas para alcançá-lo? A mudança no critério de reajuste no salário mínimo ou o arrocho nos salários dos servidores, negando-se a negociar as perdas impostas pela política continuada de controle orçamentário? Não é o que nos parece, uma vez que a “oposição”, bem como o veículo de comunicação e aqueles interesses que representa não apenas foram favoráveis a essas medidas como as julgaram insuficientes. Ao contrário de ir ao cerne da política de governo, desloca-se a atenção para uma fala do presidente que irrita o mercado, a fakenews sobre o PIX, oscilações especulativas do dólar ou qualquer outro fator.
Terry Eagleton já nos explicou que, apesar de não podermos reduzir a questão da ideologia à mera falsificação, não podemos desconsiderar que a mentira é parte importante do discurso ideológico. A caracterização de um governo “envelhecido e cansado”, que traz pouca novidade e parece não ter um projeto claro, é atribuída malandramente à “esquizofrenia” de um governo de centro “pressionado por pautas de esquerda”. Comecemos pelo óbvio: este governo está muito longe de ser pressionado por pautas de esquerda (nem internamente, por reivindicações vindas do PT, e muito menos pela base social e outras forças políticas que o governo ignora em seu pacto de classes). Por outro lado, há uma constante e fortíssima pressão dos interesses dos monopólios capitalistas (do campo, financeiros, industriais etc.), que têm dado a tônica das ações do governo, setores esses ocultados sob o espectro imaterial do “mercado”, e cujo resultado é um distanciamento da base social que o governo esperava manter.
Esta pressão constante, seja diretamente exercida pelo grande capital, seja feita através de seus asseclas midiáticos ou parlamentares, desaparece da análise como num passe de mágica e rompe-se a conexão entre os interesses de classe e as consequências para o desgaste do governo junto à sua base eleitoral.
Eis que se revela a mão por trás do títere no teatro de sombras. No discurso jornalístico/ideológico, o governo está perdendo popularidade por causa de seus “erros”, pelo trabalho eficiente da “oposição”, pela situação internacional, por uma política de comunicação falha, por causa do conservadorismo na sociedade — tudo, menos pela política econômica resultante da brutal pressão do grande capital sobre as ações de governo e sua linha mestra. Não seriam esses também os interesses dos que financiam os monopólios midiáticos? Pagam a banda e escolhem a música.
Claro, não podemos esquecer a culpa da esquerda, com suas pautas que só visam sabotar o governo e servir de linha auxiliar da extrema direita, como a defesa da educação pública, do SUS, de uma reforma agrária popular e uma nova política agrícola, ou na defesa do poder de compra dos salários e dos direitos já tão deteriorados…
Não nos surpreende que assim se expressem os interesses dominantes, mas é interessante notar que a análise governamental comunga de algumas dessas falsas premissas, principalmente a crença de que é um governo responsável e muito bom, que normalizou as relações institucionais e garantiu a estabilidade para o crescimento da economia (atualizando por sua vez a crença de que esse é o caminho para minimizar os problemas sociais), e não alcança a percepção social por culpa de uma política de comunicação falha e pela falta de empenho da militância, assim como acredita que pode reverter a negatividade com ações pontuais e compensatórias, esperando que o ajuste severo produza um ciclo de crescimento, pelo menos no ano da eleição. Ao mesmo tempo, faz uma reforma ministerial para amenizar sua relação com o centrão e tentar isolar o bolsonarismo.
Interessante notar que entre as causas da percepção de um governo fraco, captada na pesquisa, não se inclua a forma de governabilidade escolhida e mantida. O pacto de governabilidade fundado no presidencialismo de coalizão, baseado na troca de apoio por cargos no governo, liberação de emendas e outros aspectos, gera uma clara impressão que o poder executivo tem pouco poder. A principal vítima dessa governabilidade é a inviabilização de planos coerentes de governo, uma vez que a ação governativa resulta na multiplicidade de interesses de classe e fisiológicos que nos afundam cada vez mais no pântano de nossos problemas. É fácil pedir para a militância petista reforçar a meia sola do sapato para defender o governo enquanto o deputado do centrão despeja emendas em seus redutos eleitorais.
Por fim, analisemos um pouco mais isto que aparece na análise com o desidratado termo de “oposição”. O governo e as forças que a ele se somaram na derrota da tentativa do golpe bolsonarista optaram pela tática institucional e jurídica para combater a extrema direita. A crença é de que a neutralização jurídica do núcleo bolsonarista, abrindo mão da ação direta de massas, viria a desarticular ou, pelo menos, enfraquecer bastante a capacidade eleitoral da extrema direita. No entanto, não é o que parece ter ocorrido.
Os dois fatos que compõem o centro desta conjuntura — a queda de aceitação do governo Lula e o andamento da denúncia contra os golpistas — se intercomunicam, mas não da forma como esperavam o governo e a extrema direita. O governo esperava que a denúncia distrairia a atenção de sua queda de aceitação, enquanto o bolsonarismo acredita que a crise no governo Lula abriria espaço para a tresloucada proposta de anistia ou a liberação para que o miliciano disputasse a presidência. No entanto, nem a queda na avaliação do governo torna melhor o destino dos golpistas, nem o processo contra eles incide sobre a melhora ou piora na aceitação do governo.
Um sujeito oculto na aparência da análise que ele mesmo projeta parece ter interesse em tirar o maior proveito possível do mau momento do governo e dos apuros do bolsonarismo, enquanto prepara suas alternativas para 2026. Ao que parece, esse sujeito não tão oculto gostaria de ter todas as alternativas disponíveis: um lulismo domesticado, as bases eleitorais da extrema direita sem seu líder incômodo e alguns balões de ensaio. Na caixa de marionetes do titereiro, mãos mascaradas procuram novos personagens para o próximo ato deste teatro de sombras.