RELER A AGENDA DO ACORDO GERAL DE HAVANA

A criação de um Comando de Transição encabeçado por um general da força pública é um decisão presidencial que nos obriga a perguntar se a presença de militares ativos na Mesa de Conversações de Havana considerou o assunto de se eles o fazem ou não, sujeitando-se à permanência da linha de comando e sem poder comprometer nada.

Este evento é imbuído de um raro sucesso. Seu papel se reduziria ao exercício de uma visão unilateral e mecânica apenas, onde pessoas como o general Flórez se limitariam a dizer o que fosse ordenado pela delegação governamental de paz e ponto.

Que tipo de cenário é este?

Se o Comando de Transição tem o propósito de empreender o estudo da “desmobilização e entrega de armas da guerrilha”, tal circunstância deverá ser contrastada com a criação urgente de um Comando Guerrilheiro de Normalização, não de transição, com a missão de estudar o regresso da força militar ao seu papel constitucional de guarnecer nossas fronteiras, o desmonte dos batalhões de contrainsurgência por razões de tal normalização como resultado da paz, a redução das forças e a possibilidade de algumas reformas profundas em sua doutrina militar. Isto, entre outras coisas, porque a igualdade das partes na mesa implica que, caso chegue à normalização da convivência cidadã, o assunto tem efeitos em ambos os lados e a que existe a capacidade de opinião dos dois grupos.

Porém, se partirmos da ideia do governo de que a reforma da força pública é um tema não negociável, tal como afirmou em diversas ocasiões, sem que ainda tivesse chegado o momento de debater o tema do fim do conflito, isso não significa que esteja vedado o direito à opinião sobre o tema.

Por agora, o que supomos como insurgência é que a criação do Comando de Transição apenas terá efeitos no interior da força pública, já que a natureza militar deste comando limita sua competência de maneira estrita a tal jurisdição: a militar.

É lógico, então, que o mencionado comando esteja dirigido ao estudo e implementação de mecanismos de normalização das forças armadas para a obtenção de seu rápido regresso a seu destino constitucional que é o da defesa das fronteiras.

Porque não se pode ignorar que com a paz conquistada após cumprimento integral do espírito e da letra do Acordo Geral para o Fim do Conflito firmado pelas partes em Havana, em 26 de agosto de 2012, já não caberia a utilização irregular da força militar para assuntos de ordem pública interna ou para a defesa intransigente de um regime político injusto, que colocou as instituições a serviço de interesses privados e que favorece apenas uma exígua minoria de potentados, políticos corruptos e interesses de companhias multinacionais, desconhecendo os interesses e aspirações das maiorias nacionais, que é o que até o presente se deu.

E é claro que, se nos atentarmos à norma constitucional vigente que diz respeitar o governo, é possível pensar que caberia utilizar a força militar para atender aspectos dessa natureza eventualmente. Isso se daria somente se a função da polícia e tal seria procedente apenas nos termos indicados na norma superior correspondente; ou seja, mediante a declaração prévia do Estado de Exceção para um período de tempo de mais de noventa dias e, mais uma vez (para ser preciso, pela terceira vez), pelo mesmo tempo, com autorização do Senado da República.

Assim, se o assunto pode ter esse sentido, então é saudada a criação do dito Comando, pois é bom ir preparando as forças militares para que tomem consciência de seu papel natural; e nesse plano, sem dúvida, várias são as reformas que terão de antecipar em seu interior para que no futuro possam assumir seu papel constitucional primordial como guardiães de nossa dignidade nacional e de nossas fronteiras pátrias.

Ninguém pode perder de vista que o diálogo que travamos defende a solução do conflito como política e não militar. A guerra empreendida pela insurgência contra o regime político elitista e oligárquico que nos governa, é uma guerra de caráter político, e a repressão sofrida pelo movimento popular, social e camponês, ou seja, o Terrorismo de Estado, também existe por razões políticas.

A discussão é válida, pois isto é matéria que cabe não só à insurgência, mas a todos os colombianos.

De tal maneira que, mesmo que existam implicações no campo militar, a base de tudo é política. Porque, do contrário, se deixa ao sabor da criação de um princípio de subalternidade da guerrilha à força pública a partir de agora, o que é impensável para a insurgência.

Hoje está sendo estudado o Ponto 3 da agenda, denominado “Fim do Conflito”, ponto que é integrado por sete itens. Concretamente, se enuncia o tema como “3. Fim do conflito”, e na próxima linha se lê “Processo integral e simultâneo…”. Após esta última frase, enumera-se cada um dos sete subpontos, indicando que é possível exigir que o mecanismo de trabalho para o Ponto 3 seja atendido ou assumido tal qual se ordena: integralmente e simultaneamente. Assim, o que se está apresentando é que o subponto 7 deve ser abordado em conjunto com os outros 6 subpontos; ainda mais estando em discussão o Ponto 5 sobre vítimas. Isto porque o subponto 7 do Ponto 3, “Fim do Conflito”, indica que “no marco do estabelecido no Ponto 5 (vítimas) deste acordo se esclarecerá, entre outros, o fenômeno do paramilitarismo”.

É de se entender, portanto, a necessidade de organizar e colocar em movimento urgentemente o mecanismo para começar a esclarecer o “fenômeno do paramilitarismo”.

A esse respeito, não se pode deixar de distinguir entre o que são os fatos e prejuízos produzidos pelo paramilitarismo, e o que é o “fenômeno do paramilitarismo” propriamente dito. Em outras palavras, uma coisa são os fatos criminosos e os resultados criminosos produtos do paramilitarismo (que seria trabalho para uma Comissão da Verdade), e outra coisa é estabelecer o relativo ao “fenômeno do paramilitarismo”; ou seja, estabelecer como se formou e se integrou, como funcionou, onde foi estabelecido, com que dinheiro, quem promoveu e estimulou e porque continua atuando. E é necessário fazê-lo, primeiro, porque se trata de um mandato para as partes surgido do próprio Acordo Geral, e segundo, porque a supressão total do paramilitarismo depende do êxito da construção da Paz. “Reincorporação” e “normalização” com o paramilitarismo vivo é um contracenso. Dar este passo é uma necessidade a que não se pode ignorar.

Por outro lado, é fundamental ressaltar que a redação do subponto 7 do Ponto 3 não implica mandato exclusivo para o governo, o que leva à integração de uma comissão investigadora especial, inclusive com especialistas nacionais e estrangeiros; antigos investigadores penais locais e estrangeiros e similares, incluindo a Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas, que está em funcionamento. Proceder com a criação da Comissão Investigadora do Fenômeno Paramilitar, que de nenhuma maneira deve se confundir com a Comissão da Verdade, que aborda casos concretos, seria outro passo para avançar no conjunto do esclarecimento das origens, causas e efeitos do conflito, que determinou a Agenda do Acordo Geral de Havana.

Finalmente, devemos recordar que se todos os subpontos do Ponto 3 sobre “Fim do Conflito” devem ser resolvidos integral e simultaneamente, é bom que o governo, em atenção ao subponto 5, vá estabelecendo com seu interlocutor como se “revisará” e se vão fazer “as reformas e os ajustes necessários para fazer frente aos caminhos da reconstrução da paz”.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP

Fonte: https://www.pazfarc-ep.org/index.php/noticias-comunicados-documentos-farc-ep/delegacion-de-paz-farc-ep/2107-releer-la-agenda-del-acuerdo-general-de-la-habana

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)