“Uma paz superficial seria fatal e falsa”, afirma Narciso Isa Conde

“Nessa decisão do governo do PT, como em sua intervenção no Haiti junto aos EUA, sinto a impressão de um novo imperialismo que não possui medo em pactuar e/ou confluir – dada sua particularidade – com a estratégia dos EUA”

Presidente do Movimento Continental Bolivariano, militante comunista dominicano que combateu a ditadura de Trujillo e as invasões estadunidenses de 1965, Narciso Isa Conde é observador atento dos processos políticos na Colômbia, assunto dessa conversa com o Imprensa Popular.

IMPRENSA POPULAR – Passado já cerca de um ano, pode-se afirmar que os diálogos de paz alteraram a conjuntura política da Colômbia?

NARCISO ISA CONDE – O governo de Santos não mudou substancialmente. Em essência, é o mesmo, ainda que tenha sido forçado  a modificar seu comportamento: mostrar-se favorável à paz e aceitar de fato a insurgência – especialmente as FARC e o ELN – como forças beligerantes. Isso pode ser passageiro ou poderia afirmar-se como um dado mais perdurável dentro de uma nova realidade. Adotou um tom e um estilo diferente ao de Uribe, sobretudo depois de constatar a impossibilidade de sufocar a insurgência popular (armada e sem armas) pela via militar.

O que mudou foi a correlação de força. As FARC-EP não retrocederam militarmente e cresceram politicamente. Seu caráter propositivo tem muito mais poder de atração. Suas articulações políticas e sociais com a diversidade do campo popular e as forças alternativas são cada vez maiores.

De mais a mais, a agenda da mesa em Havana se converteu numa agenda nacional, da qual se apoderou uma grande variedade de autores e sujeitos sociais que tendem a converter-se numa torrente político-social transformadora com grande capacidade de mobilização e convocatória. Exemplo disto tem sido o surgimento da Marcha Patriótica e sua confluência com outros movimentos alternativos.

IP – A iniciativa de Santos trouxe divisões permanentes na direita ou são apenas conjunturais?

Narciso – O que divide as direitas é o extraordinário sentimento popular a favor da paz, unido ao enorme descrédito da guerra suja e do terrorismo de Estado.

Também gravitam muito sobre tais resultados as peculiaridades de ambas as facções; uma delas indissoluvelmente vinculada ao negócio da guerra, às narcomáfias e ao paramilitarismo; e a outra à grande burguesia tradicional e transnacional (mafiosas também, porém com métodos mais sofisticados), e a seus planos de acumulação através da atividade mineradora e energética.

Em casos assim, em plena disputa entre as direitas e entre estas e as esquerdas alternativas, com o imperialismo por trás e à espreita, seria seguro afirmar que as rupturas entre os de cima será irreversível, como também afirmar que é simplesmente conjuntural.

IP- Que influências a morte de Chávez trouxe para a política colombiana?

Narciso – Em geral, Chávez era uma referência estimulante de uma mudança político-social de bastante profundidade na Venezuela e mais além de suas fronteiras, ainda que a política de Estado e os interesses conjunturais da diplomacia no caso da Colômbia o tivessem levado, por períodos e momentos, a traçar políticas de coexistência e de colaboração interestatal não favoráveis ao avanço das forças revolucionárias vizinhas.

Seu melhor momento foi quando defendeu o reconhecimento das FARC-EP e do ELN como forças beligerantes, a troca humanitária de prisioneiros e a linha crítica-confrontante à gestão de Uribe, que incluía a facção de Santos em sua condição de ministro de guerra. Seu pior, o momento das prisões de Becerra e Julián Conrado, com suas negativas implicações.

IP – As relações da Colômbia com a OTAN, o golpe e a vitória da direita no Paraguai e a manutenção de holofotes direitistas sobre Caprilles podem ter que consequências para a América do Sul?

Narciso – Esses fatores, junto a outros como o golpe fascistóide em Honduras, os avanços da direita na Costa Rica e no Chile, a direitização de Humala, a Aliança do Pacífico, o reforço da presença militar e a reestruturação das forças estratégicas dos EUA no continente, são componentes relevantes de uma persistente contraofensiva imperialista.

Em nosso entender, esse contra-ataque vale ser atacado, aprofundando e estendendo as mudanças em direção a mais soberania, mais anti-imperialismo, mais democracia social, mais participação e construção de poder popular… num maior número de países na região e naqueles que já empreenderam este caminho.

IP – A assinatura de acordos de cooperação militar entre Brasil e Colômbia traz que consequências para a insurgência colombiana?

Narciso – Esta pergunta vocês podem responder com mais propriedade que eu.

Porém, de todas as maneiras não posso deixar de dizer-lhes que, nessa decisão do governo do PT, como em sua intervenção no Haiti junto aos EUA, sinto a impressão de um novo imperialismo que não possui medo em pactuar e/ou confluir – dada sua particularidade – com a estratégia dos EUA, quando tal passo facilita sua expansão.

IP – Há quem defenda ser possível obter uma paz permanente acelerando este processo. Outros creem ser necessário que as negociações não sejam “atropeladas” por prazos inalcançáveis. Qual sua posição?

Narciso – O problema não é o tempo que levem os acordos, mas a profundidade e qualidade dos mesmos, para que não haja retrocesso; sempre custará tempo, trabalho, vontade e inteligência para desmontar uma guerra que dura mais de meio século. Uma paz superficial seria fatal e falsa. Um acordo que não se baseie na superação das raízes do conflito social armado, não passaria de uma nova frustração.

Não faltam os que aspiram a um acordo que faça às vezes de troféu eleitoral para garantir uma continuidade maquiada, que permita continuar o caminho das injustiças sociais, da dependência, do saque, da antidemocracia e da destruição do país. Tudo para salvar o grande capital. Essa paz conduziria, de novo, aos cemitérios.

IP – Em seu XIV Congresso, o PCB se definiu pela criação de uma frente anticapitalista e antiimperialista. Qual sua opinião a respeito?

Narciso – Acredito na necessidade de uma nova Internacional Anticapitalista que, por sua vez, participe de outros sistemas de alianças antineoliberais e anti-imperialistas. A presente decadência do capitalismo, sua multicrise intransponível, assim exige. Não existe outra maneira. Se quisermos sobreviver, precisamos renunciar ao medo e sermos definitivamente felizes.

Parece-me que o XIV Congresso do PCB apontou bem nesse sentido. Isto – repito – é algo imperioso, dado o presente declínio da civilização capitalista e o caráter altamente destrutivo do imperialismo atual.