A PAZ ENTRE O GOVERNO COLOMBIANO E AS FARC PASSA PELAS RUAS DE HAVANA
As ruas de pedras, feitas por mãos escravas da época colonial, foi o “tapete vermelho” da tropa guerrilheira comandada por Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuego, quando triunfou a Revolução Cubana, há 54 anos. Hoje, por essas mesmas ruas históricas também passa o futuro da Colômbia. De um lado da cidade está a gigantesca estatua de José Martí, na importante Praça da Revolução, e do outro lado está a imponente escultura de Vladimir Lenin, cravada na Tribuna Anti-Imperialista, de frente para o mar Caribe. Os dois “guardiões” da revolução formam parte do cenário de uma cidade que, sim chama a atenção por sua bela arquitetura, mas principalmente porque nesse momento desempenha um papel importante no teatro político latino-americano. Na ilha socialista o governo colombiano e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão sentados cara a cara para dialogar e encontrar o caminho de volta à paz.
O processo de negociação iniciou oficialmente em 18 de outubro de 2012, em Oslo, capital da Noruega. Na ocasião, o que ficou acordado entre as duas delegações é que a mesa seria dividida em cinco temas principais. O primeiro deles é o desenvolvimento rural, onde reside o grande problema do conflito social e armado. Depois de quatro meses de conversações, em 18 de fevereiro, a mesa inaugurou um novo ciclo depois que o chefe da delegação das Farc, Ivan Marques, apresentou um texto com 10 propostas para o campo. A guerrilha defende o reconhecimento político dos camponeses e a criação de zonas de reservas camponesas, para a produção de alimentos, com assistência técnica e crédito estatal.
Depois de algumas semanas de paralisação, as negociações foram retomadas em meados de abril. Além da questão agrária, as duas delegações de paz também buscarão um acordo em relação a participação política, onde o objetivo principal é garantir o ingresso da esquerda insurgente no âmbito político partidário e evitar os erros do passado. Os outros temas a serem levados à mesa de diálogo serão o fim do conflito armado, com um cesse ao fogo bilateral, o problema do narcotráfico e as vítimas do conflito, que devem ser contempladas com justiça e reparação.
Essa é a terceira vez que o governo senta para dialogar com a guerrilha. Na primeira delas, em 1984, se chegou a um acordo e parte dos rebeldes deixou a selva e as armas. Mas a falta de garantias políticas frustrou o processo de paz.
O resultado foi um genocídio de mais 5 mil membros da União Patriótica, organização política da esquerda criada pelos ex-insurgentes. Um verdadeiro banho de sangue patrocinado pelo paramilitarismo e o narcotráfico, na década de 1980. Esse movimento político, fruto da negociação entre a guerrilha e o governo do presidente Belisario Betancurt (1982 – 1986), foi exterminado e as Farc voltaram ao seu lugar de origem: a insurgência. Por isso uma das maiores preocupações da guerrilha nesse momento é garantir sua participação na vida política e, principalmente, que todos os termos acordados sejam cumpridos depois da entrega das armas.
Para resolver o impasse os insurgentes apostam em um processo constituinte, através de assembléias nacionais, com ampla participação popular. O objetivo é envolver a sociedade nos grandes temas que são as causas e as consequências do conflito.
Mas o governo resiste a essa proposta. Com as eleições presidenciais de 2014 pisando no talo, o governo faz pressão para as negociações serem rápidas e discretas. “Juan Manuel Santos possui metas ambiciosas. Ele espera concluir as negociações até novembro desse ano”, afirma o analista político Ariel Ávila, do centro de investigação Observatório do Conflito, que faz parte do instituto de pesquisa Nuevo Arco Iris, um dos mais importantes da Colômbia.
Outro especialista no tema, o ex combatente da guerrilha caribenha de El Salvador, Roberto Cañas, faz um alerta. “É arriscado coordenar os diálogos de paz em meio às eleições. Mas também não adianta querer acelerar o processo porque não é possível conquistar paz com um acordo express”. Cañas foi membro da delegação dos acordos de paz de 1992, que pôs fim a uma década de guerra civil, entre os rebeldes marxistas e o governo salvadorenho. Hoje Cañas é professor e investigador do Instituto de Economia da Universidade de El Salvador.
O Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro, Ivan Pinheiro, que esteve em Cuba em janeiro de 2013 e manteve encontros com a delegação das Farc, afirma que “o governo não queria envolver a sociedade nos diálogos de paz, mas as Farc estão condicionando esse processo à convocação de uma assembléias para discutir o tema com a população”.
O analista político Ariel Ávila, ressalta que “até agora todas as decisões em relação aos diálogos com a guerrilha são resultados da decisão quase pessoal do presidente Juan Manuel Santos. Por isso é que se fala em mecanismos que valide e legitime a implementação do que for acordado nesse processo. A guerrilha defende a ampla assembléia nacional. Já o governo está mais inclinado a sugerir um referendum”, afirma.
Organizações exercem poder constitucional
Mesmo sem o consentimento do Estado, os movimentos sociais tomaram frente e, utilizando o direito que lhes confere a Constituição, no dia 20 de fevereiro, cerca de mil organizações, declararam instaladas as Assembléias Constituintes de Paz na Colômbia, que serão realizadas em todo território colombiano de forma extra oficial. Essas organizações afirmam que a convocação é legítima e a sociedade civil organizada tem autonomia e direito a paz. Tais debates vão possibilitar os cidadãos a opinar e propor alternativas para a saída pacífica do conflito mais antigo do mundo. “Consideramos que si chegam a um acordo sobre esse tema da terra a mesa de diálogo será um sucesso”, destaca o senador Cepeda. De acordo com o legislador o mais importante é que não são somente as Farc ou o governo os que estão opinando. “Está havendo participação das organizações camponesas, não suficientemente ampla como queríamos, mas sim significativa”, ressalta Cepeda.
“A guerrilha pressionou e conseguiu envolver a sociedade e promover um grande debate nacional. O povo foi levado à mesa de negociação e as Farc representam os interesses da sociedade enquanto a delegação do governo assumiu a postura de defender os interesses da burguesia”, analisa Ivan Pinheiro, do PCB. Ele argumenta que justamente por isso é que o processo é muito difícil. “Ele reside no fio da navalha, porque as expectativas cada um dos lados são muito diferentes. O Estado colombiano, com a cumplicidade dos EUA, quer a paz para os negócios florescerem”, afirma o político brasileiro.
O pesquisador do Observatório do Conflito, Ariel Ávila assegura que, hoje, o cenário político está mais favorável ao presidente Santos. “Mas o que vai confirmar ou não esse apoio político são as urnas. Em 2014 a população vai dizer se o chefe de estado poderá levar adiante o processo de implementação dos pontos acordados entre os negociadores”, ressalta. Entretanto o presidente Juan Manuel Santos enfrenta um difícil momento no seu governo. A falta de resultados das negociações e a marcha lenta das políticas públicas em matéria de direitos humanos fez popularidade do chefe de estado despencar de 58 para 43% de aprovação, segundo uma pesquisa divulgada pelo jornal El Espectador na segunda quinzena de fevereiro. De acordo com mesma pesquisa, cerca de 60% dos colombianos desaprovam a reeleição de Santos.
O desafio agora é tornar o processo mais eficiente e objetivo. Mas qual é a diferencia entre este processo e as outras duas tentativas anteriores? Segundo Cepeda, um dos mais respeitados políticos colombianos, o principal fator é que “agora existe um contexto político e militar diferente. Há um esforço visível entre as partes para alcançar a paz. Nos processos anteriores existia muita ambigüidade”, relata o senador. Além disso, segundo o analista político Ariel Ávila, “a agenda política do processo de negociação é muito mais resumida”.
A última experiência de negociação foi traumática para Colômbia. O diálogo de paz de El Caguán que começou em 1998 foi interrompido em 2001, pela guerrilha que argumentou que não existiam garantias de segurança suficientes para o negociadores. Contudo, o senador colombiano Ivan Cepeda fala ainda que existiram outros motivos para justificar o fracasso. “O processo foi muito longo. Não havia um tempo limite para terminar as negociações. Houve um cesse ao fogo bilateral, mas tanto o governo quanto as Farc estavam realizando ações paralelas para fortalecer-se militarmente”.
O contexto político internacional, além de respaldar as negociações de paz, cria uma espécie de “blindagem”, conforme define o professor e investigador da faculdade de Cultura de Paz da Universidade Autônoma de Barcelona, Yezid Arteta. Esse analista, especialista em conflitos armados, foi guerrilheiro das Farc e esteve preso 10 anos. Saiu da cárcere em 2006 e hoje é um importante especialistas no tema. Ele explica que a participação de países como Noruega, Cuba, Venezuela e Chile agrega peso e credibilidade ao processo.
– Não existe uma única organização internacional no mundo que saiu a criticar os diálogos de paz da Colômbia. A própria União Européia fez declarações públicas de apoio. E o silêncio do Departamento de Estado dos Estados Unidos pode ser sim interpretado como um silêncio cúmplice, – argumenta Arteta.
O escritor e jornalista Ignacio Ramonet vai ainda mais longe. Segundo o espanhol, o fato dos Estados Unidos não participarem das negociações, apesar de estarem militarmente envolvidos no conflito colombiano, representa um grande avanço diplomático para a região. Esse novo cenário internacional com a Unasul e a Celac é a tradução do novo espírito que reina na América Latina.
– Unasul e Celac construíram uma nova diplomacia que fez com esse continente emergente tomasse em suas mãos o seu destino, com a consciência de que não é superior a outra regiões, mas que tão pouco é uma colônia. Estados Unidos não faz parte dessa ‘hora da América latina –, diz Ramonet, durante entrevista no ano passado a Revista Caros Amigos.
Em uma entrevista exclusiva publicada pelo PCB, no Brasil, o chanceler das Farc, Rodrigo Granda, também chama a atenção para essa “nova diplomacia da América Latina”.
– A Unasul e o Brasil poderão fazer parte da mesa de diálogo para acompanhar. Esse processo não afeta somente o território colombiano, é um assunto regional. O Brasil tem um papel importante para a paz no continente.
Com a intensificação do conflito, nos últimos 15 anos os países vizinhos também são impactados.
– Venezuela e Equador, recebem um maior grau de impacto econômico e social, mas os outros vezinhos como o Panamá, Peru e Brasil, já em menor intensidade, – explica Yezid Arteta, da Universidade de Barcelona.
Inimigos da paz
Ex presidente da Colômbia e personagem sempre presente na política do país, Álvaro Uribe Velez, ficou quase sozinho na sua decisão de se declarar publicamente contra as negociações de paz entre a guerrilha das Farc e o governo. Uribe, que é parte de uma elite política de extrema direita, sempre defendeu os enfrentamentos militares e nunca reconheceu que em sue país existia um conflito social e armado. Para o ex presidente a violência que deixou mais 60 mil mortes no país é o resultado da violência de milícias, terroristas e bandidos comuns. Esse velho discurso foi vencido pelo tempo e pela impossibilidade de resolver problemas estruturais tão complexos quanto reais. Uribe, fiel aliado dos Estados Unidos, se transformou um inimigo poderoso do processo de paz e não é o único.
Para o analista internacional de geopolítica, fundador do “Projeto Segunda República” da Argentina, Adrian Salbuchi, “não se pode perder de vista que o conflito da Colômbia está intimamente ligado ao narcotráfico”. Esse não é um problema isolado da Colômbia, segundo Salbuchi, existem grupos de interesse que jogam a guerra. “A questão nunca é branca e preta. Existe inúmeros tons de cinza nesse conflito”, frisa.
Os narcotraficantes, homens de negócios, poderiam ser afetados com o fim do conflito, já que as zonas guerrilheiras, onde o Estado não pode chegar, passariam a ser vigiadas e fiscalizadas. O que poderia impactar diretamente as corporações financeiras mundiais. Alguns dos grandes grupos econômicos dos Estados Unidos como Citigroup, Bank of America, Wells Fargo, American Express e Western Union, estão envolvidos em escândalos de lavagem de dinheiro do narcotráfico, segundo denúncias do jornal mexicano La Jornada.
– Essas grandes corporações são as verdadeiras beneficiadas com o narcotráfico e, como sempre, estão bem longe dos flagelos gerados pelo conflito, – enfatiza Salbuchi. Ele ressalta um episódio curioso que aconteceu rm 1999, quando o então presidente da Bolsa de Valores de Nova York, Richard Grasso, fez uma visita secreta ao chefe guerrilheiro Raul Reyes, então o segundo ao mando da guerrilha. O fato foi documentado pela Reuters e publicado no dia 26 de junho desse ano. A agência de notícias estadunidense revelou ainda que Grasso havia estendido um convite pessoal para os líderes das Farc, considerada uma “organização terrorista” pelo Departamento de Estado desse país, a visitar Wall Street tão logo quanto possível. “Convido os membros das Farc a visitar o New York Stoch Exchange, para que possam conhecer o mercado financeiro pessoalmente”, cita Reuters.
O acampamento visitado por Richard Grasso estava localizada na região desmilitarizada de Caguán, próximo à zona de negociação durante o governo de Andrés Pastrana (1998 -2002). A pergunta que fica é: sobre o que falaram o presidente do maior centro financeiro do mundo e o líder da guerrilha marxista?
– O que aconteceria se, por um milagre de Deus ou da natureza, o tráfico de drogas acabasse amanhã?” – questiona o analista internacional argentino. “Provavelmente muitas corporações financeiras iriam à falência. O narcotráfico existe sem os bancos e muitos bancos não resistiriam sem o narcotráfico”, finaliza Adrian Salbuchi.
A longa estrada percorrida até Havana
Depois de 50 anos de guerra é difícil medir quem perdeu mais. Se por um lado a guerrilha não conseguiu tomar o poder através da luta armada, por outro lado o Estado tão pouco venceu. O conflito chegou em um estágio classificado como “empate negativo”. As Farc foi duramente golpeada com a morte dos seus líderes históricos, como Raul Reyes (2008), Manuel Marunda (2008), Mono Jojoy (2010) e Alfonso Cano (2011). Enquanto o Estado enfrentava uma grave crise financeira, política e militar, provocada pelo desgaste de uma guerra que nunca termina. O Estado vai vencendo mas não ganha a guerra, segundo o analista político Ariel Ávila, investigador da Corporação Nuevo Arco-Iris um dos respeitados especialistas colombianos quando o tema é o conflito armado. Mas o caminho até Havana começou bem antes de Oslo. Foi iniciado ainda nos primeiros meses do governo de Juan Manuel Santos, que tem a ambição de entrar para a História como o “presidente que devolveu a paz à Colômbia”, como ele mesmo afirmou em 2010, quando assumiu o cargo.
As primeiras mensagens de intenção foram iniciadas entre o então líder máximo das Farc, Alfonso Cano e o presidente colombiano. Durante o primeiro ano de governo, Santos já foi preparando o terreno ao impulsionar legislações de paz, como a lei de Vítimas e Restituição de Terras. O primeiro grande avanço.
O que poucos sabem é que o primeiro encontro entre a cúpula do governo e homens do alto comando das Farc foi realizado em território colombiano, na região de Catatumbo, no Departamento de Santander, no norte do país. Nesse momento a delegação das Farc era liderada pelos chefes guerrilheiros Andrés París, ideólogo das Farc e que também esteve presente nos frustrados diálogos de Caguán, entre 1998 e 2001, e Rodrigo Granda, conhecido como o chanceler das Farc. Representação do Estado estiveram a cargo do conselheiro presidencial, Alejandro Eder e Jaime Avendaño, um funcionário veterano da Presidência da República. O baixo escalão dos representantes do governo irritou a guerrilha e pouca coisa avançou nesse primeiro contato.
Já em uma segunda fase, em julho de 2011, o presidente Santos convida o alto comissário para a paz, Sergio Jaramillo, para encabeçar a equipe de negociadores. Além disso, o chefe de governo envia uma mensagem de boa fé e um gesto de confiança ao delegado de cunho pessoal, seu irmão mais velho, o jornalista Enrique Santos Calderón, ex diretor do importante jornal El Tiempo. As Farc recebe essa notícia como uma mostra do seu compromisso com o processo ao envolver um membro da sua própria família, mas também a possibilidade de conversar diretamente com um veterano das negociações de paz, que esteve em Caguán (2001) e na Uribe (as negociações de 1984). As Farc retribuem a “gentileza” e colocam o chefe militar das Farc, Mauricio Jaramillo, à frente da delegação guerrilheira. Também conhecido como “o médico”, ele é o sucessor do Mono Jojoy, membro do Secretariado e comandante do mais poderoso bloco guerrilheiro jamais visto. Enrique Santos afirma que Mauricio Jaramillo era quem dava peso à delegação por ser o chefe militar. O jornalista veterano o descreve como uma pessoa “sóbria, seca, calada, mas quando falava tinha a autoridade de ser o homem sobre cujas costas estava o compromisso das Farc”.
As reuniões são transladadas a Cuba e realizam-se uma série de encontros secretos, entre os meses de fevereiro e agosto de 2012. “O governo colombiano e as Farc realizaram cerca de dez rodadas preparatórias. Cada uma podia durar entre quatro a oito dias seguidos”, conta Maurício Jaramilho em artigo publicado pela revista colombiana Semana.
– Os delegados do governo voltavam à Colômbia ao final de cada encontro. Más nós permanecíamos em Cuba no mais absoluto segredo. Ninguém podia ver-nos e nós também não podíamos deixar nos ser vistos. Isso convertia a nossa prolongada estadia em uma espécie de clausura de monastério, – descreve o chefe militar das Farc.
Durante as conversações exploratórias a guerrilha propõe o cesse ao fogo bilateral, mas o governo não aceita. É nesse momento que decidem mudar de equipe. Mauricio Jaramillo, estratégia militar, volta para a selva e Ivan Marquez, que também é membro do secretariado das Farc, assume a liderança da delegação de insurgentes.
– Como o governo não aceitou a trégua eles deixaram seus chefes militares no campo de batalha, – conclui o veterano negociador Enrique Santos.
Do outro lado da mesa, a que toca ao governo, a delegação ganha um reforço com a nomeação do político e ex magistrado Humberto La Calle, que também foi ministro de Governo, em 1990 durante a gestão do então presidente César Gaviria e representante direto do governo na Assembléia Nacional Constituinte de 1991. La Calla conduziu a instalação oficial dos diálogos de paz, em Oslo, e agora é quem lidera a equipe do governo.
Todos os caminhos levam a Cuba
A escolha de Cuba para sediar os diálogos também não foi por acaso. As reuniões exploratórias estavam cada vez mais tensas e o processo corria o risco de fracassar antes mesmo de começar. E a conjuntura internacional veio a calhar. Tudo começa com um acordo entre o presidente da Venezuela, Hugo Chavez e o colombiano Juan Manuel Santos, quando se restabelecem as relações diplomáticas entre as duas nações. O compromisso do presidente da Colômbia era usar sua influencia dentro da direita do continente para contribuir com a volta do presidente Manuel Zelaia a Honduras, onde havia sofrido o golpe de Estado. E o presidente da Venezuela se comprometeu em sincronizar e trabalhar conjuntamente com a agência de inteligência colombiana e a Interpol na captura de chefes guerrilheiros, paramilitares e narcotraficantes que pudessem se refugiar em território venezuelano.
No começo de 2012 os governos de esquerda da América Latina exerciam forte pressão nos Estados Unidos por sua política de ingerência na América Latina. Venezuela ameaça se retirar do comitê interamericano de Direitos Humanos, organismo vinculado a Organização de Estados Americanos (OEA). Equador toma a decisão de não participar da Cúpula das Américas, enquanto Cuba não for convidada a regressar ao organismo. Nicarágua, Bolívia e Venezuela também não confirmam participação. Nesse momento o corpo diplomático da Colômbia entra em ação. O país que era o anfitrião da sexta Cúpula das Américas, em abril de 2012, não queria entrar para a história como sede da desintegração da OEA.
Em fevereiro desse mesmo ano, dois meses antes da cúpula, a ministra de relações exteriores da Colômbia, María Ángela Holguín viaja a Cuba e se reúne com o chanceler cubano, Bruno Rodríguez e sai do país sem dar declarações. Daí em diante ninguém mais polemizou o tema. Equador foi o único país que não compareceu em Cartagena, mas manteve silêncio desde então. Possivelmente foi nesse período que se negociou o papel transcendental que Cuba teria como país garante do diálogo de paz. Uma jogada de mestre da diplomacia colombiana, em um momento decisivo para o país.
– É verdade que o processo esteve a ponto de morrer devido à dificuldade em determinar qual seria a sede das conversações, – confessou o guerrilheiro Mauricio Jaramillo, em nota recentemente publicada pela imprensa colombiana.
Além disso, algumas conversações exploratórias para definir os protocolos e metodologias já haviam sido realizadas em Cuba, entre os meses de julho e dezembro de 2011.
– O papel de Cuba nesse momento é decisivo. O que também demonstra seu compromisso com a paz da região, – afirma o investigador da universidade de Barcelona Yezid Arteta.
Na escolha dos países que participariam como observadores e testemunha a guerrilha optou pelo governo de esquerda da Venezuela e o presidente Santos ficou com a direita do Chile, um aliado no bloco “Arco do Pacífico”, que também inclui Peru, Panamá e México, zona de influência dos Estados Unidos.
– Já a Noruega, que junto com Cuba oferece garantias de segurança ao processo, foi escolhida por ser um dos poucos países que não reconhece a lista de organizações terroristas dos Estados Unidos, na qual as Farc estão incluídas – conforme explica Arteta. Outro ponto a favor da Noruega é sua vasta experiência diplomática por haver participado de diferentes diálogos de paz no mundo.
*Jornalista colaboradora da revista brasileira Caros Amigos <rodrigues.fania@gmail.com>