Artigo de balanço dos 8 anos de Uribe Vélez

Os balanços da “grande imprensa” são como a história de Alice no País das Maravilhas. A “segurança democrática” fracassou porque sua razão estratégia era a derrota da guerrilha e não a solução política do confronto. O regime colombiano se degradou ainda mais, porque a sua frente está um setor dominante decomposto e mafioso, apoiado pelo império e pelo grande capital.

Carlos Lozano Guillén

No domingo, 25 de Julho deste ano, o jornal O Tempo publicou um encarte de 24 páginas financiado por grandes empresas industriais e financeiras, assim como a Ação Social que administra o dinheiro dos desalojados, e que ocuparam nove páginas de publicidade dedicadas a “Uribe: oito anos que mudaram o país”, cujo conteúdo pretende convencer aos leitores que as duas administrações foram um modelo de virtudes e realizações importantes para o país. A velha história de Alice no País das Maravilhas. Em duas páginas do pesado tijolo, você vê a entrevista do presidente Álvaro Uribe Velez, que com habilidade midiática, pretende convencer o leitor com a história que chorou várias vezes, ainda que não tenha derramado uma única lágrima para os jovens mortos pelos militares para serem apresentados como guerrilheiros mortos em ação (chamados “falsos positivos”), ou os milhares de sindicalistas e opositores mortos na guerra suja ou os desaparecidos dos poços de La Macarena, ou até menos para as vítimas da injustiça social, a fome e a pobreza, do “passeio da morte” e outras aberrações que não contam na hora dos balanços.

Para O Tempo, “apesar de alguns erros e escândalos”, os dois governos de Uribe Velez devolveram ao país a segurança e a confiança dos investidores para o benefício da indústria e do capital. O colunista do mesmo jornal, Maurício Vargas, havia dito antes que não importavam os “erros”, porque o mais importante são os ganhos na guerra contra as FARC e a confiança que retornou para os colombianos. Nada mais importa. É a hipocrisia da ultra-direita. Demonstração de que a ética burguesa não tem valores ou princípios, não importando os meios para um fim. Vale tudo nos momentos de decisão, assim trata-se de torcer o pescoço da Constituição e da lei.

A ilegalidade da reeleição

Os sisudos analistas uribistas, que não poupam elogios a um dos governos mais corruptos da história da Colômbia, ignoram com o maior cinismo que o segundo governo de Álvaro Uribe Velez tinha uma origem podre e reprovável, pois a aprovação no Senado e Câmara dos Deputados de uma legislação que sancionava a reeleição se deu através do suborno, porque os altos funcionários do governo compraram os votos dos congressistas, dois deles, Ydis Medina e Teodolindo Avendaño, estão na prisão purgando a pena imposta pelo Supremo Tribunal de Justiça por venda de votos. Assim que a tentativa de reeleição, segundo a lei que exigia o referendo, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, e também ilegal, de modo que os promotores estão sob sanção legal, respondendo poa fraude criminal perante o Congresso e a sociedade. Nenhum dos fatos anteriores foi relacionado ao senhor Uribe Vélez.

Os oito anos da administração de Uribe transcorreram de escândalo um escândalo. Desde a “para-política”, passando pela negociação dos filhos do executivo, o roubo do Agro Ingreso Seguro, até os assassinatos e crimes de jovens humildes, mortos pelos militares e apresentados como guerrilheiros para mostrar “positivos”, ou seja, resultados na luta contra a insurgência. Sem ignorar a atividade criminal do DAS, organização secreta que depende da Presidência da República, que intima, ameaça, espiona e promove campanhas de difamação aos juízes da Corte Suprema de Justiça que investigam a “para-política”, jornalistas críticos ao regime e personalidades da oposição. Tudo em nome da “segurança democrática” e da necessidade de esmagar a guerrilha.

O uribismo, que liderou um Estado mafioso onde vale tudo na “arte de governar” é uma corrente da ultra-direita liberal e conservadora, baseada em relações de dependência e submissão ao imperialismo dos Estados Unidos, especialmente do Pentágono, do complexo militar-industrial e das correntes militaristas que estão lucrando com a guerra interna na Colômbia. Estabeleceu um sistema com os setores mais decompostos da classe dominante, a lúmpen burguesia, para favorecer as grandes empresas, particularmente o setor financeiro e as transnacionais, com o argumento falacioso de que a confiança dos investidores gera crescimento econômico, melhores padrões de vida e de emprego. O Governo da “segurança democrática”, baseou a sua fundação na guerra, na perseguição de opositores e na degradação de formas coercitivas de poder. O regime tem como objetivo prolongar-se através da primeira administração de Juan Manuel Santos, que alegou ser o herdeiro de Uribe Vélez e da sua “segurança democrática”, embora tente desesperadamente diferenciar-se no estilo e num exercício político mais “decente”.

Fracasso do projeto uribista

O projeto uribista, essencialmente clientelista e violento, conhecido inicialmente como estado comunitário, ainda que logo diluído na concepção beligerante de “segurança democrática”, falhou e não foi de qualquer maneira. Sua razão de ser sempre foi de esmagar a insurgência, coisa que não alcançou e, inversamente, após pesados golpes militares e midiáticos, de vender a história de que segurança é não construir estradas na Colômbia para que não sejam usadas pela guerrilha, ou bloqueios maciços e ataques a aldeias e postos militares, e o que normalmente se registra é a reestruturação da força insurgente, do seu significado, da resistência e da realidade que corrobora com a sua própria existência, porque não foi derrotada em menos de noventa dias, e posso atestar que a pregação dos generais do fim do fim nos últimos oito anos. O paramilitarismo “sobreviveu” a desmobilização de Ralito e continua a agir com a mão criminosa de militares e chefes políticos regionais. Alguém disse nesses dias que “por trás de cada crime político existe um militar e um político local.”

A parte lesada com essa política belicista que arrasta os principais recursos do Estado são a assistência social, porque a saúde, habitação e educação, verdadeiros pilares da democracia social, apresentam resultados negativos e foram convertidos em empresas privadas lucrativas ao sistema financeiro durante os muitos anos desta noite horrível, onde os porta-vozes do governo têm um prazer arrogante em assumir o crescimento econômico, mas as medidas plutocráticas que garantiram os lucros para os ricos, aumentou, e muito, a pobreza, a desigualdade social e o desemprego.

Degradação maior

O conflito interno está mais degradado do que antes. O quadro dos direitos humanos é sombrio, garantem as Nações Unidas e outras agências internacionais. O país está mais dividido e existe um confronto entre os diferentes poderes públicos, que foram assediados à cooptação e submetidos pelo Executivo. Cento e sete ex-congressistas e 500 políticos da ampla gama de partidos e correntes pró-Uribe estão ligados à “para-política”, o principal ponto de contradição entre o presidente e os tribunais, porque o primeiro tem vindo a defender os seus amigos com a arma da calúnia e infâmia contra magistrados e juízes.

Uribe Vélez negou a possibilidade de saídas humanitárias e políticas para o conflito. O país se desgastou mais na guerra interna. E ainda minou as relações internacionais com os países vizinhos, porque se tornou o principal apoio para os Estados Unidos em sua intervenção na América Latina. Sete bases militares gringas na Colômbia ameaçam a paz na região. Se algo aparece nítido na melancólica despedida de Uribe Velez é o fracasso da solução militar. O contexto do conflito mudou nos últimos oito anos, porém com enorme dívida social, e a origem permanece a mesma, sua natureza é política, social, econômica e histórica. Por conseguinte, não se pode ignorar nem gregos nem troianos, e muito menos os herdeiros do fracassado uribismo.

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