Sobre a entrega das armas e a experiência dos compromissos oficiais descumpridos
Por esses dias, a direita do país e seus meios de imprensa gritaram aos céus quando os insurgentes, que dialogam em Havana, disseram que os acordos de paz não implicam a entrega de armas e que não pagarão nenhum dia de prisão, porque com o levante armado exerceram o direito à rebelião contra a tirania de um regime sanguinário que, durante 60 anos, privou o país da democracia e das liberdades públicas.
É preciso abordar este tema à luz da história colombiana, que é cheia de eventos que mostram os governantes dos partidos tradicionais acostumados a descumprir suas promessas e compromissos. Por isso, 60% dos eleitores se abstêm, já que os politiqueiros uma vez eleitos, fazem todo o contrário do que propuseram.
As castas liberal-conservadoras argumentam folcloricamente que em um país democrático como a Colômbia, com divisão de poderes, não se justifica a rebelião armada; pretendem ignorar deliberadamente que aqui, não apenas não existe democracia há 200 anos porque se impôs uma longa hegemonia política dos dois partidos tradicionais, mas que se recorreu ao uso permanente da violência como forma de governo e com práticas medievais, como o extermínio físico da oposição e os movimentos sociais.
A burguesia colombiana tem merecida fama de farsante. As recentes mobilizações camponesas não exigiam reivindicação alguma; foram reclamar o cumprimento de compromissos assumidos sete anos atrás. O mesmo acontece com duas leis de vítimas que são um completo fracasso. Hoje nos surpreendem com uma lei que, ao invés de entregar as terras abandonadas aos milhares de camponeses despojados, as estão autorizando a setores empresariais, financeiros e grandes proprietários de terras.
Já é um saber popular que na Colômbia a oligarquia se acostumou a eliminar fisicamente seus opositores. Em 1994, Rafael Uribe Uribe foi assassinado, considerado um liberal de esquerda. Caso não tivesse sido eliminado, teria chegado à presidência. Assim ocorreu, sucessivamente, com muitos lutadores sociais e políticos que caíram nas mãos traiçoeiras da reação direitista, entre eles o líder Jorge Eliecer Gaitán, em 1948, assassinado durante o governo conservador de Mariano Ospina Pérez. Gaitán contava também com um enorme apoio popular para ser eleito Presidente do país.
Em 1953, se produziu uma nova emboscada com o armistício e entrega das armas assumidas entre as guerrilhas liberais do campo, lideradas por Guadalupe Salcedo, e a ditadura militar de Rojas Pinilla. Os guerrilheiros cumpriram com a entrega das armas, porém o governo descumpriu as petições dos desmobilizados, no chamado Documento da Gileña, que continha sete pontos de reparação (Arturo Alape, La Paz, la violencia, Editorial Planeta, 1985, pág.143). Porém, o mais grave é que depois Guadalupe Salcedo e seus companheiros foram assassinados um a um, indefesos, pela própria polícia. Todos os casos ficaram na impunidade.
Em 1984, como fruto dos diálogos entre o Governo de Belisario Betancur e as FARC, se pactuaram os “Acordos de La Uribe”. Neles, se estipulou o surgimento de um movimento de oposição (a UP) para permitir que a guerrilha se incorporasse paulatinamente à vida legal do país. As condições que permitiram esse trânsito à legalidade consistiam um compromisso oficial para garantir plenamente os direitos políticos aos integrantes da nova formação, além da realização de uma serie de reformas democráticas para o pleno exercício das liberdades civis. Porém, o bipartidarismo tradicional, as forças militares e o paramilitarismo estatal, como chamou o próprio Mancuso, burlaram os acordos e se produziu um genocídio brutal contra os membros da Unión Patriótica [União Patriótica], frustrando os anseios de paz de milhões de colombianos. Até hoje as elites dominantes se negam a pedir perdão ao país por estes atos de enorme brutalidade institucional.
Em 20 de novembro de 1985, Oscar William Calvo foi assassinado de maneira covarde, pelas costas, por um efetivo do Exército quando atuava como porta-voz político durante uma trégua pactuada com o EPL. Depois, em fevereiro de 1987, Ernesto Rojas, Comandante Geral do EPL, foi detido em Bogotá, torturado e assassinado a sangue frio em ação da qual participou o General Oscar Naranjo. Posteriormente, Carlos Pizarro, que já tinha sido ferido pelo Exército durante a assinatura do Acordo de Paz entre o governo e o M-19 (Departamentos de Huila e Cauca), foi assassinado em 26 de abril de 1990, em pleno voo, após assinar a paz no governo de Virgilio Barco, época em que era candidato presidencial. Em 1993, também em pleno processo de negociações de paz, foram torturados e assassinados pelo Exército Enrique Buendía e Ricardo González, negociadores da Corriente de Renovación Socialista [Corrente de Renovação Socialista], dissidência do ELN.
Em 4 de novembro do ano de 2011, quando já avançavam as conversas para iniciar o processo de paz, em meio a um intenso operativo militar, foi detido e dominado Alfonso Cano, Comandante máximo das FARC. Após ordem expressa do Presidente Santos, Cano foi assassinado pelo Exército quando se encontrava indefeso. (http://www.elespectador.com/noticias/judicial/alfonso-cano-le-impusieron-pena-de-muerte-arzobispo-de-articulo-313964). Esta sucessão de fatos históricos mostra como em cada negociação com a insurgência, os regimes de turno prepararam armadilhas para atentar de forma traiçoeira contra os anseios de paz da população.
Agora, toda a direita e a grande imprensa, em uma só voz, reclamam à guerrilha a entrega de armas. No entanto, não há o desmantelamento do legado paramilitar deixado por Uribe Vélez, nem depuração da força pública envolvida em muitas ocasiões em crimes atrozes contra figuras da vida política nacional e líderes sociais; nem garantias efetivas para que os guerrilheiros integrados à vida civil tenham respeitados sua integridade e o exercício de sua atividade política. Nesta ocasião, não se pode repetir a trágica história de uma burguesia que trai os pactos e assassina seus opositores. Tal fato levaria a sociedade a uma guerra civil de incalculáveis consequências. Santos deve entender que a oligarquia deve renunciar a suas práticas políticas violentas e que a convivência democrática exige a desmilitarização total da vida nacional, além do reconhecimento pleno da oposição da esquerda.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)