Marcha Patriótica da Colômbia propõe um novo país

07/01/2013

Vivian Virissimo

do Rio de Janeiro (RJ)

Composta por quase duas mil organizações da sociedade civil, a Marcha Patriótica da Colômbia é um movimento social e político que articula camponeses, operários, associações de bairro, feministas e estudantes com uma bandeira comum: a solução do conflito armado. A palavra de ordem é a paz com justiça social e toda a militância defende que este impasse não poderá ser resolvido apenas entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo Juan Manuel Santos: “O povo colombiano tem que participar do debate”, defende o integrante da Marcha, Sergio Quintero, estudante da pós-graduação do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Quintero esclarece que, para o movimento, não basta o silenciamento dos fuzis para a consolidação da paz. “Se o conflito fosse só de guerra frontal, a solução poderia ser negociada apenas entre governo e as Farc. Mas queremos paz com justiça social e a garantia de várias condições que hoje não temos: emprego, saúde, educação e moradia. Sem essas condições não temos como falar de paz. A guerra é só um elemento do conflito. Foram todas essas contradições que causaram a resistência armada”, explicou.

Segundo dados divulgados pelo ministro da Fazenda, Juan Carlos Echeverry, a pobreza afeta 35% da população, o que corresponde a 18 milhões de colombianos. De acordo com dados do Sistema de Benefícios da Previdência Social (Sisben), esse número seria ainda maior: 30 milhões.

“Temos uma avaliação que os diálogos só avançam se o movimento social influenciar esse processo. Caso contrário, o diálogo de paz não dará em nada. A insurgência e o Estado precisam continuar dialogando, mas queremos garantir a nossa participação. Esta será uma boa oportunidade para botar fim ao conflito, mas temos a certeza que não será fácil e nem temos previsão de quando isso terminará”, falou. Esta não é a primeira vez que guerrilheiros e governantes sentam para dialogar na Colômbia. Desde a década de 1950, inúmeras conversações fracassaram e tiveram resultados negativos para os movimentos sociais. “No momento em que a guerrilha se desmobilizava e já fazia parte da luta legal e democrática, o terrorismo de Estado assassinava as suas principais lideranças”, conta Quintero, lembrando o surgimento do partido político União Patriótica nos anos 1980 que teve entre 3 e 5 mil militantes assassinados, conforme pesquisador Ivan Cepeda, autor do livro Genocídio Político.

A mobilização popular foi muito intensa nos anos 1960 e 1970, mas em função do militarismo, da expansão do narcotráfico e do aumento da repressão esses movimentos recuaram nos anos 1980. Neste período, houve um refluxo e cada grupo social se isolou com suas bandeiras. Mas desde a fundação formal da Marcha em abril o cenário está muito distinto. O movimento vem se fortalecendo desde 2010 com uma convocatória de organizações com tradição de luta, cuja articulação já está sendo construída desde 2005, período em que a violência recrudesceu na gestão de Álvaro Uribe.

Agora, as diferentes organizações compartilham uma plataforma com 13 pontos fundamentais que abrangem a necessidade de melhorar as condições políticas, sociais e econômicas do país. “O principal ponto da plataforma é a solução do conflito armado. Todos concordam e estão trabalhando em unidade. Os movimentos isolados tinham uma luta muito particular e individualizada e agora estão propondo um novo país”, completou Quintero. A frente é constituída principalmente por camponeses e moradores das periferias, mas senadores e deputados fazem parte da marcha, que também conta com a participação do Partido Comunista.

Para Quintero, a constituição da mesa de diálogo entre as duas partes já pode ser considerada uma vitória do movimento, porém não é sufi ciente. Além de reivindicar a participação popular no processo, a Marcha Patriótica também reconhece a necessidade de inclusão de outras guerrilhas, como é o caso da segunda principal, o Exército de Libertação Nacional (ELN). “Inicialmente, o governo rejeitava sentar na mesa para abrir diálogo de paz com qualquer guerrilha. Agora, o Estado se recusa a iniciar discussão com o movimento. Por isso vamos demonstrar toda nossa força para alterar essa conjuntura”, avalia.

Contexto de ingerência

Terceiro país que mais recebe ajuda financeira dos EUA, as forças militares da Colômbia desempenham um papel fundamental na geopolítica de intervenção estadunidense no continente. Nas gestões de Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos, o Exército colombiano se tornou o maior da América Latina e acordos para instalação de bases militares no país foram selados, colocando em risco não só a soberania do país, como de todo continente. “É quase um país de joelhos para os Estados Unidos”, critica Quintero.

Uma das análises do movimento é que o governo Santos entra na mesa de diálogo para garantir facilidades para o capital estrangeiro que extrai minérios no país, com predomínio de empresas estadunidenses. Pelo mapa, algumas regiões controladas pela guerrilhas são ricas em recursos minerais, sobretudo ouro. A avaliação é que, por um lado, as multinacionais dos EUA podem sair beneficiadas com a desmobilização da guerrilha ao ampliar a possibilidade de extração de minérios. Por outro lado, setores da indústria bélica serão fortemente afetados com o término da guerra, gerando impacto na venda de armas e manutenção dos convênios militares.

“Temos essa dupla condição e ainda não sabemos como esse assunto será encaminhado. Temos claro que, como tem acontecido historicamente, o governo é muito influenciado pelos EUA. O próprio Obama fez uma felicitação sobre os diálogos, mas não somos inocentes e sabemos que por trás disso podem estar planejando alguma coisa. Por enquanto, identificamos essa condição de liberação de território para extração mineral”, contextualiza.

Nesse sentido, Quintero destacou que a histórica ingerência afeta toda a América Latina. Essas bases militares do chamado Plano Colômbia deixariam as fronteiras de Venezuela, Equador e Bolívia vulneráveis, pois concedem o controle da região andina latino-americana aos Estados Unidos. Ele defende que esse é um assunto de interesse de todo o continente e não só da Colômbia, pois as bases interferem na soberania de governos progressistas de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Os radares fiscalizam e controlam toda a região do mar do Caribe e parte considerável da Amazônia brasileira.

“Como movimento social temos que denunciar a ligação dos governos oligarcas da Colômbia com os Estados Unidos e resgatar a história das últimas tentativas de diálogos de paz. Precisamos que todas as organizações solidárias da América Latina possam blindar o processo para que o Estado colombiano não faça o que já fez na história”. Segundo dados produzidos pelo Centro de Investigação e Educação Popular (Cinep), o terrorismo de Estado assassinou, somente entre 1988 e 2004, 14 mil pessoas. De acordo com Quintero, atualmente há 7 mil presos políticos, sendo 90% lideranças, sindicalistas, estudantes camponeses ou indígenas.

“No cárcere não são guerrilheiros, mas a sociedade civil que tem trabalhado para mudar o país”, esclarece. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir do ano 2002 ao ano de 2004 as detenções sem ordem judicial foram mais de 6332, muitas feitas de forma massiva. Só nos povos indígenas o número teve um aumento do 315% em comparação aos anos de 1996 a 2002, quando o total foi de 2869.

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