Entrevista da Anncol a Joaquín Gómez, comandante do Bloco Sul das Farc-EP, recém-chegado a Havana

Esta entrevista com um dos membros do Secretariado do Estado-Maior Central das FARC-EP foi realizada no final do ano de 2014. Não perdeu actualidade. Mas é necessário recordar que, já depois dela, as FARC denunciaram o comportamento do governo e do exército colombiano face ao cessar-fogo unilateral que tinham decidido. A um inequívoco gesto de paz o poder colombiano responde com o recrudescimento das acções militares.

Joaquín Gómez, comandante do Bloco Sul das FARC-EP, é um homem simples e afável nascido em Barrancas, Guajira, no ano de 1947, no humilde lar de Minos e María Magdalena.

A primeira vez que o entrevistei foi em Janeiro de 1998, no seu acampamento no departamento de Putumayo, sul de Colômbia. Quinze meses antes, a guerrilha havia infligido um golpe duríssimo ao Exército Nacional, ocupando a base militar Las Delicias e capturando 67 militares.

Três semanas antes da nossa entrevista, em 21 de Dezembro de 1997, unidades guerrilheiras do Bloco Sul subiram a 4200 metros de altitude e ocuparam a base militar no Cerro Patascoy, levando uns 20 militares que sobreviveram ao ataque que destruiu toda a instalação da inteligência militar e de comunicações das FF.AA. no sul da Colômbia.

De Guajira à URSS

Aí, entre centenas de guerrilheiros que constituem o seu perímetro de segurança, falava-me sobre os planos da insurgência, o desejo de paz que viria posteriormente a expressar-se em San Vicente de Caguán. Mas falou também da sua infância e dos seus estudos de educação primaria que transcorreram tutelados pela majestosidade da Sierra de Nevada, entre as brisas do deserto e as notas combativas do maestro Carlos Huertas, autor do Cantor de Fonseca.

Parte da sua adolescência viveu-a em Maicao de onde, com o seu tempero de cardamomo e sol ardente, partiu para Montería, cidade na margem do Sinú. Aí fez os seus estudos secundários no Colégio público José María Córdoba como bolseiro da então Intendência de la Guajira.

Ainda na juventude exerceu como inspector de Majayura, para logo se vincular à Universidade de Antioquia, onde cursou um semestre de veterinária que lhe serviu de base para prosseguir a profissão de zootécnico na Academia Timiriazev de Moscovo.

De regresso da União Soviética desempenhou o cargo de professor de zootecnia na Universidade Sul colombiana de Florencia, Caquetá, nos anos 70, onde dirigiu a cátedra de genética animal e fisiologia dos animais domésticos. Pouco depois regressou a Moscovo para realizar estudos de pós-graduação sobre inseminação artificial e gado produtor de carne.

Entre a academia, a inquietação política e a sua preocupação pelos problemas sociais de que padeciam a sua terra natal e o país surgiu, no ano de1985, a determinação de se vincular às FARC.

Ingressando na insurgência

O seu ingresso teve lugar na 14ª Frente, no Medio Caguán, a sul do país. Durante os seus 29 anos como guerrilheiro dirigiu cursos de economia política e de filosofia; representou a insurgência, durante o governo de Betancur, no Comité de Investigação e Transferência de Tecnologia, em que participavam os directores dos institutos descentralizados do país; constituiu equipas de organização e propaganda; desempenhou cargos militares com resultados de sucesso; foi porta-voz das FARC nos Diálogos de Caguán durante o governo de Andrés Pastrana. Integra o Secretariado do Estado-Maior Central, e é o comandante do Bloco Sul das FARC.

Agora encontramo-lo em Havana fazendo parte da Subcomissão técnica que abordará com o Governo, aspectos nodais do terceiro ponto da Agenda FIM DO CONFLITO, como são o cessar-fogo bilateral e definitivo e a Deposição de armas, que deverá comprometer ambas partes na Mesa de conversações.

A ANNCOL agradece-lhe de antemão a deferência que teve em dar resposta, em exclusivo, a várias das nossas inquietações.

Joaquín Gómez fala em exclusivo para ANNCOL

¿Como sentiu a mudança repentina de passar das selvas da Colômbia, onde persiste la confrontação armada, a este cenário de Havana, em que os esforços que se realizam se dirigem no sentido de alcançar a paz?

– Efectivamente trata-se de dois cenários diferentes, se se toma em conta que ali a tensão própria da guerra impõe um tipo de comportamento apegado a uma disciplina rigorosa, que implica certas privações, que desaparecem num cenário aprazível e solidário como aquele que se respira em Havana. Num e outro lugar, todavia, os nossos esforços estão sempre focados em traçar iniciativas e procurar alternativas que permitam resolver as causas da miséria e desigualdade que estão no cerne deste conflito, para assim alcançar a paz. Devo também dizer que independentemente do espírito fraterno com que o povo cubano acolhe as delegações, tanto do Governo como da guerrilha, os nossos corações permanecem enraizados lá no teatro de operações militares, onde estão os nossos e o povo que nos apoia.

¿Como estava o ânimo das tropas do Bloco Sul antes da sua partida para Havana?

– Magnífico; com plena disposição combativa, mas também com uma confiança e uma esperança imensas em tudo o que a Delegação de Paz das FARC tem vindo a realizar para conseguir a reconciliação dos colombianos, em que se deve incluir a recente iniciativa de cessar-fogo unilateral, verificável e indefinido.

O Ministério da Defesa insinuou, e foi citado por todos os media, que o Bloco Sul não estava de acordo com as negociações em Havana. ¿Como foram os comentários e as reacções entre as estruturas guerrilheiras do Bloco Sul quando viram e escutaram o Ministro da Defesa?

– Os combatentes dizem que, pela forma como todos os dias dispara contra o processo de paz, parece mais ministro da defesa de Uribe do que de Santos. A minha presença e a de outros chefes de Blocos em Havana é uma demonstração mais da coesão inquebrantável das FARC.

Do ponto de vista político-militar, ¿como está a situação nas áreas de operações do Bloco Sul? ¿Como e que comenta a população civil nestas áreas acerca de uma eventual assinatura da paz, quais são as esperanças?

– Como já disse, a disposição combativa das nossas unidades é plena; até ao dia em que declaramos unilateralmente o cessar-fogo, produziam-se choques armados com certa frequência e intensidade, mas ao mesmo tempo tínhamos muitas unidades empenhadas em trabalho organizativo, intercambiando com a população, realizando pedagogia para a paz. Neste trabalho percebia-se o anseio das pessoas de que a trégua frutifique e o processo avance por bom caminho. Mas, em todo o caso, não deixa de existir entre a gente do campo desconfiança face ao Governo. Teme-se que incumpra os compromissos e que novamente se desate a guerra suja, os massacres e os desalojamentos.

¿Há forças paramilitares operando nas regiões?

– Na realidade é o Exército quem actua na região com as arbitrariedades de sempre, e em não poucas ocasiões ameaça a população de que a qualquer momento vão chegar novamente os paramilitares, o que gera uma situação de sobressalto permanente.

Os media e os chamados “politólogos” consideram que o Bloco Sul é o Bloco do narcotráfico. ¿Que comentário merece tal acusação?

– Esses media e politólogos que menciona, geralmente plumas a soldo, são caixas-de-ressonância de uma estratégia perversa de manipulação e mentira que tem o propósito de encobrir os verdadeiros narcotraficantes e motores deste negocio que estão enquistados no sector financeiro e que lucram com a lavagem de dinheiro.

¿Que pode dizer-nos sobre a retenção do repórter francês por parte de guerrilheiros da Frente 15?

– O excelente documentário realizado pelo próprio Romeo Langloise fala de maneira clara sobre a realidade que viveu e a farsa que envolve esse tipo de operações que se lançam contra camponeses pobres para depois dizer que estão desmantelando laboratórios das FARC.

Em 21 de Dezembro de 1997, o Bloco Sul tomou a base da inteligência militar do Exército no cerro Patascoy. Umas semanas depois caiu um avião espia dos EUA próximo do cerro Patascoy e morreram cinco militares estado-unidenses. Raúl Reyes, em entrevista a este repórter que esteve nesses dias no seu acampamento, caracterizou este acontecimento como “As primeiras vítimas do Plano Colômbia”. Posteriormente veio a saber-se que os militares norte-americanos estavam implicados no bombardeamento do acampamento de Raúl Reyes, possivelmente a partir da base La Manta, en território equatoriano. Uribe entregou varias bases militares na área de operações do Bloco Sul ao Pentágono. ¿Que posição têm as FARC sobre o futuro dessas bases se vem a conseguir-se assinar a paz?

– Os Estados Unidos, que historicamente têm desempenhado um papel de protagonista na guerra, devem começar a desempenhar um papel determinante a favor da paz. O essencial no relacionamento com os Estados Unidos deve ser o do reconhecimento mutuo, da livre autodeterminação e do respeito pela soberania pátria.

¿Como foi recebida a morte da guerrilheira e companheira de Simón Trinidad, Lucero Palmera, em Setembro de 2010, quando foi bombardeado o acampamento onde se encontrava?

– Com tristeza e profunda dor pelos companheiros caídos. No mesmo bombardeamento morreu a sua filha, e talvez este facto, juntamente com os padecimentos que Simón Trinidad vive na prisão de máxima segurança em Florence, Colorado, configura um caso que é particularmente sensível para nós, mas que ao mesmo tempo nos compromete mais na luta pelos objectivos que definimos em defesa da Colômbia do futuro e a prosseguir os esforços para ter Simón em liberdade.

Houve durante este ano muitos confrontos entre a força pública e a população civil, principalmente indígenas e camponeses, no departamento de Putumayo, ¿a que se devem esses conflitos?

– As causas dos confrontos entre a Força Pública e a população no departamento de Putumayo são as mesmas que em Catatumbo, em Cauca ou qualquer outra região marginalizada da Colômbia, têm que ver com a situação de abandono e miséria a que foram submetidas durante décadas, estas e outras regiões como Chocó e Guajira, onde a população morre de fome no meio da riqueza. O Estado tem dado respostas militaristas ao inconformismo e ao legítimo protesto social, endurecendo as suas leis de segurança cidadã e dando um tratamento repressivo, sobretudo com esse aparelho criminoso que é o ESMAD. Isto deve mudar e o primeiro passo deve ser o de eliminar a Doutrina da Segurança Nacional e do inimigo interno.

¿Que futuro pode construir-se nos vastos territórios que constituem os departamentos de Caquetá, Putumayo, Huila e Nariño, para uma Colômbia em paz? ¿Que propõe o Bloco Sul?

– As propostas do Bloco Sul são as mesmas que as FARC colocaram na Mesa de conversações. Refiro-me às propostas mínimas que foram feitas para cada um dos pontos da Agenda do Acordo Geral, as quais foram já suficientemente divulgadas pela nossa Delegação de Paz.

Vai entrar na subcomissão técnica. ¿Que contributo espera aí dar?

– O trabalho para esta subcomissão estamos a fazê-lo em equipa, e estabelecemos já uns quadros conceptuais explicando o que significam para nós categorias como deposição de armas, armistício e tratamento à rebelião face à paz, que é um direito síntese. Poderíamos em particular contribuir com a nossa experiencia do que poderia ser uma ampla trégua que permita a implementação dos acordos, depois da assinatura do Tratado de paz.

¿Uma mensagem ao povo colombiano e à opinião pública internacional nestes últimos dias do ano?

– Cremos na paz e estamos empenhados em conquistá-la, mas está claro que isso será alcançado na medida em que o povo se aproprie do processo, como o fez apoiando o cessar-fogo bilateral, apoiando um processo constituinte aberto, ou melhor ainda protagonizando-o enquanto soberano e força fundamental de qualquer mudança que se pretenda, incorporando as iniciativas das organizações sociais e políticas plasmadas nos delineamentos gerais para a transição no sentido de uma Nova Colômbia. Isto implica a mobilização multitudinária, a coesão de todos, que permita a criação de uma alternativa política ao neoliberalismo.

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