Viva a WikiLeaks! “Sicko” não foi proibido em Cuba
A Wikileaks fez algo incrível. Publicou um pequeno documento produzido pelo Departamento de Estado, em parte, sobre mim e meu filme, ‘Sicko’.
É uma visão impressionante, à natureza orwelliana, de como os burocratas do Estado fazem rodar suas mentiras e fantasiam a realidade (suponho façam isso acalmar seus chefes e, assim, dizem exatamente o que eles querem escutar).
A data é de 31 de janeiro de 2008, alguns dias depois de Sickoter sido indicado ao Oscar como Melhor Documentário. Deve ter sido uma espécie de troco de algum louco do Departamento de Estado de Bush (imediatamente seu Departamento de Tesouro me notificou, pois estavam investigando quais as leis eu poderia ter sido burladas ao levar três dos primeiros socorristas do 11 de novembro, para receberem, em Cuba, os cuidados médicos que foram negados pelos Estados Unidos).
O ex-executivo de seguros de saúde, Wendell Potter, revelou que a indústria do seguro tinha decidido gastar milhões em ações contra mim e, se fosse necessário, “empurrariam Michael Moore de um precipício”. Eles tinham começado a trabalhar com os cubanos anti-castristas em Miami com o intuito de fazê-los caluniarem meu filme.
Assim, em 31 de janeiro de 2008, um funcionário do Departamento de Estado, lotado em Havana, registrou uma história inventada e a enviou à sede, em Washington. A história sugerida era esta:
XXXXXXXXXXXX declarou que as autoridades cubanas proibiram o documentário de Michael Moore, “Sicko”, por ser subversivo. Ainda que a intenção do filme seja desacreditar o sistema de saúde dos EUA, pondo em destaque a excelência do sistema cubano, disse que o regime sabe que o filme é um mito e não quer arriscar-se a uma reação popular ao mostrar aos cubanos instalações que, claramente, não estão disponíveis para a grande maioria deles.
Soa convincente, não? Só há um problema: todo o povo de Cuba viu o filme pela televisão estatal, em 25 de abril de 2008! Os cubanos gostaram tanto do filme que ele se converteu num dos raros documentários norte-americanos a serem distribuídos nos cinemas de Cuba. Eu, pessoalmente, me encarreguei de fazer uma cópia de 35 mm chegar ao Instituto de Cinema de Havana.
A projeção de ‘Sicko’ aconteceu em todo o país. Em Havana, o filme foi projetado no famoso Cine Yara. No entanto, o documento secreto diz que os cubanos foram proibidos de verem meu filme. Hmmm.
Também sabemos, por outro documento secreto dos EUA, que “o desencanto [das massas em Cuba] vem crescendo em todas as províncias” e que “todas as províncias do Oriente estão fervendo de ódio” contra o regime de Castro. Existe uma grande rebelião subterrânea ativa e “os trabalhadores facilmente dão todo o apoio necessário”, com todo mundo envolvido numa “sutil sabotagem” contra o governo. A moral é péssima em todas as ramificações das forças armadas e, em caso de guerra, o exército “não irá lutar”. Tremendo. Esta notícia é quente!
Este suposto documento secreto dos EUA é da data de 31 de março de 1961, três semanas antes de Cuba chutar alguns traseiros na Baía dos Porcos.
O governo dos EUA vem divulgando estes documentos “secretos” para si mesmo nestes últimos cinquenta anos. Neles, explicam com detalhes minuciosos o quão terrível está a situação em Cuba e como os cubanos estão sofrendo em silêncio. Tudo isso para que possamos regressar e assumir o controle. Não sei por que escrevem estes documentos. Acredito que a utilidade é nos fazer sentir melhor com nós mesmos.
Então, que fazer com um quase falso documento “secreto”, especialmente um que envolve você e seu filme? Bom, você espera que um jornal responsável investigue e grite aos quatro ventos o que descobrir.
Porém, a WikiLeaks divulgou ontem o documento sobre o ‘Sicko’ em Cuba aos meios de comunicação. E o que estes fizeram? Circularam o documento como se fosse verdade! Eis o título no jornal The Guardian: “Wikileaks: Cuba proibiu Sicko por descrever ‘um mítico’ sistema de saúde. As autoridades temiam que as imagens dos reluzentes hospitais no filme de Michael Moore, indicado ao Oscar, provocasse uma reação popular”.
E nem sombra de uma investigação profunda para saber se Cuba tinha realmente proibido o filme! De fato, ocorreu o contrário. A imprensa de direita começou a ter um dia pautado por manobras, reportando uma mentira (Andy Levy, da Fox – duas vezes – Revista Reason e Hot Air, além de uma porção de blogs). Lamentavelmente, inclusive Boing Boing e meus amigos do The Nation, escreveram sobre ela sem ceticismo. Assim, da mesma forma que temos aqui a Wikileaks, que se colocou na linha de frente para encontrar e liberar estes documentos à imprensa, temos os jornalistas tradicionais, cada vez mais cansados para levantar um dedo, apontar e clicar com o mouse para acessar a Nexisou buscar, através do Google, e olhar se Cuba realmente “proibiu o filme”. Se apenas um repórter tivesse feito isso, ele teria encontrado:
16 de junho de 2007 Sábado 1:41 GMT [sete meses antes do documento falso]
TÍTULO: Ministro da Saúde cubano diz que o filme de Michael Moore, Sicko, mostra os “valores humanos” de um sistema comunista.
Byline: Por ANDREA RODRIGUEZ, escritora da Associated Press
HAVANA
O Ministro da Saúde de Cuba, José Ramón Balaguer, disse, na sexta-feira, que o documentário do cineasta norte-americano Michael Moore, “Sicko”, coloca em destaque os valores humanos do governo comunista da ilha… “não pode existir nenhuma dúvida de que o documentário de uma personalidade como o Sr. Michael Moore ajuda a promover os princípios profundamente humanos da sociedade cubana”.
Que tal esta pequena notícia de 25 de abril de 2008, publicada em CubaSí.cu(tradução do Google):
Sicko estreou em Cuba – 25/04/2008
O documentário Sicko, do cineasta norte-americano Michael Moore, que trata sobre o deplorável estado do sistema de saúde norte-americano, estreia hoje, às 17:50, no espaço Mesa Redonda da Cubavisión e no Canal Educativo.
Também existem notícias como esta em JuventudRebelde.cu,em seu editorial. Existe, inclusive, um longo clipe na seção Cuba, onde aparece ‘Sicko’, na página multimídia sitio webCubaSí.cu, no canal da Mesa Redonda.
OK, sabemos que os meios de comunicação são preguiçosos e a maioria não presta. Porém, o maior problema aqui é como nosso governo parecia estar em confabulação com a indústria de seguros de saúde para destruir o filme e induzir a opinião pública de que os cubanos possuem um país de terceiro mundo “assolado pela pobreza”: saúde gratuita e universal. E porque eles têm e nós não? Cuba possui uma taxa de mortalidade infantil mais baixa que a nossa, sua expectativa de vida está somente 7 meses abaixo da nossa e, segundo a OMS, estão posicionados só a dois lugares atrás do país mais rico do mundo em termos de qualidade, no que se refere ao atendimento médico.
Esta é a história divulgada pelos principais meios de comunicação e pelos inimigos da direita.
Agora que foram apresentados os fatos, o que irão fazer a respeito? Vão atacar meu filme por ter sido exibido pela televisão estatal cubana? Ou vão me atacar porque não projetaram meu filme na televisão estatal cubana?
Terão que eleger uma das suas acusações. Não podem ser ambas coisas.
E já que os fatos demonstram que o filme foi projetado na televisão estatal e nos cinemas, creio que é melhor que me ataquem por terem exibido meus filmes em Cuba.
Viva a Wikileaks!
Ver no blog de Michael Moore
http://www.cubadebate.cu/opinion/2010/12/19/viva-wikileaks-sicko-no-fue-prohibido-en-cuba/
Tradução: Maria Fernanda M. Scelza