PARAGUAI: Manifesto político fundacional da Frente Guasu

À propósito, trata-se de uma tarefa que requer todas as energias políticas, sociais e culturais, nas vésperas – justamente – do bicentenário da façanha de 1811. Em nosso tempo e no das atuais gerações, toca a responsabilidade de reassumir as tarefas independentistas.

Neste longo caminho, nosso povo vem transitando. Buscando a utopia maravilhosa da terra sem mal, milhares e milhares de compatriotas foram vítimas de saques, de perseguições; foram enviados ao exílio, aos cárceres e às covardes torturas. Outros morreram assassinados. Outros permanecem desaparecidos. Foi a tragédia e o duro preço que pagaram por enfrentar a injustiça, a exploração e a humilhação.

Em nome deles, não devemos esquecer a ditadura stronista, nem os 60 anos de atraso e a corrupção desenfreada!

Não devemos esquecer para que nossa memória histórica seja transmitida com dignidade às próximas gerações!

Seguros desse passado de lutas, assistimos a estes momentos com o afã de seguir avançando para um maior bem-estar para todos os paraguaios e paraguaias. Essas foram as razões daquelas lutas e são as mesmas pelas quais hoje diversos setores políticos e sociais convocam para concretizar esta unidade: a unidade das forças que estão dispostas a condensar a vontade de todo um povo e transformá-la em propostas políticas de uma nova transformação que inclua as grandes maiorias postergadas.

Uma verdadeira Frente Guasu, cujo horizonte histórico é a formulação de um novo Estado que enterre, definitivamente, o atual Estado, que, historicamente, vem funcionando como uma sociedade anônima (S.A.) a serviço das camarilhas delinquentes que usurparam as direções dos partidos tradicionais, com clara hegemonia militar-colorada, e se confabularam para encher seus bolsos à custa da falta de trabalho, habitação, saúde e educação de todo um povo marginalizado e excluído.

O horizonte histórico desta unidade tem esse sentido e o objetivo da construção do novo Estado com conteúdo democrático, inclusivo, soberano, independente e solidário.

Esta Frente Guasu é a expressão organizada de nosso momento presente, em que os paraguaios e paraguaias estão em um novo caminho, à luz de nossos avôs e avós, que plantaram profundas raízes de patriotismo, honestidade e combatividade na história do Paraguai que queremos. É por isso mesmo que nos consideramos parte desta tradição de luta heroica do povo paraguaio. Este povo, que desde a conquista até a Guerra Imperial da Tríplice Aliança, resistiu à submissão cultural, econômica e militar; que desde a ocupação estrangeira de 1870 até a ditadura stronista lutou para romper as amarras da opressão; e que hoje, como ontem, se mantém firme em suas aspirações libertárias e independentistas.

A Índia Juliana, Oberá, Paytará e Arecayá, os camponeses rebeldes, os jovens próceres da independência, o Doutor Francia y los López, a luta estudantil, trabalhadora e camponesa contra a ditadura, as alianças democráticas, a luta organizada contra o neoliberalismo: cada pessoa, cada organização, cada movimento democratizante e emancipatório é parte constitutiva de nosso projeto, como memória e como utopia para a ação.

A Frente Guasu que hoje constituímos com a presença maciça de cidadãos e cidadãs de todos os lugares do país, conta com uma ampla e diversa base social composta por trabalhadores, pequenos e médios produtores, pequenos e médios empresários, industriais do capital nacional, camponeses, indígenas, intelectuais, estudantes, profissionais, donas de casa, gente sem casa, desempregados, em todos os casos mencionados, composta por homens e mulheres jovens, adultos e idosos.

Esta diversidade de forças, que antes estavam dispersas e separadas por divisões superficiais, agora se integram numa plataforma unitária, com objetivos comuns e claros escritos neste documento programático. A construção dessa grande frente política tem o propósito de manter e aprofundar a tendência marcada no evento democrático e popular de 20 de abril de 2008.

Tal tendência se orienta em transformar um país, onde as grosseiras e imorais diferenças entre ricos e pobres estão presentes. O objetivo é que essas diferenças desapareçam e que esse país se integre ao mundo baseado nos princípios de soberania, justiça social, independência, autodeterminação e solidariedade. Que esse país possa desenvolver suas forças produtivas em harmonia com o meio ambiente, que tenha a liberdade de se relacionar com outras economias em condições de justiça e igualdade. Um país cujas riquezas produzidas pelo trabalho de homens e mulheres sejam distribuídas de maneira equitativa e justa: em síntese, uma verdadeira potência latino-americana como era antes da criminosa guerra de 70.

Assim como rechaçamos o totalitarismo e a ditadura, é totalmente distante de nossos fins a pseudo-democracia de uns poucos privilegiados, que é a forma hipócrita da dominação oligárquica terratenente. Para a mudança, propomos uma democracia real, participativa e protagonista, que libertará os cidadãos e cidadãs deste sistema de injustiças que nos é legado por décadas de submissão.

Esta grande frente é, por tudo isso, uma plataforma para construir uma nova política, que seja filha da organização popular e, portanto, do povo, pelo povo e para o povo. Este nível de sinceridade, amplitude de apoio em solo patriótico e solidário é necessário para deixar atada essa minoria que vem se comportando como robô durante tanto tempo e que segue tramando planos anti-patrióticos. Esses planos vão desde a desestabilização e paralisação do processo de mudanças até o juízo político ou o golpe de Estado. A Frente Guasu se constitui em oposição a essa sociedade que contamina de morte a política.

Assim, entendemos ser necessária a união dos esforços do povo com os chefes e oficiais militares honrados e patriotas. São militares que constituem a imensa maioria das Forças Armadas de nosso país. A união possui o intuito de garantir a estabilidade e a institucionalidade da república, dentro do processo de mudança, e a luta contra os conspiradores, autoritários e corruptos que pretendem o regresso ao passado.

A Frente Guasu é, em si mesma, um convite ao ingresso. A amplitude e a abertura são elementos inegociáveis da filosofia democrática e progressista que a orienta. Por isso mesmo, suas portas estão abertas a todas aquelas organizações de base, indivíduos, grupos, movimentos sociais e partidos políticos que compartilhem das convicções contidas neste manifesto.

O Paraguai vive tempos de mudança. Nos encontramos num momento histórico crucial, em que as formas econômicas, sociais e políticas que nos são impostas há muito tempo, estão mostrando sua incapacidade de garantir o progresso da vida humana e do planeta em seu conjunto. Em todo o continente latino-americano se dão experiências políticas que buscam uma forma distinta de desenvolvimento econômico, de organização política e de relacionamento entre seres humanos e com a natureza. No Paraguai também transitamos neste caminho.

O Paraguai vive tempo de mudança. Assim vem sendo confirmado pelo povo o 20 de abril de 2008. Da mesma maneira, esses tempos de mudança são confirmados pelo povo hoje, com sua experiência, na antiga Plaza Mayor, onde Carlos Antonio López chamou praça 14 de Maio, invocando a data da Independência Pátria.

Assim, é confirmada a construção desta Frente Guasu que hoje inauguramos, com a convicção de que seremos, junto com outros movimentos, pilares fundamentais para a consolidação da pátria sonhada que já começou a nascer.

BASES PROGRAMÁTICAS

“A FRENTE GUASU” – SUAS PROPOSTAS E SEU COMPROMISSO DE MUDANÇA:

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Na FRENTE GUASU, nos comprometemos a trabalhar para a instauração e vigência de um Estado soberano social e democrático de direito; o desenvolvimento econômico, social e cultural da população paraguaia em seu conjunto, a partir de uma perspectiva de gênero; a implementação e vigência de uma verdadeira justiça social que garanta o bem-estar de seus habitantes; a promoção e defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e o protagonismo da juventude; e a participação organizada e democrática da cidadania na formação de sua vontade política baseada nos mais nobres princípios da democracia, da solidariedade, da liberdade, da justiça, da igualdade e da participação.

MODELO ECONÔMICO

Propomos a mudança do modelo econômico que impera em nosso país, porque estamos convencidos da necessidade de fomentar indústrias, empreender a reforma agrária com uma produção diversificada, que nos permita alcançar uma justa distribuição de riquezas e o bem-estar para todos. Não permitiremos que continue imperando em nosso país o sistema hegemônico capitalista neoliberal, caracterizado pela exploração do homem pelo homem, a pobreza crescente, a devastação e destruição da natureza, o aumento da desocupação e o incremento da marginalização social.

APROFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA

Aprofundaremos a democracia participativa, fortalecendo e ampliando espaços de participação popular que nos permitam debater sobre temas transcendentais, como o orçamento participativo; a reforma do Poder Judiciário; a reforma constitucional; a necessidade de modificar o Código Eleitoral, sobretudo, no que se refere às famosas listas feitas e à formulação de um novo modelo de segurança. O Estado deve garantir as liberdades políticas e assegurar – ao mesmo tempo – a igualdade e a justiça social.

SOBERANIA NACIONAL

Defenderemos a soberania nacional, entendida em seu amplo sentido, territorial, energético, alimentar, cultural, político e econômico, baseados nos princípios de igualdade e respeito a nossa independência. Por isso, rechaçamos qualquer tipo ou modalidade de penetração ou de ingerência estrangeira que atente contra a soberania. Assim mesmo, ratificamos nosso apoio à gestão que vem desenvolvendo o Governo de Fernando Lugo, tendente a buscar a recuperação de nossa soberania energética em Itaipu e Yacyretá.

REFORMA AGRÁRIA

Com o protagonismo camponês e indígena, impulsionaremos uma Reforma Agrária planificada, a partir de uma perspectiva nacional e integral, como principal reativador econômico, partindo da definição de um modelo produtivo e de uma política agrária.

TRABALHO

Com a ativa participação da classe trabalhadora, impulsionaremos a recuperação das conquistas trabalhistas, o respeito à liberdade sindical, a formulação de uma nova política salarial que equipare o valor do salário ao custo de vida real da cidadania e a promulgação de uma lei de primeiro emprego em conjunto com as organizações sindicais e sociais. Com o protagonismo da classe trabalhadora e dos industriais honestos, impulsionaremos a reativação produtiva e o desenvolvimento econômico nacional, de modo a superar o atraso e a miséria, gerando empregos decentes, em conformidade com as leis trabalhistas e com respeito às disposições da previdência social.

LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO

Luta frontal contra as atividades mafiosas do setor privado e contra os atos de corrupção cometidos em dependências públicas e governamentais. Nossa luta pelo respeito será sempre clara e determinante: Castigo exemplar para os delinquentes!

IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

Propomos a defesa da igualdade de oportunidades como princípio fundamental, o que implica a promoção de medidas tendentes a superar as históricas desigualdades imperantes, como as de gênero, raça, nacionalidade e classes sociais.

Nossa luta solidária é a favor dos indígenas, marginalizados e despojados de suas terras por governos oligárquicos auto-denominados “agraristas”. Poremos o melhor de nosso empenho para que no futuro não existam comunidades indígenas sem terra própria.

RESPEITO À VONTADE POPULAR

Somos contrários a todas as quebras institucionais que atentem contra a vontade popular. Por isso, manifestaremos nossa enérgica oposição à qualquer tentativa de golpe de estado – mascarada da forma como foi – contra o governo democrático e constitucional do companheiro Fernando Lugo. Um pré-fabricado juízo político ou “golpe parlamentar” terá, sem dúvida, derivações graves e imprevisíveis, cuja responsabilidade direta recairá sobre aqueles que pretendam burlar a vontade soberana de quase um milhão de paraguaios que consagraram Fernando Lugo – até 2013 – como Presidente da República do Paraguai.

RECUPERAÇÃO DE TERRAS DESABITADAS

Aos organismos competentes do Estado aconselhamos acelerar as gestões tendentes a concretizar a recuperação de terras desabitadas para que, com rapidez, sejam entregues aos responsáveis pela reforma agrária para serem distribuídas aos trabalhadores do campo, aos indígenas e aos camponeses sem terra.

JUSTIÇA TRIBUTÁRIA

Entendemos Justiça Tributária como a distribuição equitativa dos impostos e tributos, para os quais fomentamos a discussão sobre os mecanismos a serem utilizados para alcançar uma plena justiça tributária como, por exemplo, a implementação do Imposto da Renda Pessoal, impostos sobre a soja, sobre a produção extrativista e sobre o latifúndio.

Consideramos como primeira medida para alcançar este objetivo a implementação do Imposto de Renda Pessoal (IRP), como ferramenta necessária para uma melhor distribuição das riquezas e a transparência do sistema econômico e financeiro. Assim, será possível detectar os ingressos ilegais ou ilegítimos dos mafiosos, contrabandistas e invasores. Respaldando a existência do Imposto de Renda Pessoal, apoiamos as reivindicações formuladas pelos cidadãos, pelos industriais, pelos comerciantes honestos, pelos trabalhadores que exigem a vigência do citado imposto, em busca de um país mais sério, mais justo, transparente e solidário.

DEFESA DO MEIO AMBIENTE

Repudiamos os atentados contra a natureza e a devastação indiscriminada de bosques perpetrados em sua maior parte por empresários inescrupulosos protegidos durante mais de sessenta anos por governantes “agraristas”.

Nosso compromisso de luta e nossa indignação pela utilização irresponsável de agrotóxicos que contaminam nossos rios e riachos, causando danos à saúde da população urbana e rural.

Empreenderemos medidas enérgicas e urgentes para a proteção do meio ambiente, a flora e a fauna de nosso país.

POLÍTICAS CULTURAIS

Entendemos que a cultura atravessa todas as problemáticas nacionais em seus âmbitos político, econômico e social. A luta por uma cultura que nos represente e nos eleve como povo, será (como sempre foi e é) uma das questões centrais de nossa ação política. A partir desta perspectiva, reivindicamos como primeira medida, a efetiva difusão e aplicação da Lei Nacional de Cultura, assim como o fomento de expressões com caráter histórico, dentro de uma perspectiva de inclusão no conjunto cultural da humanidade.

POLÍTICAS DE BEM-ESTAR PARA AS MAIORIAS

Promoveremos políticas públicas sociais de forte impacto, que incidam materialmente no combate à pobreza e a favor da redistribuição de riquezas, a partir de uma perspectiva de direitos que deixe para trás o assistencialismo. Nesse sentido, uma das políticas urgentes radica em assegurar o acesso à habitação digna.

No atual momento histórico, se faz importante lembrar que tanto o manifesto quanto as bases programáticas da Frente Guasu surgiram como resultado das reivindicações históricas do povo paraguaio e do apontamento dos militantes de cada uma das organizações que formam esta nova aliança política. Portanto, conforme avance o tempo, as posições políticas e o programa irão se ajustando, obedecendo o mandato de todo um povo que, em sua experiência de luta, seguirá criando e recriando o projeto histórico que permita a libertação integral de todo o povo paraguaio.

A mudança está em marcha e não se detém!

Somente juntos construiremos o Paraguai diferente que todos queremos!

20 de março de 2010

Assinam este documento:

Partido do Movimento Patriótico e Popular, Partido Comunista Paraguaio, Partido Popular Tekojoja, Partido País Solidário, Bloco Social e Popular, Partido Frente Ampla, Partido Revolucionário Febrerista, Partido Democrata, Movimento Avancemos, Movimento Poder Cidadão em Ação, Movimento Participação Cidadã, Partido Convergência Popular Socialista, Frente Social e Popular, Frente Patriótica y Popular, Partido do Movimento ao Socialismo, Partido Encontro Nacional, Partido do Movimento Popular Tekojoja, Partido Social Democrata