Menos prisões e mais escolas. Mas quais escolas para os nossos jovens?

imagemLuís Fernandes*

Recentemente, no Brasil, temos acompanhado as tentativas de mobilização por parte de amplos setores da sociedade para a luta contra a diminuição da maioridade penal. Para além dos lobbies econômicos (privatização do sistema carcerário) e da orientação política de segurança pública nacional, baseada na guerra e terror às classes populares com o discurso de combate ao tráfico de drogas, a proposta de diminuir a idade penal no Brasil é mais uma inversão social e valorativa canalizada pelos interesses das classes dominantes no país.

Vejam bem. O Brasil, em pleno século XXI, sequer conseguiu vencer o analfabetismo. O desemprego juvenil aumentou significativamente nos últimos anos, os setores em expansão da nossa economia, quando geram emprego, o fazem à custa de precarização e volatibilidade. Pior que isso, o país do samba e do futebol (este último em plena decadência) também é um dos “campeões mundiais” de encarceramento e assassinato, tendo a juventude como a principal vítima.

É neste cenário social que se ergue em nossa superestrutura jurídico e política, como principal debate nacional sobre a juventude brasileira, a questão da diminuição da idade penal. Obviamente, os interesses particulares de frações da classe dominante ganham adesão e apoio por meio da grande mídia, tendo como base o crescente discurso e sentimento de ódio irracional e medo, em diversos setores sociais. Numa tentativa legítima de se contrapor a esta onda reacionária, a campanha contra a diminuição da maioridade penal tem se unificado em torno da consigna: “Menos prisões e mais escolas”. Contudo, até que ponto o atual modelo de escola não reforça esta mesma lógica, na qual o encarceramento juvenil passa a ser a grande solução para os problemas sociais estruturais?

Ora, para responder esta questão sem maiores profundidades, nem precisamos citar autores oriundos de tradição marxista. Passando por Adam Smith, Michael Focault e Pierre Bourdieu, a escola cumpre um papel institucional chave na formação da modernidade. Para o primeiro, ao defender a expansão da educação pública, esta deveria estar alinhada com o desenvolvimento da divisão social do trabalho e a regulação dos preços dos salários em determinadas atividades e, principalmente, voltar-se para a disciplinarização da força de trabalho para a grande indústria. Tendo como enfoque as relações de poder no tecido social, Focault identifica um traço comum nas instituições modernas. Segundo o autor, a vigilância e a punição fazem parte da lógica de disciplinarização na modernidade e, nesse sentido, a escola, o hospício e a prisão teriam traços em comum e, muitas vezes, complementares. Bourdieu, ao realizar estudos de caso em escolas públicas francesas, retoma um antigo argumento de Althusser ao identificar no espaço escolar a reprodução das desigualdades sociais. Superficialmente, apresentamos estas reflexões para constatarmos que a escola em si não é uma instituição transformadora, mas, na maioria dos casos, conservadora da ordem social.

A escola não é uma ilha isolada. Ela é um espaço onde determinados conflitos sociais e culturais se manifestam com maior ou menor intensidade. A atual crise sistêmica do capitalismo desemboca em uma profunda crise civilizatória da sociedade burguesa e suas instituições. Talvez, a escola seja uma das instituições onde essa crise está sendo mais sentida. Em países altamente desiguais, como o Brasil, essa crise é ainda mais nítida. Problemas típicos do século XX ainda não foram superados: analfabetismo, universalização do ensino médio, fim do vestibular, etc. Ao mesmo tempo, nos deparamos com uma geração de jovens, filhos da classe trabalhadora, sem grandes perspectivas na vida, a dada à situação econômica e social do país. Quanto mais a escola se expande, mais ela perde legitimidade. O mito da ascensão social via escola cai por terra: o desemprego, a rotatividade do mercado de trabalho e os baixos salários provam a limitação desse discurso. Entre as camadas médias e mais privilegiadas, a legitimidade social da escola se sustenta meramente através do utilitarismo do conhecimento e da busca por títulos para concorrer no mercado de trabalho.

As escolas no Brasil, assim como as prisões, funcionam como grandes depósitos de pessoas. Sua lógica de adestramento dos sujeitos e o tecnicismo do conhecimento prevalecem com dificuldades. Algumas fundações e organizações empresariais vem se debruçando sobre o problema escolar. Em muitos casos, há um descompasso entre as necessidades do novo padrão de acumulação do capitalismo e o modelo escolar implementado no século passado. Pelo visto, para os porta-vozes do capital, não há mais necessidades de tantos conteúdos e disciplinas. Há de se acompanhar a complexificação da divisão social do trabalho e especificar mais os currículos. Cada vez mais, a escola baseada na igualdade jurídica dos iluministas vai perdendo espaço para uma escola utilitarista e abertamente desigual, pautada pelos ideólogos do grande capital em crise.

A disciplinarização continua como um dos seus grandes objetivos. Agora, em determinados espaços populares, disciplina é sinônimo de militarização do espaço escolar. Os conflitos terão cada vez menos a mediação da pedagogia ou do professor, e serão intercedidos da polícia. Em espaços elitizados, a vigilância será a melhor forma para fazer isso. A adoção de câmeras em salas de aula é um importante instrumento para controle pedagógico e padronização comportamental nas escolas. Outra tendência da educação pautada pelo capital é o investimento em tecnologia. A “nova escola” é tão opressora e disciplinadora quanto a “antiga”, mas sua grande novidade é o uso da tecnologia, sendo utilizada para a padronização curricular e pedagógica. A outra “novidade” é a institucionalização da perseguição ideológica a vozes destoantes. Já existem projetos de lei que criminalizam professores por “defenderem suas ideologias em sala de aula”, assim como a tendência de transformar a rebeldia e o questionamento dos jovens em patologias psíquicas. Questionar e pensar não são bem vindos para as tendências da “nova” escola.

Neste sentido, urge para os sindicatos dos professores, associações estudantis, pais e movimentos populares construírem uma visão mais coerente e geral sobre a educação do país. Os professores, pouco a pouco, se convertem em verdadeiros agentes carcerários nas “novas escolas”. Chega-se ao fim da autonomia pedagógica do professor; a má formação e os baixos salários fazem parte do controle e do perfil do professor que interessa para a “nova pedagogia escolar do capital”. Nesse caso, o debate da política educacional determina a própria situação econômica-social dos profissionais da educação.

As lutas ocorrem e vão se intensificar, mas é necessário este salto político qualitativo. A luta de classes também é uma luta política na construção de visões de mundo. Desse modo, temos sim que lutar contra a diminuição da idade penal, porém devemos também lutar para que as escolas sejam reinventadas, com bases transformadoras e humanísticas do trabalho social concreto, e que cada vez menos se pareçam com o ideário bárbaro das prisões.

*Luís Fernandes é professor e membro do Comitê Central do PCB