Do fuzil aos saltos altos

imagemPor Camila Cienfuegos, Delegação de Paz das FARC-EP / Resumen Latinoamericano/ Outubro de 2015 – Havana:
Em agosto de 2012, em um acampamento nas montanhas da Colômbia, sentada em frente ao computador redigindo um plano de estudo, escuto o ruído do avião explorador que interrompe a cotidianidade e a concentração, rapidamente tomo meu fuzil e tento me entrincheirar junto ao grupo antiaéreo. Uff! Felizmente apenas foi uma rasante. Retornou a calma e continuamos estudando os temas de paz.

A concentração é interrompida de novo pelo chamado que me fazem para assistir a uma reunião da Direção de Comandos. Uma reunião que parece rotineira, mas que não esquecerei. Notificaram-me que sairei em uma importante missão; na minha cabeça surgem muitas perguntas ausentes de respostas, mas estava certa de que daria o melhor de mim. Um princípio inamovível em minha vida.

O tão esperado dia chegou. Breve e sem maior protocolo, o Camarada Pablo informa a mim e Boris que faremos parte da Delegação de Paz que viajará para Havana, Cuba. Sem trocar uma palavra, nos olhamos sentindo de imediato sobre nossos ombros o peso de uma responsabilidade histórica. Os rostos de anônimos camaradas, com os quais cruzamos na vida guerrilheira e já não estão entre nós, mulheres e homens sonhadores da nova Colômbia, passam por um segundo em minha mente.

Sem tempo a perder, começamos a organizar as bagagens. Não foi fácil me desprender de minhas botas de borracha e meu fuzil, que foram meus fieis companheiros por mais de duas décadas. Amigos inseparáveis. Faço a entrega de meu equipamento de campanha, já não visto meu uniforme verde oliva, agora me visto como civil, me despeço de minha grande família Fariana, os mesmos companheiros com os quais compartilhei momentos inesquecíveis de felicidade e tantos outros de tristeza.

Estamos próximos de entrar no avião. Espera-me uma longa viagem. Sinto nostalgia por deixar para trás minha cotidianidade e expectativa pelo que virá. Os meus, a guerrilheirada e sua camaradagem aos poucos vão ficando distantes, enquanto se despedem agitando suas mãos. Vejo seus fuzis atravessados. Continuarão enfrentando o calor da guerra, expostos a bombardeios e ataques que não dão trégua, enquanto eu estarei cumprindo outra tarefa, já não na selva. Em algumas horas estaremos em Cuba, a ilha da liberdade. A terra de Fidel e Raúl, de Che Guevara, Camilo Cienfuegos; a mesma terra que viu nascerem mulheres incríveis como Celia Sánchez Manduley, Vilma Espín, Mariana Grajales e muitas outras. Um país produtor de autênticos revolucionários. Um povo extraordinário.

Finalmente chego ao Aeroporto José Martí, em Havana, onde me afundo em abraços com os camaradas da Delegação de Paz que, de imediato, me atribuem minha nova responsabilidade, trabalhar na equipe de imprensa. Já não tenho nem fuzil nem botas, tenho saltos, gravador, telefone celular à mão, além de um caderno para apontamentos. Troco informações com jornalistas e correspondentes da imprensa nacional e internacional que se instalaram na maior das Antilhas para acompanhar o dia a dia dos diálogos. Como na guerrilha, nesta tarefa se aprende todos os dias.

Agora não apenas redijo planos de estudos, mas de trabalho e coordeno agendas. Aqui ou lá continuo cumprindo com meu compromisso, dar o melhor de mim. Sonho em voltar e contar aos meus a boa nova, o acordo de uma paz estável e duradoura. Que difícil foi soltar o fuzil e subir nos saltos altos!

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/10/19/colombia-del-fusil-a-los-tacones/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Categoria